O novo crime de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral (art. 326-A do Código Eleitoral)


O Código Eleitoral (Lei nº 4.737/65) prevê alguns crimes. A
Lei nº 13.834/2019 acrescenta um novo artigo a esse diploma, criando o crime de
denunciação caluniosa com finalidade eleitoral.

NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

Crimes eleitorais

Para que uma infração penal possa ser considerada como “crime
eleitoral”, é necessário o preenchimento de dois requisitos:

1) previsão na lei eleitoral: a conduta delituosa
deve estar prevista em lei que trate sobre direito eleitoral; e

2) finalidade eleitoral: a conduta do agente deve ter
sido praticada com o objetivo de violar bem jurídico eleitoral, ou seja, é
preciso que o crime tenha sido praticado com objetivo de atingir valores como a
liberdade do exercício do voto, a regularidade do processo eleitoral e a
preservação do modelo democrático.

Nesse sentido:

(…) 1. A simples existência, no Código Eleitoral, de descrição
formal de conduta típica não se traduz, incontinenti, em crime eleitoral, sendo
necessário, também, que se configure o conteúdo material de tal crime.

2. Sob o aspecto material, deve a conduta atentar contra a
liberdade de exercício dos direitos políticos, vulnerando a regularidade do
processo eleitoral e a legitimidade da vontade popular. Ou seja, a par da
existência do tipo penal eleitoral específico, faz-se necessária, para sua
configuração, a existência de violação do bem jurídico que a norma visa
tutelar, intrinsecamente ligado aos valores referentes à liberdade do exercício
do voto, a regularidade do processo eleitoral e à preservação do modelo
democrático.

3. A destruição de título eleitoral da vítima, despida de
qualquer vinculação com pleitos eleitorais e com o intuito, tão somente, de
impedir a identificação pessoal, não atrai a competência da Justiça Eleitoral. (…)

STJ. 3ª Seção. CC 127.101/RS, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado
em 11/02/2015.

Se o crime foi praticado no contexto eleitoral, mas não está
tipificado na legislação eleitoral, o agente responderá por crime “comum”,
sendo julgado pela Justiça “comum” federal. É o caso, por exemplo, do desacato
contra juiz eleitoral:

PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME COMUM PRATICADO CONTRA JUIZ
ELEITORAL. INTERESSE DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.

1. A competência criminal da Justiça Eleitoral se restringe ao
processo e julgamento dos crimes tipicamente eleitorais.

2. O crime praticado contra Juiz Eleitoral, ou seja, contra órgão
jurisdicional de cunho federal, evidencia o interesse da União em preservar a
própria administração.

3. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo
Federal do Juizado Especial Cível e Criminal da Seção Judiciária do Estado de
Rondônia, ora suscitado.

STJ. 3ª Seção. CC 45552/RO, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, julgado
em 08/11/2006.

Os crimes eleitorais estão todos previstos no Código Eleitoral?

NÃO. Existem crimes eleitorais tipificados em outras leis
que tratam sobre matéria eleitoral: Lei nº 6.091/74, Lei nº 6.996/82, Lei nº
7.021/82, LC nº 64/90, Lei nº 9.504/97.

De quem é a competência para julgar crimes eleitorais?

Da Justiça Eleitoral.

Essa competência poderá ser dos Juízes Eleitorais, dos
Tribunais Regionais Eleitorais ou do Tribunal Superior Eleitoral. O TSE apenas em grau de recurso.

Feitos esses esclarecimentos que reputava necessários, vejamos
o novo crime eleitoral inserido pela Lei nº 13.834/2019:

DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA COM
FINALIDADE ELEITORAL

Art.
326-A. Dar causa à instauração de investigação policial, de processo judicial,
de investigação administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade
administrativa, atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de
que o sabe inocente, com finalidade eleitoral:

Pena
– reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa.

§
1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve do anonimato ou de
nome suposto.

§
2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.

§
3º (VETADO)

Em que consiste o crime

O agente, …

– movido por uma finalidade eleitoral (ex: para denegrir a
imagem do adversário político),

– pratica alguma conduta por meio da qual atribui a
determinada pessoa a prática de um crime ou ato infracional,

– mesmo sabendo que ela é inocente,

– fazendo com que as autoridades iniciem…

• uma investigação policial

• um processo judicial

• uma investigação administrativa

• um inquérito civil

• ou uma ação de improbidade administrativa.

Necessidade de criar o crime e diferença em relação à denunciação caluniosa
do CP

O Código Penal também prevê, no art. 339, o crime de denunciação
caluniosa, com redação muito semelhante ao art. 326-A do CE. A pena, inclusive,
é mesma.

