O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (21) o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5874, em que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, questiona o decreto de indulto editado pelo presidente da República, Michel Temer, em dezembro de 2017. Após a leitura do relatório pelo ministro Luís Roberto Barroso, da manifestação da autora da ação e das sustentações orais dos amici curiae, o julgamento foi suspenso e deverá ser retomado na sessão da próxima quarta-feira (28).

Dispositivos do Decreto 9.246/2017 foram suspensos por liminar deferida pela então presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, durante o recesso do Tribunal. Posteriormente, o relator, ministro Barroso, manteve a cautelar, mas permitiu a aplicação parcial do decreto nas hipóteses em que não se verifica desvirtuamento na concessão do benefício e mediante os critérios fixados em sua decisão.

Requerente

Raquel Dodge sustentou que o artigo 1º, inciso I, do decreto, que concede indulto natalino aos condenados que cumpriram apenas um quinto de suas penas, inclusive as restritivas de direito, viola os princípios constitucionais da separação dos Poderes, da individualização da pena, da vedação constitucional ao Poder Executivo para legislar sobre direito penal e de vedação da proteção insuficiente, porque promove punição desproporcional ao crime praticado, causa percepção de impunidade e de insegurança jurídica e desfaz a igualdade na distribuição da justiça. “Uma medida dessa natureza interfere diretamente com a jurisdição penal, com seus efeitos, e tem reflexos diretos na confiança e na credibilidade do sistema de administração de Justiça”, disse na sessão desta quarta-feira.

A competência para conceder indulto, segundo a procuradora-geral da República, não tem caráter absoluto nem ilimitado e não confere ao presidente da República a prerrogativa de suprimir injustificadamente condenações penais. “O chefe do Executivo não tem competência constitucional para legislar sobre matéria penal e não pode, por essa razão, extrapolar os limites da finalidade do indulto e estabelecer parâmetros incompatíveis o princípio da razoabilidade”, destacou.

A concessão de indulto, em se tratando de exercício de função excepcional, deve se fundar em critérios de política criminal, compatíveis com a natureza humanitária do instituto, explicou Dodge. Para ela, esse não é o caso do decreto impugnado. “Sem justificativa minimamente razoável, o decreto amplia desproporcionalmente os benefícios e cria um cenário de impunidade no país. Reduz em 80% o tempo de cumprimento da pena aplicada, extingue penas restritivas de direito e suprime multas e o dever de reparar o dano pela prática de crimes graves”, relatou.

Além disso, para a procuradora-geral, os dispositivos são anômalos se comparados a decretos de anos anteriores. “Houve o intuito inequívoco de alcançar condenados por crimes contra a administração pública (corrupção e peculato), os quais não vinham sendo beneficiados de forma tão generosa em anos anteriores”, afirmou.

Amici curiae

Da tribuna, em nome da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), o advogado Alberto Pavie Ribeiro reafirmou os argumentos da procuradoria-geral pela procedência da ação. Defendeu ainda que o limite para a concessão do indulto seja a pena mínima prevista em lei e que o benefício não seja aplicado aos beneficiados com a colaboração premiada. “Não há como aceitar que em pleno século XXI, diante do Estado Democrático de Direito, com as garantias do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, depois de o acusado ser processado e julgado em até quatro instâncias, se possa cogitar de erronia das penas impostas para justificar o indulto de forma ampla sem qualquer limitação legal”, afirmou.

Para o defensor público-geral federal, Gabriel Faria Oliveira, que representou a Defensoria Pública da União (DPU), politizou-se a concessão do indulto por conta da operação Lava-Jato. De acordo com ele, dos 22 condenados em decorrência da operação, apenas um seria alcançado efetivamente pelo indulto. Além disso, argumenta que o STF já tem jurisprudência no sentido da competência discricionária do presidente da República para editar decreto de indulto. “A flexibilização agora permitiria a flexibilização outrora. Se o STF flexibilizar o decreto, a todos os decretos futuros haverá contestação judicial”.

Pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, o defensor Pedro Paulo Lourival Carriello também lembrou que o STF já discutiu essa matéria no julgamento da ADI 2725, quando se afirmou que a edição de um indulto não pode ser considerado ofensivo ao direito social à segurança.

Segundo Alessa Pagan Veiga, que falou em nome da Defensora Pública do Estado de Minas Gerais, não procede que o indulto de 2017 seja mais generoso, menos criterioso e mais abrangente, como defende a Procuradoria-Geral da República (PGR). Quanto às penas restritivas de direitos, por exemplo, alega que ele é igual aos anteriores. “Em alguns pontos ele é extremamente mais restritivo que os outros. Foi mais benéfico para crimes sem violência e sem gravidade, levando em conta o crescimento da população carcerária”, explicou.

O representante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Maurício Stegemann Dieter, defendeu que o indulto, ao contrário do que diz a requerente, não inova em matéria penal. “Considerando que se trata de um mecanismo de política de freios e contrapesos, vai incidir sobre matéria penal, mas não há nenhuma inovação legislativa nem cria normas penais completas ou incompletas”.

O advogado Marcelo Turbay Freiria, representante do Instituto de Garantias Penais (IGP), rememorou que o Supremo, no julgamento da ADPF 347, estabeleceu como medidas para abrandar a situação de “miserabilidade” do sistema penitenciário brasileiro a adoção de penas alternativas à prisão e outras que viessem a abrandar os requisitos temporais para fruição de benefício e direitos dos presos, como progressão de regime, livramento condicional e suspensão condicional da pena.

Por fim, em nome do Instituto de Defesa do Direitos de Defesa (IDDD), o advogado Fábio Tofic Simantob alegou que a questão trazida pela ação não tem natureza constitucional, uma vez que o indulto não está previsto na Carta de 1988, mas em lei infraconstitucional.

SP/CR

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