Uma barreira realizada pelo Exército Brasileiro no bairro do Caju, no Rio de Janeiro, foi a cena do crime de homicídio qualificado na forma tentada, previsto no artigo 205 do Código Penal Militar (CPM). Um dos envolvidos no delito responde a um processo na Justiça Militar da União (JMU) e foi condenado pelo Superior Tribunal Militar (STM) a uma pena de nove anos de reclusão.
O réu foi acusado de, junto com outros comparsas, desrespeitar a ordem de parada em um bloqueio efetuado pelo Exército na frente do 1º Batalhão de Infantaria Motorizada. Os fatos ocorreram em novembro de 2017, com trocas de tiros.
Como o bloqueio estava distribuído em três pontos, o veículo ocupado pelo réu e outros civis conseguiu ultrapassar o primeiro, mas acabou sendo detido na barreira seguinte com disparos efetuados nos pneus do carro.
Com o veículo detido, foi iniciado um tiroteio, que terminou com dois dos ocupantes do carro mortos e a prisão do réu, que estava ferido e pedia ajuda. Ele portava uma pistola em sua cintura e um fuzil atravessado em suas pernas.
Julgamento na 1ª CJM
A condenação do réu foi imposta pelo Conselho Permanente de Justiça (CPJ) da 3ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar (1ª CJM), que o condenou à pena de 20 anos de reclusão, em regime inicial fechado, com a manutenção de sua prisão preventiva, pela prática do crime de homicídio qualificado – art. 205, § 2º, inciso V, do Código Penal Militar (CPM) – na forma tentada, por 18 vezes, em concurso formal.
Após a sentença, a defesa recorreu através de uma apelação junto ao Superior Tribunal Militar (STM).
Nas razões recursais, sustentou que a condenação se fundamentou em uma narrativa dos fatos sobre a qual não se pode ter certeza. “Em que pese o carro no qual o apelante se encontrava ter desobedecido à ordem de parada, além de alguns dos ocupantes terem efetuado disparos contra a tropa que compunha o bloqueio, seria forçoso reconhecer que não se demonstrou a intenção do acusado e dos demais em efetivamente matar ou sequer atingir os militares”, sustentou.
O advogado frisou que havia uma insuficiência de provas para que se determinasse que o apelante tenha agido com a intenção de matar. No máximo, sua ação poderia ser desclassificada para o crime de resistência, previsto no art. 177 do CPM, eis que, de acordo com a defesa, seria plausível o enquadramento das condutas no tipo.
Pedido de vistas
O julgamento do réu no STM foi realizado em dezembro de 2019.
Na ocasião, a relatora do processo, ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, assim como o revisor, ministro Francisco Joseli Parente Camelo, conheceram e proveram a apelação para absolver o recorrente tanto da prática do crime de homicídio, quanto de eventual delito de resistência, com fulcro no art. 439, alínea “c”, do Código de Processo Penal Militar (CPPM).
No entanto, o ministro Péricles Aurélio Lima de Queiroz pediu vistas do processo.
No retorno do seu voto, o ministro entendeu que embora o réu tenha dito que na noite do dia anterior foi feito refém pelos indivíduos que estavam no carro, ao ser confundido com um integrante de uma facção criminosa rival, tal teoria não se sustentava, visto que ele foi encontrado armado no interior do veículo, sem algemas ou qualquer tipo de mordaça que confirmasse tal informação.
“Logo, compreendo restar nítido que o réu, voluntária e conscientemente, quisera estar no carro naquela noite, que optou em portar consigo, no mínimo, uma pistola e um fuzil, obviamente ciente da ilegalidade nisso e que, a partir dessas duas conclusões, escolheu se associar aos outros meliantes para o porte e transporte ilícito das armas, bem como para o que porventura empreendessem com elas”, concluiu o ministro.
O magistrado frisou ainda que o enquadramento como tentativa de homicídio qualificado se mostra um inevitável desenrolar das ações anteriores, uma vez que não é aceitável que o apelante e os comparsas carregassem tantas armas e munições.
“Embora existam constatações técnico-periciais de que nenhuma das armas encontradas no veículo com o acusado disparou, o fato de não haver disparado é incapaz de isentá-lo das ações que seus colegas praticaram, pois admitira o risco de que eles, enquanto grupo, empregassem o armamento que portavam”, salientou.
Dessa forma, o ministro Péricles entendeu ser forçosa a manutenção da condenação imposta ao recorrente por tentativa de homicídio qualificado, executada em conjunto com os demais cúmplices, contra militares do 1º Batalhão de Infantaria Motorizada, na madrugada de novembro de 2017, com o fim de evitar que fossem presos pelo ilícito que praticavam ao portar e transportar o armamento ilegal.
Entretanto, o ministro entendeu que a pena não deveria ser mantida no patamar em que fora fixada, uma vez que não se mostra razoável o total de 20 anos pelo que efetivamente praticou o condenado, razão pela qual conheceu e deu provimento parcial ao apelo defensivo.
Assim, o magistrado reformou a sentença e condenou o réu a uma pena de nove anos de reclusão, com regime inicialmente fechado, pela prática do crime de homicídio qualificado na modalidade tentada.
Dentre os motivos para a diminuição da pena estão: o réu não possuir antecedentes criminais, as investigações não serem conclusivas sobre sua participação em uma organização criminosa, além da não resistência à prisão com consequente entrega das armas que portava.
Péricles Aurélio também revogou a prisão preventiva por compreender não subsistirem motivos para sua manutenção, com o consequente direito do apelante de continuar a recorrer em liberdade (art. 527 do CPPM). O ministro foi acompanhado pela maioria dos Ministros do Plenário.
APELAÇÃO 7000982-72.2018.7.00.0000