Soluções amistosas dão oportunidade ao Brasil de reparar danos a vítimas de violações – TST


Denúncias de trabalho escravo e racismo em seleção de emprego geraram recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos ao Brasil. Outros casos ainda são analisados 

Simone Diniz em sua participação no seminário do TST que levou seu nome e texto Violação de Direitos Humanos e o Brasil no Banco dos Réus

 

5/8/2024 – Nem todos os casos que chegam ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos – do qual fazem parte a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CorteIDH) – se tornam contenciosos e são levados a julgamento (entenda mais sobre o funcionamento do Sistema Interamericano de Direitos Humanos a seguir). Há situações em que, constatadas as violações, a Comissão propõe uma solução amistosa e estabelece uma série de recomendações para reparação. 

Foi o que ocorreu nos casos de dois trabalhadores, considerados paradigmáticos para o Estado brasileiro: José Pereira e Simone Diniz. 

Essa reportagem, mais uma da série “Violação de direitos humanos e o Brasil no banco dos réus”, conta essas histórias e mapeia outros casos analisados pela CIDH sobre violações de direitos relacionados ao trabalho. 

Caso José Pereira: marco na defesa dos direitos humanos  

Aos 17 anos, José Pereira foi gravemente ferido por disparos de arma de fogo quando tentava fugir da Fazenda Espírito Santo, no Pará. Ele era forçado a trabalhar sem remuneração e em condições desumanas e ilegais. Mais uma vítima do trabalho escravo no Brasil, José sofreu lesões permanentes no olho e nas mãos direitos. 

Em 1994, o caso foi denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Em setembro de 2003, foi assinado um acordo de solução amistosa para a reparação dos danos causados. 

Esse foi um marco para o Brasil. Pela primeira vez, o Estado reconheceu sua responsabilidade internacional pela violação de direitos humanos praticada por particulares.

Logo após o acordo, atendendo a recomendações previstas nele, o Brasil criou a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), atualmente vinculada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, e pagou uma indenização de R$ 52 mil a José Pereira. 
 
Além disso, o artigo 149 do Código Penal foi alterado, para  tratar como crime a submissão de alguém a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes ou servidão por dívidas. A pena (de dois a oito anos de prisão e multa, que se soma à pena pela violência praticada) também pode ser aplicada a quem restringe a liberdade do trabalhador ao impedir seu acesso a transporte, reter documentos ou manter vigilância no local. E é aumentada caso o crime seja cometido contra crianças e adolescentes ou por motivo de raça, cor, etnia, religião ou origem. 

O Brasil também passou a atuar de forma efetiva como um dos parceiros da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da Organização das Nações Unidas (ONU) no combate ao trabalho escravo. 

Caso Simone Diniz evidenciou racismo estrutural

Simone André Diniz foi rejeitada por ser negra ao se candidatar para uma vaga de empregada doméstica, em 1997. Ela procurou autoridades brasileiras, mas a denúncia não gerou nenhuma responsabilização. O caso foi, então, denunciado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. “Eu não me conformei”, relatou Simone, ao recordar a própria luta pela reparação do dano que sofreu. 

A CIDH reconheceu a responsabilidade internacional do Estado brasileiro pela violação do direito à igualdade perante a lei, à proteção e às garantias judiciais e, em 2006, impôs uma série de recomendações, aceitas pelo Brasil. Elas tratam de reparação dos danos a Simone (inclusive financeiramente), investigação dos fatos, capacitação de agentes públicos, mudanças legais e adoção de políticas públicas para enfrentamento do racismo estrutural. 

Para cumprir parte das recomendações, 10 instituições públicas promoveram, no TST, o seminário “Simone André Diniz: Justiça, Segurança Pública e Antirracismo”. Nele, Simone relatou a própria trajetória e ouviu de agentes públicos um pedido de desculpas em nome do Estado brasileiro.

