O Banco Bradesco deve pagar R$ 20 milhões por danos morais coletivos por ter despedido dois empregados de agências da Região Metropolitana de Porto Alegre porque o pai deles, também ex-funcionário do Banco, havia ajuizado ação trabalhista contra a empresa. O valor da indenização deve ser revertido ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A decisão é da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), que considerou discriminatórias as despedidas e caracterizado o dano à coletividade, já que a medida do Banco teria como objetivo inibir a proposição de ações na Justiça do Trabalho, o que fere garantia fundamental de acesso ao Poder Judiciário, prevista pela Constituição Federal. O acórdão confirma sentença da juíza Adriana Ledur, da 20ª Vara do Trabalho da capital gaúcha. Os desembargadores, entretanto, diminuíram o valor da indenização, arbitrado em primeira instância em quantia equivalente a 1% do lucro líquido obtido pelo Banco entre 2008 e 2012. Cabe recurso da decisão ao Tribunal Superior do Trabalho (TST).
O caso
De acordo com informações do processo, o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul (MPT-RS) recebeu denúncia quanto às despedidas dos trabalhadores e instaurou inquérito para apurar a motivação do Banco ao realizá-las. Durante o procedimento, o MPT verificou que as despedidas ocorreram em setembro de 2011, sendo que o pai deles havia ajuizado ação trabalhista contra o Banco em agosto daquele ano. As rescisões ocorreram, inclusive, no dia do aniversário do ex-empregado, que foi desligado do Bradesco cerca de um ano antes, em 2010. Conforme as conclusões do MPT, o Bradesco despediu os empregados para que servissem de exemplos a quem quisesse ajuizar ações trabalhistas contra a empresa.
Diante disso, o Ministério Público, por meio do procurador do Trabalho Ivo Eugênio Marques, ajuizou ação civil pública para obrigar o Banco a deixar de despedir ou adotar qualquer tipo de represália a empregados e seus familiares que movam ou tenham intenção de mover ações trabalhistas contra a empresa. O MPT também solicitou aplicação de multa no valor de R$ 50 mil a cada episódio de descumprimento, além do pagamento de indenização por danos morais coletivos. O Bradesco argumentou que as despedidas foram casos isolados e que não acarretariam em danos à coletividade de empregados do Banco, sendo descabida, portanto, a indenização por danos coletivos.
Repercussão aos demais empregados
Ao analisar o pleito em primeira instância, a juíza Adriana Ledur considerou procedentes as alegações do MPT. Conforme a magistrada, depoimentos obtidos durante o inquérito civil e confirmados posteriormente na ação trabalhista comprovaram que a motivação do Banco foi inibir o direito de ação, presente na Constituição Federal do Brasil. Como explicou a julgadora, os demais empregados do Banco, ao saberem das despedidas motivadas pela ação trabalhista ajuizada pelo pai, sentiriam-se inibidos em recorrer ao Poder Judiciário em caso de violação dos seus direitos, por medo de também perderem o emprego. “A penalidade aplicada interfere na atuação dos trabalhadores do Banco, já que os orienta sobre as consequências negativas a que estão sujeitos acaso decidam procurar o Judiciário e exercer seu direito constitucional de ação”, afirmou a juíza. Portanto, no entendimento da julgadora, o dano coletivo estava caracterizado.
Descontente com a sentença, o Bradesco recorreu ao TRT-RS.
Dano coletivo comprovado
No entendimento do relator do recurso na 4ª Turma, desembargador André Reverbel Fernandes, o dano moral coletivo pode ter origem em apenas um fato, desde que esse fato tenha repercussão em uma determinada comunidade. Nesse sentido, o magistrado fez referência a acórdão do Tribunal Superior do Trabalho, em que se considera que a análise de um indivíduo deve ser feita na perspectiva de sua inserção em determinado grupo social. “Isso quer dizer que o reconhecimento do direito coletivo também se relaciona a vítimas singulares e identificáveis, desde que a lesão sofrida tenha repercussão difusa e não meramente individual, a justificar a tutela pelo ordenamento jurídico”, expressa o julgado.
Segundo o relator, a política adotada pelo Banco gera sentimento de temor, humilhação, impotência e apreensão, tanto em funcionários como em ex-funcionários que precisam ingressar com ações contra o Banco. “O agir do réu igualmente repercute no sentimento de justiça no âmago da sociedade, violando valores sociais como a ética, a igualdade e a equidade, porquanto insinuam à comunidade o que pode acontecer com quem quer que ouse contrariar os interesses da instituição, ainda que por meios legítimos, como o acesso ao Poder Judiciário”, afirmou o julgador.
Abrangência nacional
O Bradesco argumentou, no processo, que os efeitos da decisão deveriam ser restritos ao Estado do Rio Grande do Sul, onde ocorreram os fatos geradores do dano. Entretanto, segundo o desembargador André Reverbel Fernandes, é inviável essa limitação, já que o Banco possui agências e unidades administrativas em todo o território nacional, e trabalha com as mesmas diretrizes de organização do trabalho em todas elas. Por outro lado, como explicou o relator, a própria natureza da ação civil pública, de coibir um dano causado a uma comunidade, não admitiria essa restrição, já que os efeitos desse tipo de ação são gerais e se estendem a todos os atingidos. Portanto, a proibição de adotar conduta de represália a empregados ou familiares de empregados que acionarem o Poder Judiciário contra o Banco tem validade para todo o território brasileiro.
Ações individuais
Os dois trabalhadores demitidos pelo Bradesco ajuizaram ações individuais na Justiça do Trabalho pleiteando a reintegração no serviço, salários e outras verbas a que tinham direito enquanto estiveram fora do emprego e indenizações por danos morais. Ambos obtiveram a reintegração solicitada. Quanto às indenizações, um dos reclamantes obteve o montante de R$ 200 mil como reparação, e outro o valor equivalente a 150 remunerações. Os dois processos já transitaram em julgado em relação ao mérito e estão em fase de execução.
Fonte: TRT 4