O Supremo Tribunal Federal (STF) ouviu na manhã desta terça (11) mais quinze especialistas sobre os usos e os limites de ferramentas de monitoramento secreto de aparelhos de comunicação pessoal, objeto da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1143. Este foi o último dia da audiência pública, convocada pelo ministro Cristiano Zanin, visando coletar informações qualificadas para subsidiar o julgamento da questão pela Corte, que vai analisar se há violação de preceitos fundamentais no uso dessas ferramentas e, em caso positivo, decidir como superar esse cenário.
Uma parte da discussão se concentrou nos limites constitucionais e legais protetivos das comunicações pessoais e, por outro lado, nas hipóteses relativas às normas penais que admitem exceções a essas regras. Uma outra abordou as diferenças entre as atividades de inteligência e de investigação criminal, bem como as ameaças geradas pela não distinção desses limites.
A audiência foi conduzida pelo ministro Zanin, relator ADPF 1143, que abriu as falas da manhã relembrando que a escuta dos expositores visa subsidiar as decisões do Tribunal neste momento de desconexão entre a realidade social e as tecnologias emergentes, de acordo com argumentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), autora da ação.
Autorização judicial
O primeiro representante do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), Victor Epitácio Cravo Teixeira, observou que o sigilo das comunicações pessoais conta com proteção constitucional, o qual somente pode ser quebrado para fins de investigação criminal e em instrução processual penal, mediante autorização judicial, conforme dispõe a lei de interceptação de comunicações telefônicas.
O representante da Polícia Federal, Rodrigo Morais Fernandes, defendeu que ferramentas de monitoramento são necessárias para a atividade policial e de investigação, como ocorre em todas as polícias do mundo, mas que esse uso não se confunde com ações de inteligência.
A segunda representante do MJSP e secretaria de Direito Digital, Lilian Cinta de Melo, observou que “os novos meios ocultos” de investigação criminal em ambiente digital trazem desafios relevantes ao direito constitucional e ao direito processual penal. Destacou que a atividade de inteligência não se confunde com práticas de vigilantismo e espionagem.
Riscos cibernéticos
O defensor público-geral federal, Leonardo Magalhães, ressaltou a importância de se debater as consequências que o uso dos aplicativos de invasão e monitoramento digital podem causar à sociedade, especialmente no que se refere ao direito à privacidade e à intimidade. Citou como exemplo de ameaça software desenvolvido por empresa israelense, que, segundo ele, se tornou símbolo de espionagem estatal.
Na linha da segurança cibernética, o representante da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Gustavo Santana Borges, informou que o órgão regulador conta com poder legal para editar dispositivos e regulamentos que visem garantir segurança cibernética e evitar a quebra do fluxo de comunicações na camada da infraestrutura. Esclareceu que isso exige rigorosos padrões de segurança para mitigação de riscos e vulnerabilidades, o que vem sendo feito por meio de resoluções e atualizações normativas da Anatel.
A representante da Associação Brasileira de Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), Tereza Gimenes, destacou que a indústria de telefonia investe pesadamente em ferramentas de controle para manter os produtos mais seguros, principalmente em ferramentas de intrusão na rede.
Inteligência estatal
A manhã de debates contou com a participação de representantes de cada uma das Forças Armadas, os quais destacaram a finalidade da atividade de inteligência e a regulamentação que recai sobre essas ações.
O coronel João Ricardo da Cunha Croce Lopes, do Comando do Exército, garantiu que, a exemplo do que ocorre em outros países, o sistema de inteligência é uma atividade de Estado e, como tal, é monitorada e controlada por órgãos estatais e tem legislação específica.
O tenente-coronel do Comando da Aeronáutica, André Luiz Corrêa, observou que ferramentas de inteligência são utilizadas para ajuda humanitária, como busca e salvamento. De acordo com ele, as atividades de inteligência e contrainteligência já contam com a atuação da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência (CCAI) e que qualquer desvio de finalidade deve ser investigado por esse órgão permanente do Congresso Nacional.
A representante do Comando da Marinha e capitã de mar e guerra, Patrícia da Silva Vieira, falou de outras atividades de inteligência para uso militar, como controle e monitoramento de cargas sensíveis, localização de pessoas desaparecidas em áreas de desastre natural e em situações de conflito. Ela entende que o uso de ferramentas de monitoramento já está regulamentado no ordenamento jurídico brasileiro e que os usos não devem se dar de forma aleatória e arbitrária.
Segurança
A diretora de Inteligência da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Nádia Zilotti, disse considerar as tecnologias em debate indispensáveis à segurança do Estado brasileiro e pediu um olhar atento para a atividade de inteligência, especialmente voltada à segurança pública. Defendeu ainda ser imprescindível a regulamentação dessas ferramentas.
Ameaças
A diretora do Instituo de Referência em Internet e Sociedade (IRIS), Ana Bárbara Gomes, classificou o uso de ferramentas intrusivas como “armas digitais que ameaçam a liberdade de expressão, o respeito ao sigilo dos dados e a própria democracia”. Para ela, esses instrumentos significam risco à soberania nacional, uma vez que envolvem o acesso a informações sensíveis. Ao final, pediu que o STF reafirme a garantia dos direitos humanos pautados pela Constituição.
Do mesmo modo, o especialista em inteligência artificial da Turivius Legal Intelligence, Danilo Limoeiro, defendeu a regulamentação do uso dessas tecnologias emergentes, pois entende que o “tecnovigilantismo estatal” tem o poder de deteriorar a confiança no Estado Democrático de Direito, com consequências para além da esfera das garantias civis.
A Associação Fiquem Sabendo – organização sem fins lucrativos especializada no acesso a informações públicas e na Lei de Acesso à Informação (LAI) –, Juliano Souto Moreira Madalena, afirmou que o cidadão enfrenta, atualmente, “dificuldade tremenda” para distinguir quais ferramentas tecnológicas de investigação dispõem o Estado brasileiro. Nesse sentido, defendeu a regulamentação do uso desses instrumentos e da aquisição deles.
O pesquisador da Fundação de Incentivo a Pesquisas Econômicas (FIPE), Thiago Pavin Rodrigues, que estuda desenvolvimento de inteligência analítica de alto nível e proteção da privacidade, apresentou novos estudos desenvolvidos em universidades estrangeiras sobre descentralização de arquitetura para sites e defendeu mais pesquisas brasileiras em tecnologias de descentralização de informações.
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