Ressarcimento dos prejuízos causados pelo deferimento de tutela provisória posteriormente revogada


Imagine a seguinte situação hipotética:

João ajuizou ação de obrigação de fazer contra o plano de saúde
pedindo para que fosse custeada uma cirurgia.

O juiz concedeu a tutela provisória determinando que o plano
realizasse a cirurgia.

O plano de saúde pagou o procedimento, que custou R$ 100
mil.

Depois do cumprimento da tutela provisória, o autor peticionou
nos autos pedindo a desistência da ação, argumentando que houve perda de objeto
em virtude da realização da cirurgia pleiteada.*

O magistrado proferiu sentença julgando extinto o processo
sem resolução de mérito.

Não houve recurso e, após o trânsito em julgado, o plano de
saúde requereu, no mesmo juízo onde tramitou a ação, o cumprimento de sentença,
buscando o pagamento do montante de R$ 100 mil, referente ao custo da cirurgia realizada.

O juiz negou o pedido do plano argumentando que a pretensão
deveria ser formulada em ação própria.

* Esse pedido foi completamente equivocado. O autor deveria
ter requerido a procedência do pedido, confirmando a tutela provisória que já
havia sido concedida. No caso concreto, contudo, a parte autora realmente pediu
a desistência.

Antes de analisarmos o acerto ou não da
decisão do magistrado, deve-se indagar: existe fundamento legal para que o autor
seja obrigado a indenizar o plano de saúde?

SIM.
Veja o que prevê o art. 302 do CPC/2015:

Art. 302. Independentemente da
reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação
da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

I – a sentença lhe for desfavorável;

II – obtida liminarmente a tutela em
caráter antecedente, não fornecer os meios necessários para a citação do
requerido no prazo de 5 (cinco) dias;

III – ocorrer a cessação da eficácia da
medida em qualquer hipótese legal;

IV – o juiz acolher a alegação de
decadência ou prescrição da pretensão do autor.

Parágrafo único. A indenização será
liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

Assim, diz-se que o CPC/2015, seguindo a mesma linha do
CPC/1973, adotou a teoria do risco-proveito.

Para que haja essa indenização é necessária a prova de culpa
ou de má-fé do autor da ação (beneficiado pela tutela antecipada)?

NÃO. Para que haja a reparação dos danos causados por uma
tutela provisória que depois foi revogada não é necessária a discussão de culpa
da parte ou se esta agiu de má-fé. Para que a indenização seja devida basta a
existência do dano.

Essa responsabilidade é objetiva, isto é, independe da demonstração
de dolo ou culpa da parte que requereu a tutela provisória, bastando que o prejudicado
comprove o nexo de causalidade entre o fato e o prejuízo ocorrido.

Se ficar provado que o autor da demanda agiu de forma
maliciosa ou temerária, ele deverá, além de indenizar o réu, responder por
outras sanções processuais previstas nos arts. 79, 80 e 81 do CPC.

Conforme
explica a doutrina:

“(…) o requerente
da tutela provisória assume o risco de ressarcir, ao adversário, todos os
prejuízos produzidos pela concessão e a execução da providência urgente, quando
essa vier a ser extinta por um ato ou omissão imputável ao autor da medida ou por
se constatar que ele não tem o direito antes reputado plausível. E, para tanto,
é irrelevante que o requerente da medida tenha agido de boa ou má-fé, com ou
sem dolo ou culpa. Aliás, se tiver havido litigância de má-fé responderá
também, cumulativamente, pelas penalidades imputáveis a tal conduta (conforme
explicita a parte inicial do art. 302 do CPC/2015).” (WAMBIER, Luis Rodrigues;
TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil: cognição jurisdicional
(processo comum de conhecimento e tutela provisória), volume 2. 16ª ed. São
Paulo: RT, 2016, p. 880)

No exemplo dado, o juiz extinguiu o processo sem resolução
do mérito. Mesmo assim a situação se enquadra no art. 302 do CPC/2015?

