“Limite é a gente que coloca”. Essa é a certeza que vem impulsionando cada pedalada dos 6 mil km percorridos por uma mãe rumo ao sonho do filho se tornar juiz.

Com 80 centímetros, Douglas Henrique da Silva, de 18 anos, tem um tipo de nanismo raro que afeta a locomoção, por isso, são as mãos e os pés de Maria da Conceição que os guiam pelas estradas rurais de Felixlândia, em Minas Gerais, desde a pré-escola à faculdade. O jovem cursa o segundo período de Direito, mas, ainda antes de entrar na faculdade, já tinha bem definida a grande causa a ser defendida.

\”Quero ser juiz porque penso que a profissão é uma forma de ajudar as pessoas, de lutar por uma sociedade mais justa e humana”, emociona-se Douglas.

Para Douglas assistir às aulas, Maria pedala três quilômetros todos os dias por uma estrada de terra até a MG-259, onde pegam um ônibus até Curvelo (MG). Ao chegar na cidade, a mãe carrega o estudante nos braços e o leva para onde as aulas são ministradas.

Os 6 mil km pedalados desde a Educação Infantil seriam suficientes para ir e voltar quatro vezes de Felixlândia a São Paulo ou Rio de Janeiro, por exemplo. Daria também para fazer o percurso de ida e volta a Salvador (BA) por duas vezes.

\”Quando eu o coloquei no pré, todo mundo foi contra. Disseram que ele iria sofrer e que não poderia ir sozinho. Mas isso não era um problema, porque eu o levaria. Continuo fazendo assim até hoje. Vou, ajudo a ir no banheiro, dou o lanche”, afirma Maria da Conceição, que estudou até a quarta série do ensino fundamental.

Nesta sexta-feira, 25 de outubro, é comemorado o Dia Nacional do Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo. A data foi criada em 2017 para conscientizar sobre o direito que elas têm de ocupar qualquer espaço que desejam na sociedade. Douglas é uma prova disso e conta com o apoio da família.

“Vamos [de bicicleta] eu, minha mãe e um primo pela estrada de terra. Enquanto ele volta com a bicicleta, nós dois seguimos de ônibus. Quando chegamos em Curvelo, ela me carrega, costumo dizer que os braços e pés dela são os meus. Na volta, um ônibus da Prefeitura traz a gente até em casa”, fala Douglas, que foi diagnosticado com displasia diastrófica ainda na barriga da mãe, com cinco meses.

A faculdade de Direito que Douglas frequenta é particular e custa R$1.200 mensais, como ele e a mãe vivem com dois salários mínimo, do benefício do INSS e da pensão paga pelo pai, parentes contribuem para que o rapaz consiga estudar.

Furto da bicicleta revolta comunidade

Recentemente, a bicicleta utilizada por mãe e filho há 13 anos foi furtada. Maria também utilizava o veículo para outros compromissos. Em uma dessas ocasiões, ela deixou a bicicleta escondida em um matagal e, quando retornou, não a encontrou.

\”Pesquisei quanto era uma usada, ficava uns R$ 150, mas resolvi pegar a da minha cunhada emprestada até que fosse possível ter o dinheiro. Tudo isso para que ele não ficasse sem ir às aulas”, lembra Maria da Conceição.\”

Os moradores da comunidade onde mãe e filho vivem ficaram revoltados e contaram a história deles para dois policiais militares, o sargento Gilson Ferreira de Souza e ao cabo Matheus Trindade

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Douglas, Maria, sargento Gilson, soldado Matheus e o empresário que contribuiu com a campanha — Foto: Gilson Ferreira de Souza / Arquivo Pessoal

“A gente faz patrulhamento na zona rural e sempre conversamos com os moradores para sabermos se tudo está tranquilo. Ao paramos em um bar, o dono contou que todos da comunidade estavam revoltados porque haviam furtado a bicicleta do Douglas”, lembra o sargento, que é policial há 28 anos.

Após saberem do furto e da história de superação de mãe e filho, os dois militares foram até a casa deles. Maria explicou que optou por não registrar o boletim de ocorrência, já que algumas pessoas chegaram a dizer que um andarilho poderia ter levado a bicicleta, que não poderia ser recuperada.

“Coincidentemente, Douglas sonhava em ser policial, embora tivesse a mobilidade reduzida, a mãe nunca colocou limites nos sonhos dele. Eles são um exemplo de superação, ele é determinado e vai conseguir tudo pelo esforço próprio, quem ensinou isso foi ela, que também é uma guerreira”, fala Gilson de Souza.

Após fazer uma campanha nas redes sociais, os dois militares conseguiram arrecadar R$ 500, a bicicleta nova custava R$ 750. Um empresário ficou comovido e completou o valor.

“Enquanto alguém me prejudicou, muitos quiseram ajudar, isso que é o mais surpreendente\”, fala Douglas.

Sobre a doença

O médico Ezequiel Novaes Neto explica que a displasia diastrófica é considerada rara, com poucos casos relatados na Medicina. Trata-se de uma doença genética que afeta as substâncias entre as células, os tecidos ósseos e cartilaginosos.

A enfermidade provoca deformidades nos ossos e articulações, em função disso, os portadores apresentam baixa estatura, entre 1,10 m e 1,20 m.

“Não existe cura, os pacientes precisam de suporte, principalmente na parte de fisioterapia e auxílio motor ao longo da vida”, completa o especialista.

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\” costumo dizer que os braços e pés dela são os meus \”, diz Douglas. — Foto: Douglas Silva / Arquivo Pessoal

Fonte: G1

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