STF decide que o cumprimento da pena somente pode ter início com o esgotamento de todos os recursos (é proibida a execução provisória da pena)


Condenação definitiva e execução da
pena

Se um indivíduo é condenado por um
crime e contra esta decisão não cabe mais nenhum recurso, dizemos que a decisão
transitou em julgado. Logo, a condenação é definitiva.

Se o indivíduo é condenado
definitivamente a uma pena e passa a cumprir essa pena, dizemos que está
havendo a execução da pena.

Condenação provisória

Se um indivíduo é condenado por um
crime e contra esta decisão ainda cabem recursos, dizemos que a decisão não
transitou em julgado. Logo, a condenação é provisória.

Imagine que um indivíduo está
condenado, mas ainda falta julgar algum recurso que ele interpôs.

Se esse indivíduo inicia o cumprimento
da pena imposta, dizemos que está havendo aí uma execução provisória da pena.
Isso porque a condenação ainda é provisória.

Execução provisória da pena

Desse modo, execução provisória da pena
significa o réu cumprir a pena imposta na decisão condenatória mesmo sendo
ainda uma decisão provisória (ainda sujeita a recursos).

Execução provisória da pena é,
portanto, o início do cumprimento da pena imposta, mesmo que a decisão
condenatória ainda não tenha transitado em julgado.

Argumento contrário à execução
provisória da pena

O
principal argumento daqueles que são contrários à execução provisória da pena é
a alegação de que ela violaria o princípio da presunção de inocência, previsto
no art. 5º, LVII, da CF/88 e que diz:

Art. 5º (…)

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória;

Imagine agora a seguinte situação
hipotética:

João estava respondendo a um
processo penal em liberdade.

Ele foi, então, condenado a uma
pena de 8 anos de reclusão.

O réu interpôs apelação, mas o
Tribunal de Justiça manteve a condenação.

Contra esse acórdão, João
interpôs, simultaneamente, recursos especial e extraordinário.

João, que passou todo o processo
em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e
extraordinário preso? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto
se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que
o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena
pelo simples fato de os recursos especial e extraordinário – que ainda estão
pendentes – não terem efeito suspensivo?

A resposta do STF para essa
pergunta pode ser dividida em quatro momentos históricos:

Para o STF, é possível o início do
cumprimento da pena caso somente reste o julgamento de recurso sem efeito
suspensivo (ex: só falta julgar Resp ou RE)? É possível a execução provisória
da pena?

1ª Período

Até fev/2009:

SIM

É possível a
execução provisória da pena

Até fevereiro de 2009, o STF entendia
que era possível a execução provisória da pena.

Desse modo, se o réu estivesse
condenado e interpusesse recurso especial ou recurso extraordinário, teria
que iniciar o cumprimento provisório da pena enquanto aguardava o julgamento.

Os recursos extraordinário e especial
são recebidos no efeito devolutivo. Assim, exauridas estão as instâncias ordinárias
criminais é possível que o órgão julgador de segundo grau expeça mandado de
prisão contra o réu (STF. Plenário. HC 68726, Rel. Min. Néri da Silveira, julgado
em 28/06/1991).

2ª Período

De fev/2009 a
fev/2016:

NÃO

NÃO é possível
a execução provisória da pena

No dia 05/02/2009, o STF, ao julgar o
HC 84078 (Rel.  Min. Eros Grau), mudou
de posição e passou a entender que não era possível a execução provisória da
pena.

Obs: o condenado poderia até aguardar o
julgamento do REsp ou do RE preso, mas desde que estivessem previstos os
pressupostos necessários para a prisão preventiva (art. 312 do CPP).

Dessa forma, ele poderia ficar preso,
mas cautelarmente (preventivamente) e não como execução provisória da pena.

Principais argumentos:

• A prisão antes do trânsito em julgado
da condenação somente pode ser decretada a título cautelar.

• A execução da sentença após o
julgamento do recurso de apelação significa restrição do direito de defesa.