SIM.
Ao extinguir o processo sem resolução do mérito isso acarretou a “cessação da
eficácia da medida”, de modo que a situação se amolda ao art. 302, III, III c/c
art. 309, III, do CPC/2015:

Art. 302. Independentemente da
reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação
da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

(…)

III – ocorrer a cessação da eficácia da
medida em qualquer hipótese legal;

Art. 309.  Cessa a eficácia da tutela concedida em
caráter antecedente, se:

(…)

III – o juiz julgar improcedente o
pedido principal formulado pelo autor ou extinguir o processo sem resolução de
mérito.

Assim, a partir da leitura dos referidos dispositivos legais,
a conclusão que se extrai é que, no caso em julgamento, o autor deverá responder
pelo prejuízo que a efetivação da tutela antecipada causou à parte ré, considerando
que, ao desistir da ação, o autor gerou a extinção do processo sem resolução do
mérito, acarretando a cessação da eficácia da tutela provisória concedida.

O juiz agiu corretamente ao indeferir o pedido de
cumprimento de sentença? Essa indenização deverá ser, obrigatoriamente,
pleiteada em ação própria?

NÃO.

O
ressarcimento dos prejuízos advindos com o deferimento da tutela provisória
posteriormente revogada por sentença que extingue o processo sem resolução de
mérito, sempre que possível, deverá ser liquidado nos próprios autos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.770.124-SP, Rel.
Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 21/05/2019 (Info 649).

O
tema é tratado no parágrafo único do art. 302:

Art. 302. (…)

Parágrafo único. A indenização será
liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível.

Logo, em regra, não é necessário o ajuizamento de ação autônoma
para a cobrança dessa indenização.

Mas… me diga uma coisa: o juiz, na sentença, não condenou expressamente
o autor a ressarcir os custos do plano de saúde… Como se pode falar então em
cumprimento de sentença se no título executivo não há menção explícita a essa
condenação?

Para se buscar o ressarcimento pelos danos causados em razão
do cumprimento de tutela provisória posteriormente revogada não é necessário que haja um capítulo
autônomo na sentença do processo principal condenando o beneficiário da tutela
a indenizar a parte contrária.

Para que o plano de saúde pleiteie o ressarcimento pelos
custos decorrentes da tutela provisória revogada não é necessário que na
sentença tenha havido a expressa condenação do autor.

Isso porque a obrigação de indenizar a parte adversa pelos prejuízos
decorrentes do deferimento da tutela provisória posteriormente revogada é
decorrência ex lege (por força de
lei) da sentença de improcedência ou da sentença que extinguiu o processo sem
resolução de mérito, como foi o caso.

Assim, é dispensável
pronunciamento judicial a respeito, devendo o respectivo valor ser liquidado
nos próprios autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível,
conforme determina o parágrafo único do art. 302 do CPC/2015.

Sobre
o tema, cite-se mais uma vez Wambier e Talamini que afirma ser

“desnecessário
qualquer requerimento do réu da demanda de tutela provisória para obter tal
condenação em seu favor – e a imposição da responsabilidade em exame também independe
de expressa determinação do juiz. Para que se estabeleça o dever de indenizar,
basta não haver mais recurso contra a decisão (de primeiro ou segundo grau,
interlocutória ou final) que casse, reforme ou revogue a tutela provisória, implícita
ou explicitamente. A condenação do requerente ao pagamento dessa indenização é
um efeito anexo, automático, da própria decisão que implique a cessação de
eficácia da medida” (Ob. cit., p. 880).

Dessa forma, existe sim título executivo judicial que
permite o cumprimento de sentença. Esse título é a própria decisão que
antecipou a tutela, juntamente com a sentença de extinção do feito sem resolução
de mérito que a revogou, sendo, portanto, perfeitamente possível extrair não só
a obrigação de indenizar o dano causado à parte ré (an debeatur), nos termos dos dispositivos legais analisados
(CPC/2015, arts. 302 e 309), como também os próprios valores despendidos pelo
plano de saúde com o cumprimento da tutela provisória deferida (quantum debeatur).

Artigo Original em Dizer o Direito

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