Breves comentários sobre a Lei 13.144/2015, que altera a Lei do Bem de Família


Olá amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada esta semana mais
uma importante novidade legislativa.

Trata-se da Lei n.° 13.144/2015, que alterou
a Lei do Bem de Família.

Antes de verificar o que mudou,
vamos relembrar em que consiste o bem de família.

BEM DE FAMÍLIA

Espécies
de bem de família

No Brasil, atualmente, existem duas
espécies de bem de família:

a)
Bem de família convencional ou voluntário
(previsto nos arts. 1711 a 1722
do Código Civil);

b)
Bem de família legal
(instituto regulado pela Lei nº 8.009/90).

Bem
de família legal

Bem de família legal é…

– uma proteção conferida pela Lei n.° 8.009/90

– por meio da qual um único imóvel
residencial próprio do casal ou da entidade familiar

– é considerado, em regra, impenhorável

– e não responderá por qualquer tipo de
dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra
natureza,

– salvo nas hipóteses previstas na Lei nº
8.009/90.

Em outras palavras, a Lei n.° 8.009/90 considera que o imóvel (só
um) pertencente à família ou à entidade familiar não pode ser, em regra,
penhorado para pagamento de dívidas, salvo nas hipóteses excepcionais previstas
no art. 3º da Lei.

Apesar do nome “bem de FAMÍLIA”, o
objetivo real do instituto é assegurar o direito constitucional à moradia,
tanto que esse direito existe mesmo que a pessoa more só. A nomenclatura mais
adequada do instituto deveria ser “bem de moradia” (mas deixa isso para lá…).

Hipóteses
excepcionais em que o bem de família pode ser penhorado

O art. 3º da Lei n.° 8.009/90 traz uma lista de incisos com
as hipóteses em que o bem de família legal pode ser penhorado.

Dívidas
de pensão alimentícia

Se a pessoa tem a obrigação de pagar
pensão alimentícia e não o faz, o seu bem de família poderá ser penhorado para
saldar essa dívida?

SIM. A Lei n.° 8.009/90 previu que uma das exceções à
regra da impenhorabilidade do bem de família são justamente as dívidas de
pensão alimentícia. Em outras palavras, o devedor de pensão alimentícia não
poderá invocar a impenhorabilidade decorrente do bem de família. Se ele não
pagar, sua casa ou apartamento poderão ser penhorados e levados à alienação
judicial.

Isso sempre esteve previsto na Lei n.° 8.009/90, no inciso III do art. 3º.

O que fez, então, a Lei n.°
13.144/2015?

A Lei n.° 13.144/2015 alterou a redação do
inciso III do art. 3º, prevendo uma ressalva.

A redação passou a ser a seguinte:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível
em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou
de outra natureza, salvo se movido:

(…)

III – pelo credor da pensão
alimentícia, resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário que,
com o devedor, integre união estável ou conjugal, observadas as hipóteses em
que ambos responderão pela dívida;

Vamos entender com calma.

O panorama atual com a Lei n.° 13.144/2015 é o seguinte:

REGRA:

Se o indivíduo for devedor de pensão
alimentícia, o bem de família que a ele pertencer poderá ser penhorado para
pagar a dívida.

RESSALVA:

Se o(a) devedor(a)
for casado(a) ou viver em união estável e seu cônjuge ou companheiro(a) também
for proprietário do bem de família, deverá ser respeitada a parte do imóvel que
pertencer a esse cônjuge ou companheiro.

Ex: João
e Maria são casados em regime de comunhão universal de bens; João deve pensão
alimentícia para seu filho, fruto de outro relacionamento anterior; se ele não
pagar, a casa em que mora com Maria poderia, em tese, ser penhorada; no
entanto, Maria é meeira desse imóvel, ou seja, tem direito à metade do bem;
logo, o novo inciso III diz que deverão ser “resguardados os direitos, sobre o bem, do seu coproprietário”;
deverão ser resguardados os direitos de Maria sobre o bem.

O que significa resguardar os direitos
do coproprietário sobre o bem? Em nosso exemplo, o que significa resguardar os
direitos de Maria sobre o bem?

Significa que não poderá ser penhorada
a parte do imóvel que pertence ao coproprietário. Em nosso exemplo, não se
poderá penhorar metade do imóvel porque esta pertence a Maria.

Mas então será permitido penhorar a
outra parte? O juiz poderá determinar a penhora da metade da casa que pertence
a João? É possível levar o imóvel à alienação judicial e depois entregar metade
do dinheiro para o(a) meeiro(a), com base no art. 655-B do CPC?

Também não. Na prática, o imóvel ficará
inteiramente impenhorável e não poderá ser alienado judicialmente para pagar a
dívida. Isso porque o STJ entende que, se houver meação do bem de família e se
o(a) meeiro(a) não tiver responsabilidade pela dívida, não se poderá alienar a
casa porque senão atingiria, indiretamente, o cônjuge/companheiro que não tem
nada a ver com o débito. Veja alguns precedentes nesse sentido:

(…) A proteção instituída pela Lei n.
8.009/1990, quando reconhecida sobre metade de imóvel relativa à meação, deve
ser estendida à totalidade do bem, porquanto o escopo precípuo da lei é a
tutela não apenas da pessoa do devedor, mas da entidade familiar como um todo,
de modo a impedir o seu desabrigo, ressalvada a possibilidade de divisão do bem
sem prejuízo do direito à moradia. (…)

STJ. 4ª Turma. REsp 1227366/RS, Rel. Min.
Luis Felipe Salomão, julgado em 21/10/2014.

