Competência para julgar crimes ambientais


De quem é a competência para
julgar crimes ambientais?

Em regra, a competência é da
Justiça Estadual.
Por quê?

Porque a competência da Justiça
Federal é constitucional e taxativa.
Assim, somente será de
competência da Justiça Federal comum se a situação se enquadrar em uma das
hipóteses previstas nos incisos dos arts. 108 e 109 da CF/88.
Os crimes contra o meio ambiente,
em princípio, não se amoldam em nenhum dos incisos do art. 109, razão pela qual
a competência é da Justiça Estadual, que possui competência residual.
Exceção

A competência será da Justiça
Federal se o crime ambiental:
a) atentar contra bens, serviços
ou interesses diretos e específicos da União ou de suas entidades autárquicas;
b) for previsto tanto no direito
interno quanto em tratado ou convenção internacional, tiver a execução iniciada
no País, mas o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou na
hipótese inversa;
c) tiver sido cometido a bordo de
navios ou aeronaves;
d) houver sido praticado com grave
violação de direitos humanos;
e) guardar conexão ou continência
com outro crime de competência federal, ressalvada a competência da Justiça
Militar e da Justiça Eleitoral.
Vale ressaltar que a proteção do
meio ambiente é uma competência comum da União, dos Estados, do DF e dos
Municípios (art. 23, VI e VII, da CF/88). Isso significa que a responsabilidade
é de todos os entes federativos. Assim, todo crime ambiental gera um interesse
genérico da União. A competência somente será da Justiça Federal se o delito praticado
atingir interesse direto e específico da União, de suas entidades
autárquicas ou de empresas públicas federais.
Análise de alguns casos concretos

1) Crimes contra a fauna

Em regra, a competência será da
Justiça Estadual. Está cancelada a súmula 91 do STJ, que dizia o seguinte:
“Compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes praticados contra
a fauna.”
2) Crime ambiental apurado a partir de auto de infração lavrado pelo
IBAMA

Muitos crimes ambientais são
descobertos e processados a partir de um auto de infração administrativa, que é
lavrado pelos órgãos de fiscalização ambiental. Ex: o IBAMA constata um ilícito
ambiental, multa o infrator e remete os autos do processo administrativo para o
Ministério Público.
O simples fato de o auto de
infração ter sido lavrado pelo IBAMA não faz com que, obrigatoriamente, este
crime seja julgado pela Justiça Federal. Isso porque a competência para
proteger o meio ambiente é comum, de forma que o IBAMA atua e pune mesmo se a
infração ambiental for de âmbito local (e não regional ou nacional). Assim, a
atuação administrativa não vincula a competência jurisdicional para apurar o
crime.
3. Na hipótese,
verifica-se que o Juízo Estadual declinou de sua competência tão somente pelo
fato de o auto de infração ter sido lavrado pelo IBAMA, circunstância que se
justifica em razão da competência comum da União para apurar possível crime
ambiental, não sendo suficiente, todavia, por si só, para atrair a competência
da Justiça Federal. (…)
STJ. 3ª Seção. CC
113.345/RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 22/8/2012.
A atribuição do IBAMA de
fiscalizar a preservação do meio ambiente também não atrai a competência da
Justiça Federal para processamento e julgamento de ação penal referente a
delitos ambientais.
STJ. 3ª Seção. CC
97.372/SP, Rel. Min. Celso Limongi (Des. Conv. do TJ/SP), julgado em 24/3/2010.
3) Crime praticado em rio interestadual, se isso puder causar reflexos
em âmbito regional ou nacional.

Os rios interestaduais, ou seja,
os rios que banhem mais de um Estado, são considerados bens da União (art. 20,
III, da CF/88).
Logo, se o crime ambiental é
praticado em rio interestadual, a competência é da Justiça Federal, com base no
art. 109, IV, da CF/88, desde que isso possa causar reflexos em âmbito regional
ou nacional. Ex: derramamento de óleo às margens do Rio Negro.
STJ. 3ª Seção. CC 145.420/AM,
Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/08/2016.
Cabe à Justiça Federal o
julgamento de crime ambiental praticado no Rio Amazonas, pois se cuida de Rio
interestadual e internacional, afetando, assim, os interesses da união.
STJ. 6ª Turma. RMS 26.721/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 12/04/2012.

Mas atenção. Se o crime for
praticado em parte de um rio interestadual, mas sem possibilidade de gerar
reflexos regionais ou nacionais, a competência será da Justiça Estadual. É o
caso, por exemplo, de um pequeno pescador que pratica pesca ilegal em parte do
rio interestadual. Como neste caso não há reflexos em âmbito regional ou
nacional, a competência será da Justiça Estadual.
(…) 3. Assim sendo, para
atrair a competência da Justiça Federal, o dano decorrente  de 
pesca  proibida  em  rio
interestadual deveria gerar reflexos  em
âmbito regional ou nacional, afetando trecho do rio que se  alongasse 
por mais de um Estado da Federação, como ocorreria se ficasse  demonstrado que a atividade pesqueira ilegal
teria o condão de  repercutir  negativamente sobre parte significativa da
população de  peixes  ao 
longo do rio, por exemplo, impedindo ou prejudicando seu período de
reprodução sazonal.
4.  Situação 
em  que os danos ambientais
afetaram apenas a parte do rio próxima ao Município em que a infração foi verificada,
visto que a  denúncia  informa 
que  apenas  dois 
espécimes,  dentre os 85 Kg
(oitenta  e  cinco 
quilos)  de  peixes 
capturados,  tinham tamanho
inferior  ao  mínimo permitido e os apetrechos de pesca
apresentavam irregularidades  como falta
de plaquetas de identificação, prejuízos que não chegam a atingir a esfera de
interesses da União. (….)
STJ. 3ª Seção. CC
146.373/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 11/05/2016.
4) Crime praticado em mar territorial e em terreno de marinha