Diferenças entre o art. 339 do
CP e o art. 326-A do CE:

Denunciação
caluniosa com finalidade eleitoral

Denunciação
caluniosa “comum”

Previsto no art. 326-A do
CE.

Previsto no art. 339 do CP.

Exige finalidade eleitoral.

Não exige finalidade
eleitoral.

O agente atribui a alguém a
prática de crime ou ato infracional de que o sabe inocente.

O agente atribui a alguém a
prática de crime de que o sabe inocente.

Competência da Justiça Eleitoral.

Competência da Justiça
Comum.

Antes da Lei nº 13.834/2019, caso o agente tivesse praticado
essa conduta “com finalidade eleitoral”, ele respondia pelo do art. 339 do CP,
sendo o crime julgado pela Justiça Comum Federal (obs: o crime era julgado pela
Justiça Federal porque é praticado em detrimento da Justiça Eleitoral, que é um
órgão da União, atraindo, portanto, a hipótese do art. 109, IV, da CF/88).
Nesse sentido, confira este precedente do TSE:

Ação penal. Justiça Eleitoral. Incompetência. Denunciação
caluniosa.

1.  Considerando que o
art. 339 do Código Penal não tem equivalente na legislação eleitoral, a Corte
de origem assentou a incompetência da Justiça Eleitoral para exame do fato
narrado na denúncia – levando-se em conta que a hipótese dos autos caracteriza,
em tese, ofensa à administração desta Justiça Especializada -, anulou a
sentença e determinou a remessa dos autos à Justiça Federal.

2.  É de se manter o
entendimento do Tribunal a quo, visto que a denunciação caluniosa decorrente de
imputação de crime eleitoral atrai a competência da Justiça Federal, visto que
tal delito é praticado contra a administração da Justiça Eleitoral, órgão
jurisdicional que integra a esfera federal, o que evidencia o interesse da
União, nos termos do art. 109, inciso IV, da Constituição Federal.

(Agravo de Instrumento nº 26717, Acórdão, Relator(a) Min.
Arnaldo Versiani, Publicação:  DJE –
Diário de justiça eletrônico, Data 07/04/2011, Página 42)

Assim, com a inclusão do art. 326-A do CE praticamente a
única mudança foi quanto à competência:

• Se o agente praticasse denunciação caluniosa com
finalidade eleitoral antes da Lei nº 13.834/2019: ele responderia pelo crime do
art. 339 do CP, sendo julgado pela Justiça Comum Federal.

• Se o agente praticar denunciação caluniosa com finalidade
eleitoral depois da Lei nº 13.834/2019: ele responde pelo crime do art. 326-A
do CE, sendo julgado pela Justiça Eleitoral.

Bem jurídico protegido

Esse crime tem por
objetivo proteger, em primeiro lugar, a Administração da Justiça. Em outras
palavras, pune-se o agente pelo fato de ter movimentado a Justiça (aqui
entendida em sentido amplo) mesmo sabendo que a pessoa a quem se atribuiu o
crime (ou ato infracional) era inocente.

Além disso, o tipo busca proteger também, secundariamente, a
honra da pessoa a quem se atribuiu o crime ou ato infracional.

Dar causa

Significa provocar, dar início.

Essa provocação pode ser:

a) direta: quando o agente, em nome próprio, provoca as
autoridades afirmando que a pessoa praticou o crime ou o ato infracional;

b) indireta: quando o agente se vale de meios dissimulados
para provocar as autoridades. Exs: delação anônima, “plantar” droga na bagagem
da vítima.

Sujeito ativo

Pode ser praticado por qualquer pessoa. Trata-se de crime
comum.

Sujeito passivo

O Estado e a pessoa a quem se atribuiu falsamente a prática
do delito.

Elemento
subjetivo

É
o dolo direto, considerando que o tipo penal utiliza a expressão “imputando-lhe
crime de que o sabe inocente”.

Desse
modo, é imprescindível que esteja provado que o agente tenha efetivo
conhecimento da inocência da pessoa e, mesmo assim, dê causa à instauração do
procedimento.

Não
se admite o dolo eventual nem a modalidade culposa.

Além
do dolo, o crime do art. 326-A do CE exige um elemento subjetivo especial (“dolo
específico”): a finalidade eleitoral. Assim, o sujeito ativo deve ter dado
causa à instauração motivado por objetivos eleitorais (ex: impedir que o
adversário político concorra, fazer com que ele perca votos etc.).