• A antecipação da execução penal é
incompatível com o texto da Constituição.

Esse entendimento durou até fevereiro
de 2016.

3º Período:

De fev/2016 a nov/2019:

SIM

É possível a
execução provisória da pena

No dia 17/02/2016, o STF, ao julgar o HC
126292 (Rel. Min. Teori Zavascki), retornou para a sua primeira posição e
voltou a dizer que era possível a execução provisória da pena.

Principais argumentos:

• É possível o início da execução da
pena condenatória após a prolação de acórdão condenatório em 2º grau e isso não
ofende o princípio constitucional da presunção da inocência.

• O recurso especial e o recurso
extraordinário não possuem efeito suspensivo (art. 637 do CPP). Isso
significa que, mesmo a parte tendo interposto algum desses recursos, a
decisão recorrida continua produzindo efeitos. Logo, é possível a execução
provisória da decisão recorrida enquanto se aguarda o julgamento do recurso.

• Até que seja prolatada a sentença
penal, confirmada em 2º grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após
esse momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os
recursos cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a
discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito.

• É possível o estabelecimento de
determinados limites ao princípio da presunção de não culpabilidade. Assim, a
presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em julgado, o
acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado.

• A execução da pena na pendência de
recursos de natureza extraordinária não compromete o núcleo essencial do
pressuposto da não culpabilidade, desde que o acusado tenha sido tratado como
inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os
direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras
probatórias e o modelo acusatório atual.

• É necessário equilibrar o princípio
da presunção de inocência com a efetividade da função jurisdicional penal.
Neste equilíbrio, deve-se atender não apenas os interesses dos acusados, como
também da sociedade, diante da realidade do intrincado e complexo sistema de
justiça criminal brasileiro.

• “Em país nenhum do mundo, depois de
observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica
suspensa aguardando referendo da Suprema Corte”.

4º Período:

Entendimento
atual:

NÃO

NÃO é possível
a execução provisória da pena

No dia 07/11/2019, o STF, ao julgar as
ADCs 43, 44 e 54 (Rel. Min. Marco Aurélio), retornou para a sua segunda
posição e afirmou que o cumprimento da pena somente pode ter início com o
esgotamento de todos os recursos.

Assim, é proibida a execução provisória
da pena.

Vale ressaltar que é possível que o réu
seja preso antes do trânsito em julgado (antes do esgotamento de todos os
recursos), no entanto, para isso, é necessário que seja proferida uma decisão
judicial individualmente fundamentada, na qual o magistrado demonstre que
estão presentes os requisitos para a prisão preventiva previstos no art. 312
do CPP.

Dessa forma, o réu até pode ficar preso
antes do trânsito em julgado, mas cautelarmente (preventivamente), e não como
execução provisória da pena.

Principais argumentos:

• O art. 283 do CPP, com redação dada
pela Lei nº 12.403/2011, prevê que “ninguém poderá ser preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária
competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou,
no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou
prisão preventiva.”. Esse artigo é plenamente compatível com a Constituição
em vigor.

• O inciso LVII do art. 5º da CF/88,
segundo o qual “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória”, não deixa margem a dúvidas ou a controvérsias
de interpretação.

• É infundada a interpretação de que a
defesa do princípio da presunção de inocência pode obstruir as atividades
investigatórias e persecutórias do Estado. A repressão a crimes não pode
desrespeitar e transgredir a ordem jurídica e os direitos e garantias
fundamentais dos investigados.

• A Constituição não pode se submeter à
vontade dos poderes constituídos nem o Poder Judiciário embasar suas decisões
no clamor público.

Voltando à pergunta
formulada:

João, que passou todo o processo
em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e
extraordinário preso ou solto? É possível executar provisoriamente a condenação
enquanto se aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É
possível que o réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o
cumprimento da pena mesmo sem ter havido ainda o trânsito em julgado?

Não é possível a execução provisória da pena.

