O segundo painel do seminário sobre os 35 anos da Constituição de 1988, realizado nesta quinta-feira (5) no Supremo Tribunal Federal (STF), teve como tema “Olhando para o passado e pensando o futuro”. Na abertura, o vice-presidente do STF, ministro Edson Fachin, apontou que o Brasil ainda está longe de ser uma sociedade justa, livre e igualitária, mas a Constituição de 1988 não é a cristalização do passado, mas a mudança que só pode ocorrer a partir das regras democráticas. “Nossas diferenças não são maiores que nossas afinidades”, apontou.
Participaram desse painel Flávia Piovesan, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Flávia Martins de Carvalho, da Universidade de São Paulo (USP), Patrícia Perrone Campos Mello, do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) e Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Ana Paula de Barcellos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), além de Oscar Vilhena, da FGV-SP.
Direitos humanos
Flávia Piovesan, professora da PUC-SP destacou que a Constituição Federal de 1988 permitiu a reinvenção do marco normativo relativo aos direitos humanos, como as Leis 7.706/1989 e 9.455/1997, que punem o crime de racismo e tortura, respectivamente, a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adolescente, o Estatuto do Idoso e ratificação dos principais tratados de direitos humanos.
“É uma Constituição que empresta uma ênfase extraordinária aos direitos humanos, tem uma vocação transformadora, emancipatória, enaltece o princípio da dignidade humana como vetor fundamental do Estado Democrático de Direito, petrifica direitos e garantias, inclui direitos sociais no Título dos Direitos Fundamentais, estabelece no campo internacional princípio da prevalência dos direitos humanos, endossa a visão integral dos direitos humanos, é um living instrument e, mais do que isso, respira, é uma Constituição que permite sua permeabilidade ao diálogo com o processo de internacionalização dos direitos humanos”, afirmou.
Cultura
Usando sua história pessoal de superação, lembrando sua origem humilde, Flávia Martins de Carvalho, juíza do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) e juíza-ouvidora na Ouvidoria do STF, falou sobre a importância da cultura para compreensão e interpretação da Constituição Federal, lembrando que a Carta Magna elevou a cultura a direito fundamental.
“A Constituição brasileira, que é expressão da nossa cultura, protege o pluralismo e a diversidade. Por isso, a cultura, em suas mais variadas formas e sob diferentes perspectivas, merece a proteção do Estado. A cultura é um direito e um dever do Estado, além de ser fundamental”, afirmou.
Para ela, a cultura é capaz de transformar a realidade, ampliar a imaginação, para além do que é a realidade limitada, e construir o direito capaz de promover o justo e o bem-viver.
Ciências comportamentais
A secretária da Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação do STF e professora do UniCEUB e Uerj, Patrícia Perrone Campos Mello, destacou que uma das principais conquistas da Constituição de 1988 foi a afirmação da centralidade da dignidade da pessoa humana. Ela defendeu ainda que o Direito Constitucional deve incorporar mais as ciências comportamentais, e não focar apenas na racionalidade.
“A nossa Constituição reconhece a dignidade humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, a nossa doutrina reconhece a dignidade humana como um direito matriz do qual emanam os demais direitos e do qual devem ser interpretadas todas as normas constitucionais. E isso é, em si, transformador e revolucionário, se a gente pensar no ordenamento anterior de 88”, falou.
Saúde e educação
Ana Paula de Barcellos, também professora da Uerj, ressaltou a importância do Direito Constitucional para a saúde e a educação básica, com a forma como as decisões dessas áreas são tomadas no Legislativo e com o monitoramento de políticas públicas. Na sua avaliação, a atuação do Judiciário nos últimos 35 anos não trouxe melhorias nesses dois setores.
“Existem muitas discussões em torno dos impactos positivos e negativos da judicialização da saúde. Eu destacaria como positivos a implementação do direito e a capacidade de o Direito Constitucional olhar para pontos cegos, como, por exemplo, as doenças raras. Por outro lado, a judicialização focada em medicamentos e procedimentos hiperindividualizou a discussão do direito à saúde no Brasil, medicamentalizou essa discussão em detrimento de políticas públicas de saúde coletiva”, explicou. Para ela, o avanço na saúde não é resultado de decisões dos tribunais, mas de movimentos sociais e de políticas públicas.
Democracia militante
Professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Oscar Vilhena assinalou que um dos desafios da democracia militante, que foi essencial para preservar o Estado Democrático de Direito recentemente, é não alienar os grupos radicais, pois eles podem acabar se radicalizando ainda mais.
“O desafio é saber de que maneira abaixamos a guarda para chamar esses grupos para o diálogo”, ponderou.
RP/RM
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