(…) O imóvel indivisível protegido
pela impenhorabilidade do bem de família deve sê-lo em sua integralidade, e não
somente na fração ideal do cônjuge meeiro que lá reside, sob pena de tornar
inócuo o abrigo legal. (…)

STJ. 4ª Turma. AgRg no REsp 866.051/SP,
Rel. Min. Honildo Amaral de Mello Castro (Des. Conv. do TJ/AP), julgado em
25/05/2010.

(…) A impenhorabilidade da meação
impede que a totalidade do bem seja alienada em hasta pública. (…)

STJ. 3ª Turma. REsp 931.196/RJ, Rel. Min.
Ari Pargendler, julgado em 08/04/2008.

(…) A impenhorabilidade da fração de
imóvel indivisível contamina a totalidade do bem, impedindo sua alienação em
hasta pública. (…)

STJ. 3ª Turma. REsp 507.618/SP, Rel. Min.
Nancy Andrighi, julgado em 07/12/2004.

Assim, não se aplica a regra do art.
655-B do CPC 1973 para o caso de o imóvel penhorado ser um bem de família (Art. 655-B. Tratando-se de penhora em bem
indivisível, a meação do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da
alienação do bem.
)

Desse modo, conforme já explicado, na
prática, o imóvel ficará inteiramente impenhorável.

Qual é o instrumento processual que o
cônjuge/companheiro proprietário poderá usar para defender sua parte?

O CPC 1973 determina que, recaindo a
penhora em bens imóveis, o cônjuge do executado deverá ser intimado (art. 655,
§ 2º do CPC 1973).

O CPC 2015 traz regra semelhante,
prevendo, no entanto, uma exceção: “Art. 842. Recaindo a penhora sobre bem
imóvel ou direito real sobre imóvel, será intimado também o cônjuge do
executado, salvo se forem casados em regime de separação absoluta de bens.”

O cônjuge deverá apresentar embargos de terceiro alegando que não tem relação alguma com a
dívida e, que, portanto, sua parte no bem não pode ser penhorada para pagar o
débito.

O que foi explicado aqui vale também
para a união estável.

Mesmo tendo sido intimado, ele poderá
opor embargos de TERCEIRO?

Sim. Existe até um enunciado do STJ afirmando
isso:

Súmula 134-STJ: Embora intimado da
penhora em imóvel do casal, o cônjuge do executado pode opor embargos de
terceiro para defesa de sua meação.

Observação:

Em regra, os cônjuges/companheiros são
coproprietários do bem de família por causa da meação (lembrando que meação não
se confunde com herança; meação existe mesmo com os dois cônjuges ainda vivos).

A definição se haverá meação ou não
depende do regime de bens adotado pelo casal (ex: no regime da separação legal
o cônjuge não é meeiro). No entanto, é possível que haja a copropriedade porque
o casal decidiu comprar o bem juntos e registrá-lo como copropriedade no
registro de imóveis.

SITUAÇÃO NA QUAL NÃO SE APLICA A RESSALVA:

Não se aplica a ressalva acima explicada se o casal (ambos
os cônjuges ou companheiros) for devedor da pensão alimentícia. Neste caso, o
imóvel será penhorado e poderá ser inteiramente utilizado para pagar o débito.

Ex: João e Maria são casados; Lucas (neto do casal) ajuizou
ação de alimentos contra eles, sendo a sentença procedente; assim, ambos são
devedores de pensão alimentícia em favor do neto; caso não paguem a dívida, a
casa em que moram poderá ser penhorada e o dinheiro obtido com a alienação
poderá ser inteiramente utilizado para pagamento do débito.

Compare a alteração feita pela Lei n.° 13.144/2015:

Redação
anterior

Redação
ATUAL

Art. 3º A impenhorabilidade é
oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,
trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(…)

III – pelo credor de pensão
alimentícia;

Art. 3º A impenhorabilidade é
oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária,
trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

(…)

III – pelo credor da pensão
alimentícia, resguardados os direitos, sobre
o bem, do seu coproprietário que, com o devedor, integre união estável ou conjugal,
observadas as hipóteses em que ambos responderão pela dívida;

A Lei é inovadora?

NÃO. Isso porque a ressalva que ela
introduziu já era consagrada na jurisprudência. Mesmo antes da Lei n.° 13.144/2015, o cônjuge ou companheiro
que não tivesse responsabilidade pelo pagamento dos alimentos já podia invocar a
intangibilidade de sua parte no bem de família.

A alteração, contudo, é salutar porque
deixa a situação mais clara e serve de defesa para o cônjuge ou companheiro que
não tiver obrigação com a pensão alimentícia cobrada.

Exemplo que comprova que a lei não
inova: irmãos que possuem o mesmo bem de família

Imagine que Cláudio e Teresa são irmãos
e, com a morte de seu pai, herdaram a casa onde vivem. Assim, os dois irmãos
moram na mesma casa e esta pertence a ambos.

Cláudio teve um filho com uma
ex-namorada e paga pensão alimentícia ao menor. Ocorre que ele se torna
inadimplente e é executado.

Será possível penhorar a casa onde ele
mora, mesmo sendo bem de família? Em tese sim.  No entanto, Teresa é dona de metade desse
imóvel.

A situação de Teresa não é protegida
pelo novo inciso III do art. 3º da Lei n.° 8.009/90
porque este fala em “união estável ou conjugal”. Teresa e Cláudio são irmãos e
não companheiros ou cônjuges.

Apesar disso, mesmo sem respaldo no
inciso III, Teresa poderá opor embargos de terceiro pedindo que não incida a
penhora sobre a casa. E qual será o fundamento invocado por Teresa? O direito
de propriedade, garantido, inclusive, constitucionalmente (art. 5º, XXII).

Desse modo, com esse exemplo,
percebe-se que a nova redação dada ao inciso III era desnecessária.

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor

Artigo Original em Dizer o Direito

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