Se o Tribunal de 2ª instância (TJ ou TRF) condenou
o réu ou manteve a condenação imposta pelo juiz na sentença e o condenado
interpôs recurso especial ou extraordinário, isso significa que, enquanto tais
recursos não forem apreciados, não houve trânsito em julgado. Se não houve
ainda trânsito em julgado, não se pode determinar que o réu inicie o
cumprimento provisório da pena. Não importa que os recursos pendentes possuam
efeito meramente devolutivo (sem efeito suspensivo). Não existe cumprimento
provisório da pena no Brasil porque ninguém pode ser considerado culpado antes
do trânsito em julgado (art. 5º, LVII, da CF/88).

Mas o réu que já foi condenado e
recorreu, pode ser preso?

Até pode, mas não como um efeito automático da
condenação.

Se o juiz ou o
Tribunal for decretar a prisão do condenado, ele terá que demonstrar que,
naquele caso concreto, estão presentes os requisitos da prisão preventiva
previstos no art. 312 do CPP:

Art. 312. A prisão preventiva poderá
ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal,
quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.

Parágrafo único. A prisão preventiva
também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das
obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4º).

TJ ou TRF
condena o réu ou mantém
uma condenação de 1ª instância

Este réu, que foi condenado a pena privativa de
liberdade, deve ser preso mesmo que recorra?

Segundo o entendimento que vigorou de fev/2016
a nov/2019: SIM.

A prisão, neste caso, era automática.

Passados eventuais embargos de declaração
contra o acórdão, o TJ ou TRF determinava a prisão do condenado com uma
simples decisão, invocando a execução provisória da pena.

Segundo o entendimento atual: depende.

A prisão, neste caso, não é mais automática.

O TJ ou TRF deverá decidir, de forma
individualizada, sobre a liberdade do réu, podendo até decretar a prisão,
desde que demonstre que isso é indispensável para a garantia da ordem pública
ou econômica, para a conveniência da instrução criminal ou para assegurar a
aplicação da lei penal.

Se a prisão não for imprescindível para
assegurar esses valores, ele deverá aguardar em liberdade.

Não se analisava a necessidade da prisão
porque esta decorria do cumprimento provisório da condenação. Aqui, era
prisão-pena.

É indispensável que seja analisada a
necessidade ou não da prisão.

Trata-se de prisão cautelar (não é
prisão-pena).

Os réus que estavam presos
por força da execução provisória da pena deverão ser soltos com essa nova
decisão?

Deverá ser analisada a situação
individual de cada um desses réus.

Se eles estavam presos unicamente
por força da execução provisória da pena, é provável que sejam soltos.

Se eles estavam presos porque
presentes os requisitos da prisão cautelar (art. 312 do CPP), a decisão do STF
não altera a sua situação.

Por isso, os Tribunais deverão
analisar cada um dos casos.

A nova decisão do STF é
vinculante?

SIM. A
decisão do STF foi proferida em ADC, que declarou a constitucionalidade do art.
283 do CPP:

Art. 283.  Ninguém poderá ser preso senão em flagrante
delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente,
em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da
investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão
preventiva.

Apesar de haver certa divergência
doutrinária, prevalece que as decisões proferidas pelo STF em ação declaratória
de constitucionalidade possuem efeitos vinculantes e erga omnes.

O cenário acima está
consolidado?

Por enquanto, sim. No entanto,
não é possível afirmar, com segurança, que irá prevalecer por muito tempo. Isso
porque a decisão do STF foi construída com um placar apertado (6×5). Um dos
Ministros que votou pela proibição da execução provisória da pena foi Celso de
Mello. O Ministro Celso de Mello se aposenta em novembro de 2020. Se o novo
Ministro que tomar posse defender a possibilidade da execução provisória da
pena, o cenário acima poderá ser, novamente, alterado.

Por enquanto, contudo, o que foi
explicado acima é o que vale.

Artigo Original em Dizer o Direito

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.