O mar territorial e os terrenos
de marinha também são bens da União (art. 20, VI e VII, da CF/88). Logo, os
crimes ambientais ali praticados são de competência da Justiça Federal porque a
jurisprudência considera que há interesse direto e específico da União.
Obs: o crime será de competência
da Justiça Federal mesmo que ainda não tenha havido demarcação oficial do
terreno de marinha.
STJ. 5ª Turma. RHC 50.692/SC,
Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/04/2016.
5) Crime cometido dentro ou no entorno de unidade de conservação
federal

Trata-se de competência da
Justiça Federal considerando que há, no caso, interesse direto e específico da
União.
STJ. 3ª Seção. CC 100.852/RS,
Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 28/04/2010.
6) Extração ilegal de recursos minerais

O crime de extração ilegal de
recursos minerais, previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/98, é considerado um
crime ambiental.
A competência para julgá-lo é da
Justiça Federal, não importando o local em que tenha sido cometido. Assim,
mesmo que os recursos tenham sido extraídos ilegalmente de uma propriedade
particular, a competência continua sendo da Justiça Federal.
A razão para isso está no fato de
que os recursos minerais são bens de propriedade da União (art. 20, IX, da
CF/88), razão pela qual atrai o art. 109, IV. Nesse sentido: STJ. 3ª Seção. CC
116.447/MT, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 25/05/2011.
7) Crime praticado contra áreas ambientais classificadas como
patrimônio nacional

O art. 225, § 4º da CF/88 prevê
que a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o
Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são “patrimônio nacional”.
A expressão “patrimônio
nacional” não significa dizer que tais áreas sejam consideradas como
“bens da União”. Não o são.
Assim, os crimes cometidos contra
a Floresta Amazônica, contra a Mata Atlântica etc. (ex: desmatamento) são, em
regra, de competência da Justiça Estadual.
Não há se confundir patrimônio nacional com bem da União. Aquela locução
revela proclamação de defesa de interesses do Brasil diante de eventuais
ingerências estrangeiras. (…)

STJ. 3ª Seção. CC
99.294/RO, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/08/2009.
8) Crime ocorrido em área de assentamento do INCRA

Embora a pulverização do
agrotóxico tenha ocorrido em escola localizada em área de assentamento de
responsabilidade do INCRA, autarquia federal, não há diretamente qualquer
interesse, direito ou bem da União, de suas autarquias ou empresas públicas
envolvidos, sendo, se existente, meramente reflexo o interesse do INCRA.
Logo, a competência é da Justiça
Estadual.
STJ. 3ª Seção. CC 139.810/GO,
Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 26/08/2015.
Animais silvestres, em extinção,
exóticos ou protegidos por compromissos internacionais

O STF decidiu que:
Compete à Justiça Federal processar e julgar o crime ambiental de
caráter transnacional que envolva animais silvestres, ameaçados de extinção e
espécimes exóticas ou protegidas por compromissos internacionais assumidos pelo
Brasil.

STF. Plenário. RE 835558-SP,
Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/02/2017 (repercussão geral).
Obs1: nem todo crime ambiental de
caráter transacional será de competência da Justiça Federal.
Obs2: nem todo crime que envolva
animais silvestres, ameaçados de extinção, espécimes exóticas, ou protegidos
por compromissos internacionais assumidos pelo Brasil será de competência da
Justiça Federal.
Compete
à JUSTIÇA FEDERAL julgar crime ambiental que envolva…

·       animais silvestres;

·       animais ameaçados de extinção;

·       espécimes exóticas; ou

·       animais protegidos por compromissos internacionais
assumidos pelo Brasil

… desde que haja caráter
transnacional.

Caráter transnacional

Para que o crime seja de
competência da Justiça Federal é necessário que, além de ele envolver os
animais acima listados, exista, no caso concreto, um caráter transnacional na
conduta.
Diz-se que existe caráter
transnacional (também chamado de “relação de internacionalidade”)
quando:
• iniciada a execução do crime no
Brasil, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro; ou

• iniciada a execução do crime no
estrangeiro, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no Brasil.
Se ocorrer uma dessas duas
situações há caráter transnacional na conduta.
Interesse direto, específico e
imediato da União

Segundo argumentou o Min. Luiz
Fux:
“A razão de ser das normas
consagradas no direito interno e no direito convencional conduz à conclusão de
que a transnacionalidade do crime ambiental de exportação de animais silvestres
atinge interesse direto, específico e imediato da União, voltado à garantia da
segurança ambiental no plano internacional, em atuação conjunta com a
comunidade das nações.
Portanto, o envio clandestino de
animais silvestres ao exterior reclama interesse direto da União no controle de
entrada e saída de animais do território nacional, bem como na observância dos
compromissos do Estado brasileiro com a comunidade internacional, para a garantia
conjunta de concretização do que estabelecido nos acordos internacionais de
proteção do direito fundamental à segurança ambiental. Assim, a natureza
transnacional do delito ambiental de exportação de animais silvestres atrai a
competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CF/1988.”

Artigo Original em Dizer o Direito

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