No início da tarde desta quinta-feira (22), o seminário Igualdade e Justiça: a Construção da Cidadania Plural debateu o tema "Liberdade de Expressão e Discurso de Ódio: limites e tensões". O mediador do painel, Guilherme Amado – cofundador da entidade Redes Cordiais e vice-presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo –, ressaltou que "essa é uma oportunidade histórica para fortalecer e consolidar a nossa democracia e o acesso aos direitos civis e aos direitos sociais".

O seminário é promovido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) com o apoio da Embaixada da Suécia e do Instituto Innovare. Clique para assistir no canal do tribunal no YouTube.

Maria Berenice Dias, desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e especialista em direito homoafetivo, destacou o papel de todos os agentes que atuaram para colocar o Brasil na situação atual em relação à garantia desses direitos. Segundo ela, o seminário leva a questão para além do trabalho jurisdicional.

A desembargadora abordou a falta de atuação legislativa na promoção dos direitos da população LGBT+. "Nunca, nenhum dos milhares de projetos, com todos os movimentos que são feitos, conseguiu ser levado à discussão, quem dirá ser aprovado", observou. "Nós temos um legislador covarde, que se escuda atrás de princípios religiosos, quando, no fundo, usa desse artifício para não desagradar seu eleitorado conservador. Não faz leis para segmentos excluídos, como é seu dever. Ele só busca a preservação da sua reeleição", assinalou.

Por outro lado, a magistrada aposentada comentou que "a falta de lei não significa ausência de direto", graças à atuação positiva da Justiça como um todo e à existência de eventos como o seminário promovido pelo STJ.

Ações contra a disseminação de discursos de ódio na internet

Fernando Lottenberg, comissário da Organização dos Estados Americanos (OEA) para Monitoramento e Combate ao Antissemitismo, definiu a internet como uma ferramenta que possibilita mudanças culturais relevantes. "Tal cenário é inédito. Não somos mais apenas receptores. Nossa participação é ativa, gerando conteúdo e impactando diretamente nas relações pessoais e comerciais", disse.

O palestrante destacou, porém, que a falta de controle nesse meio "acaba facilitando a atuação de agentes anônimos, bem como a criação e a disseminação de conteúdos ilícitos e maliciosos em escala mundial". Sobre como combater o discurso de ódio na internet, especialmente nas redes sociais, ele mencionou a necessidade de atuação das empresas controladoras das plataformas para remover tais conteúdos.

Elias Fjellander, presidente jovem da Federação Sueca para os Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Queer e Intersex, falou sobre a importância do combate aos discursos e crimes de ódio, não só para proteger os indivíduos expostos a isso, mas também para mostrar à sociedade o valor da inclusão. "O crime de ódio não é só um crime contra a pessoa, mas um crime contra a sua identificação", afirmou.

"É um trauma a longo prazo para muitas pessoas e, infelizmente, muitas passam por isso. A gente, como sociedade, tem a responsabilidade de proteger o direito dessas minorias", alertou. Elias Fjellander acrescentou, ao final: "Para combater o crime de ódio, é preciso educar as instituições públicas e os adultos, em suas profissões, sobre como lidar com esse tipo de população. Coisas tão simples podem mudar a vida dessas pessoas".

O papel da Corte IDH na proteção de direitos da comunidade LGBT+

O segundo painel da tarde teve como tema "União Homoafetiva: diálogos comparados" e foi mediado pela desembargadora Salise Monteiro Sanchotene, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os palestrantes foram Flávia Piovesan, professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) e da Universidade Pablo de Olavide (Espanha), e Daniel Salermo, advogado e professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).

Flávia Piovesan discorreu sobre a importância da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) – na qual ela atuou – para a proteção dos direitos da comunidade LGBT+ no continente. Para a professora, essa atuação é centrada em três pilares, sendo o primeiro a centralidade da vítima, dando voz a quem não tem voz. "Os outros pilares são a reparação integral dos danos de crimes de ódio, seja financeira ou reparação legal, e a responsabilização dos Estados que não protejam esses direitos", informou.

Um dos primeiros casos nessa trajetória foi uma ação de custódia no Chile, em 2012. Conforme relatou a palestrante, o país foi condenado por negar o direito de custódia dos filhos para uma mulher homossexual, pois a Corte IDH entendeu que a orientação sexual é parte da vida privada e não poderia ser considerada isoladamente para discriminá-la. Flávia Piovesan disse que esse caso levou países como Costa Rica, Uruguai e o próprio Chile a promoverem mudanças legais e de jurisprudência para proteger as uniões homoafetivas.

A professora enfatizou que a adoção do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero pelo CNJ foi um passo importante do Judiciário brasileiro. Segundo ela, o protocolo é interpretado de forma ampla, o que ajuda a proteger a comunidade LGBT+, e deveria ser aplicado não só para julgamentos, mas para os demais procedimentos judiciais.

Pressão popular pelo reconhecimento da união homoafetiva

Em sua palestra, Daniel Salermo apontou o protagonismo dos movimentos sociais para o reconhecimento das uniões homoafetivas. De acordo com o professor, a Associação da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo provocou a discussão do tema no Supremo Tribunal Federal (STF), em 2010, e pressionou o Ministério Público Federal e o governo do Rio de Janeiro para que entrassem com ação contra a discriminação dos casais homoafetivos.

Salermo lembrou que o hoje ministro do STF Luís Roberto Barroso, então representando como advogado o governo do Rio, entrou com a ação. Em 2011, a vice-procuradora-geral da República Deborah Duprat ajuizou a mesma ação. Em julgamento conjunto das ações, em 2012, sob relatoria do ministro Ayres Britto (hoje aposentado), a união homoafetiva foi reconhecida. "Nada disso seria possível sem a mobilização e a pressão popular e da mídia. Direitos não caem do céu. Eles são arrancados", declarou.

O STF, no ponto de vista de Salermo, fez uma "leitura moral" da Constituição Federal, no sentido de "fazer a coisa certa". Para ele, "o entendimento do Supremo foi extensivo, já que o espírito constitucional vai na direção da maior inclusão e do tratamento equânime das diversas configurações familiares". 

Veja as fotos do evento.

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