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O evento ocorreu em novembro de 2022, 16 anos depois da publicação do relatório da CIDH. 

Outro caso de discriminação racial ainda aguarda decisão da Corte 

Outro episódio de discriminação racial no ambiente de trabalho, contudo, não teve solução amistosa e aguarda uma decisão final da CorteIDH. Trata-se do caso “Dos Santos Nascimento e Ferreira Gomes vs. Brasil”, que chegou à Corte em julho de 2021. 

Ana Carinhanha, do MIR, lê pedido de desculpas /Foto: MIR

Em 1998, Neusa dos Santos Nascimento e Gisele Ana Ferreira, duas mulheres negras, se apresentaram para uma vaga de emprego, mas foram informadas pela atendente que não havia cargos disponíveis. Algum tempo depois, uma mulher branca manifestou o mesmo interesse e foi contratada. 

O Ministério Público de São Paulo ajuizou uma ação penal pela prática de racismo, mas os procedimentos criminais foram finalizados somente em 2009. Nesse intervalo, a Justiça brasileira chegou a declarar indevidamente a prescrição do processo, em 2004. 

Em junho do ano passado, o Estado brasileiro reconheceu, de forma inédita, as violações aos direitos das duas mulheres. O fato foi admitido nas alegações finais orais apresentadas pelo Ministério da Igualdade Racial (MIR), pela Advocacia-Geral da União (AGU) e pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE) durante o julgamento do caso pela CorteIDH.

Mãe adotante sem direito à licença-maternidade recorreu à Comissão IDH

Outra denúncia que chegou ao Sistema Interamericano de Direitos Humanos envolve a negativa de licença maternidade para Fátima Regina Nascimento de Oliveira, quando, em 1989, adotou sua filha, Maura Tatiane Ferreira Alves. Servidora de um hospital público no Rio Grande do Sul, ela recorreu à Justiça do Trabalho para ter o direito assegurado. Após várias decisões trabalhistas favoráveis, em 2000, o direito foi negado pelo Supremo Tribunal Federal. 

Dois anos depois, foi sancionada a Lei 10.421/2002, que garantiu às mulheres adotantes o direito à licença e ao salário-maternidade.

O Relatório de Mérito sobre o caso foi emitido pela Comissão em 2021. O documento, ainda não publicado, estabelece algumas recomendações ao Brasil. Entre elas está a previsão de licença-maternidade para trabalhadoras adotantes (agora prevista em lei) e o pagamento de indenização por dano moral a Fátima. 

A reportagem do TST solicitou informações à Assessoria Internacional do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania sobre o pagamento de indenização, mas até a publicação não obteve retorno. 

Caso de trabalho escravo e assassinato de trabalhadores segue em análise

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos ainda analisa pelo menos mais um caso envolvendo relações de trabalho e violações de direitos humanos no Brasil. Trata-se da submissão de trabalhadores a condições análogas às de escravo na Fazenda Boa-Fé Caru, no Maranhão. 

Conforme o relatório de admissibilidade da Comissão, quatro fiscalizações do Grupo Especial Móvel do Ministério do Trabalho e Emprego (GEMMTE), feitas entre 1998 e 2005, localizaram pessoas em condições subumanas de trabalho. Elas não recebiam salários e eram impedidas de sair da fazenda. Mas os responsáveis não foram punidos. A denúncia aponta ainda o assassinato de quatro trabalhadores que reivindicaram o pagamento de salários. 

Leia as outras reportagens da série “Violação de direitos humanos e o Brasil no banco dos réus”:

1º/7/2024 – “Violação de direitos humanos e o Brasil no banco dos réus”

15/7/2024 – Vítimas de trabalho escravo contra o Estado brasileiro: o caso da Fazenda Brasil Verde

22/7/2024 – O caso da Fazenda Brasil Verde: o relato das vítimas e a reação das instituições 

(Andréa Magalhães/Natália Pianegonda/CF)





Com Informações do TST

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