Consumação

O crime se consuma quando a autoridade dá início à investigação
policial, ao processo judicial, à investigação administrativa, ao inquérito
civil ou à ação de improbidade administrativa.

Tentativa

É possível. Ex: o agente narra que determinada pessoa praticou
um crime, mas o Delegado constata que se trata de uma falta delação antes mesmo
de instaurar a investigação.

Anonimato

Se o agente se serve do anonimato ou de nome suposto, haverá
contra ele uma causa de aumento de pena de 1/6.

§ 1º A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve
do anonimato ou de nome suposto.

Denunciação caluniosa privilegiada

Se o agente dá causa à instauração do procedimento imputando
falsamente a prática de uma contravenção penal, haverá uma causa de diminuição
de pena de 1/2 (metade).

§ 2º A pena é diminuída de metade, se a imputação é de
prática de contravenção.

Calúnia eleitoral x denunciação
caluniosa eleitoral

Calúnia
(art. 324 do CE)

Denunciação
caluniosa (art. 326-A do CE)

Art. 324. Caluniar alguém,
na propaganda eleitoral, ou visando fins de propaganda, imputando-lhe
falsamente fato definido como crime:

Pena. detenção de seis
meses a dois anos, e pagamento de 10 a 40 dias-multa.

Art. 326-A. Dar causa à
instauração de investigação policial, de processo judicial, de investigação
administrativa, de inquérito civil ou ação de improbidade administrativa,
atribuindo a alguém a prática de crime ou ato infracional de que o sabe
inocente, com finalidade eleitoral:

Pena – reclusão, de 2
(dois) a 8 (oito) anos, e multa.

O agente apenas imputa
falsamente um fato definido como crime.

O agente, além de imputar falsamente
um fato definido como crime, leva essa imputação para as autoridades para que
seja instaurado um procedimento contra a vítima.

O agente somente quer
atingir a honra da vítima na propaganda eleitoral ou com fins de propaganda.

O agente quer que seja
instaurado um procedimento ou processo contra a vítima.

Seu objetivo é eleitoral,
mas não necessariamente relacionado com a propaganda eleitoral (ex: o agente
dá causa à instauração de uma ação penal com o objetivo de que a vítima seja
condenada e que, portanto, fique impedida de concorrer).

A imputação é unicamente de
crime. Não existe calúnia se o agente imputa falsamente a prática de uma
contravenção penal.

A imputação falsa pode ser
de crime ou contravenção penal.

Ação penal

Ação penal pública incondicionada.

Todos os crimes eleitorais são de ação pública
incondicionada, conforme prevê o art. 355 do Código Eleitoral:

Art. 355. As infrações penais definidas neste Código são de ação
pública.

Suspensão condicional do processo

A figura típica do caput não admite suspensão condicional do
processo porque a pena mínima é superior a 1 ano.

No caso da prática do § 2º, é possível a concessão do referido
benefício.

Dispositivo vetado

O novo art. 326-A do CE previa a existência de um § 3º com a
seguinte redação:

Art. 326-A (…)

§ 3º  Incorrerá nas mesmas
penas deste artigo quem, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e
com finalidade eleitoral, divulga ou propala, por qualquer meio ou forma, o ato
ou fato que lhe foi falsamente atribuído.

Este dispositivo foi vetado pelo Presidente da República. As
razões expostas foram as seguintes:

“A propositura
legislativa ao acrescer o art. 326-A, caput, ao Código Eleitoral, tipifica como
crime a conduta de denunciação caluniosa com finalidade eleitoral. Ocorre que o
crime previsto no § 3º do referido art. 326-A da propositura, de propalação ou
divulgação do crime ou ato infracional objeto de denunciação caluniosa
eleitoral, estabelece pena de reclusão, de dois a oito anos, e multa, em
patamar muito superior à pena de conduta semelhante já tipificada no § 1º do
art. 324 do Código Eleitoral, que é de propalar ou divulgar calúnia eleitoral,
cuja pena prevista é de detenção, de seis meses a dois anos, e multa. Logo, o
supracitado § 3º viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal
descrito e a pena cominada.”

Vale ressaltar que, com o veto, a conduta descrita neste § 3º
continua sendo punida pelo § 1º do art. 324 do Código Eleitora, que tem a
seguinte redação:

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando
fins de propaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime:

Pena – detenção de seis meses a dois anos, e pagamento de 10 a
40 dias-multa.

§ 1º Nas mesmas penas incorre quem, sabendo falsa a imputação, a
propala ou divulga.

Vigência

A Lei nº 13.834/2019 entrou em vigor na data de sua
publicação (05/06/2019).

Artigo Original em Dizer o Direito

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