Ao discursar no encerramento do Seminário Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, realizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) nesta quarta-feira (10), o ministro Herman Benjamin disse que as alterações promovidas na LINDB pela Lei 13.655/2018 privilegiam os conceitos de segurança jurídica e probidade administrativa, mas se esquecem de mencionar princípios fundamentais da Constituição Federal como a solidariedade.

“Como é possível uma Lei de Introdução às Normas não mencionar em nenhum momento o princípio da dignidade humana? O conceito de solidariedade? Esses princípios basilares têm que constar em uma lei como essa”, comentou o ministro ao destacar que as alterações promovidas focaram no interesse econômico e na segurança jurídica.

Herman Benjamin afirmou que vários pontos podem ser elogiados, mas era necessário criticar algumas alterações. Na sua visão, a atualização da lei teve problemas conceituais, de conteúdo e de tramitação.

Um dos pontos citados pelo ministro é que os juízes não foram chamados para debater o tema – o que levou a uma redação “genérica” ou até mesmo “repetitiva” em alguns artigos. Em outros pontos, segundo ele, os novos comandos não serão cumpridos por conflitarem com outras normas.

“O artigo 20, por exemplo, não pode ser cumprido sem negar vigência aos artigos e da mesma lei. É um exemplo de comando que, se for cumprido, pode gerar um retrocesso na pauta da cidadania brasileira.”

Herman Benjamin lembrou que, por ocasião da edição do Decreto-Lei 4.657/1942 (a antiga Lei de Introdução ao Código Civil, hoje LINDB), o direito privado tinha preponderância no ordenamento jurídico, e a ênfase dada pela Constituição de 1988 ao direito público exigiu alterações. Diante da forma como as mudanças foram feitas, caberá ao STJ se pronunciar acerca da aplicabilidade das novas normas, afirmou.

Direito estrangeiro

No início da tarde, o professor Diego Bonilha tratou do tema “Aspectos práticos da aplicação do direito estrangeiro no Brasil”. Segundo o palestrante, o aumento das relações e dos contratos entre pessoas de nacionalidades diferentes obriga os Judiciários de vários países a se adaptarem.

“A ideia é aplicar o direito mais próximo e familiar das partes, facilitando o entendimento e a aceitação da decisão judicial.” Bonilha acrescentou que contratos normalmente são julgados pelas leis do local onde foram celebrados.

O professor disse que o julgador brasileiro, ao observar a LINDB, deve levar em conta várias fases de interpretação das normas estrangeiras. “Leis não recepcionadas pelo nosso ordenamento jurídico não podem ser aplicadas – como, por exemplo, a poligamia. Também é necessário fazer a prova do direito, com parecer com dois advogados que atuem com essas leis estrangeiras. Por fim, deve haver uma recepção integral do sistema, com um controle difuso de constitucionalidade, ou seja, a norma estrangeira não pode ser contra a constituição ou o sistema do país de origem.”

Na sequência, o professor Alexandre Liquidato discorreu sobre o princípio da irretroatividade da lei. “Leis não têm máquinas do tempo, e o normal é a nova lei valer da sua vigência em diante. O anormal é o hoje interferir com o ontem”, observou.

Segundo Liquidato, os artigos e 15 da LINDB têm previsões que podem gerar conflitos com esse entendimento. Para o palestrante, isso pode gerar um problema: “Quais os limites da aplicação da lei? É importante lembrar que intertemporalidade da lei não significa que a lei nova invada o domínio temporal da lei antiga”.

Resultados econômicos

O juiz Fábio Garcia ressaltou os impactos dos resultados econômicos na atuação do Estado, em especial no Judiciário, durante o painel “Comentários aos artigos da LINDB – artigos 16 e 17”.

“Nós vimos o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, deixar de decidir sobre a questão da poupança, suspender o andamento de milhões de processos, por uma questão relativamente simples, contratual, que já estava consolidada na jurisprudência, simplesmente pelo risco que foi apresentado aos ministros do impacto que essas decisões poderiam ter no Sistema Financeiro Nacional”, comentou o juiz.

No mesmo painel, a juíza federal Carmem Silvia Lima de Arruda destacou a importância de definir e utilizar o significado de conceitos abstratos como equidade, proporcionalidade e ordem jurídica. “Quando a gente faz uma referência ao modo proporcional e equânime, vamos entender o que é proporcional. O Brasil tem um mau hábito de, por vezes, importar institutos estrangeiros e dar uma roupagem outra que não é a originalmente imaginada”, disse ele.

Na mesa que discutiu “Comentários aos artigos da LINDB – artigo 26”, a advogada e consultora em direito público Karlin Niebuhr falou sobre a aplicação desse dispositivo nas ações de improbidade administrativa. “Cabe o acordo na questão penal, então não cabe o acordo em ação de improbidade? A evolução do direito conduziu a uma disciplina jurídica que permite uma série de acordos, e estamos em um novo ciclo do direito.”

Casamento no estrangeiro

No último painel, “Comentários aos artigos da LINDB – artigos 18 e 19”, a advogada Graziela Reis abordou a possibilidade de realização de casamento no estrangeiro com a presença de agente diplomático ou consular. “É interessante pensar que esse casamento envolve uma questão de conexão internacional, pois regras que são variáveis de um país para outro podem impactar o reconhecimento de algumas relações dos direitos das famílias como hoje são definidos no direito interno brasileiro”, explicou a advogada.

O procurador do Estado de São Paulo José Luiz Souza de Moraes mencionou que os casamentos no estrangeiro só podem ocorrer se não agredirem a ordem pública do Estado em que estão sendo realizados. “Aí a gente entra num problema sério, que não estava previsto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que é de 1942, e não diz nada sobre as uniões homoafetivas.”

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