Competência para julgar homicídio cujo ato de execução se deu em uma comarca e a consumação ocorreu em outra localidade


Lugar
do crime

No processo penal, a competência
territorial é definida pelo lugar do crime.

Em outras palavras, em regra, o juízo
competente para conhecer a ação penal é o do lugar em que o crime ocorreu.

Diante disso, torna-se importante
responder a seguinte pergunta: onde a legislação considera que o crime ocorreu?
O que é o lugar do crime?

Teorias
sobre o lugar do crime

O critério para definir onde o crime
ocorreu é fixado pela lei.

A legislação do país pode adotar uma
das seguintes opções:

a) Teoria
da atividade
: adota como critério que o lugar do crime é o local onde
ocorreu a conduta delituosa, ou seja, onde o sujeito praticou a ação ou a
omissão.

b) Teoria
do resultado (evento)
: considera que o lugar do crime é o local onde o
delito se consumou (crimes consumados) ou onde foi praticado o último ato de
execução (no caso de crimes tentados). Obs: os autores de Direito Penal, por
conta da redação do CP, afirmam que, pela teoria do resultado, lugar do crime é
o local em que se produziu ou deveria produzir-se o resultado.

c) Teoria
da ubiquidade (mista)
: entende que lugar do crime é tanto o local onde
ocorreu a ação ou omissão como também onde se deu o resultado. Em suma, este
critério abrange as duas teorias.

Qual
foi a teoria adotada pelo Brasil?

Código Penal (reformado em 1984)

Código de Processo Penal (1941)

Teoria
da UBIQUIDADE

Art. 6º Considera-se praticado o
crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem
como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado. (Redação dada pela Lei 7.209/84)

Teoria
do RESULTADO

Art. 70. A competência será, de
regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de
tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Como
compatibilizar os dois dispositivos? O art. 6º do CP revogou o art. 70 do CPP?

NÃO. O art. 6º do CP não revogou o art.
70 do CPP. Os dois dispositivos convivem harmoniosamente.

Em
que casos é utilizado o art. 6º do CP?

O art. 6º do CP é uma regra destinada a
resolver a competência no caso de crimes envolvendo o território de dois ou
mais países. Trata-se, portanto, de uma norma de aplicação da lei penal no espaço.

Assim, a regra do Código Penal foi
prevista pelo legislador para definir se o Brasil é competente nos casos de
crimes envolvendo territórios de outros países, ou seja, situações de conflito
internacional de jurisdição.

Diz-se que o art. 6º do CP resolve a
competência nas hipóteses de crime à distância.

Crime à distância
(ou de espaço máximo): é o delito que envolve o território de dois países. A
execução do crime inicia-se em um país e a sua consumação ocorre em outro. Ex: tráfico
de drogas provenientes de Letícia (Colômbia) com destino a Tabatinga (Brasil).

Obs: LFG afirma que existe ainda outra
classificação chamada de “crime em trânsito”, que seria o delito que envolveria
o território de mais de dois países. Ex: tráfico internacional de drogas
envolvendo Letícia (Colômbia), Tabatinga (Brasil) e Santa Rosa (Peru). Esta nomenclatura,
contudo, é pouco difundida entre os demais autores e na jurisprudência.

Em
que casos é utilizado o art. 70 do CPP?

O art. 70 do CPP é uma regra destinada
a resolver crimes envolvendo o território de duas ou mais comarcas (ou duas ou
mais seções judiciárias).

Trata-se de uma regra de competência
interna (não há discussão envolvendo a jurisdição de outros países).

Assim, a regra do CPP foi prevista pelo
legislador para definir qual comarca (se for da Justiça Estadual) ou
seção/subseção judiciária (se for da Justiça Federal) será competente em crimes
cuja execução iniciou-se em uma cidade e a consumação ocorreu em outra, ambas
dentro do Brasil. Resolve conflitos de competência territorial.

Diz-se que o art. 70 do CPP resolve conflitos
de competência territorial na hipótese de crimes plurilocais, que são aqueles que
envolvem duas ou mais comarcas/seções judiciárias dentro do país.

Vamos,
então, comparar novamente as duas previsões:

ART.
6º DO CP

ART.
70, CAPUT, DO CPP

Adotou a teoria da ubiquidade
(mista).

Adotou a teoria do resultado.

Lugar do crime é local em que…

• ocorreu a ação ou omissão (no todo
ou em parte)

• bem como onde se produziu ou
deveria produzir-se o resultado.

Lugar do crime é o local em que se
consumou a infração, ou, no caso de tentativa, o lugar em que for praticado o
último ato de execução.

Regra destinada a resolver a
competência no caso de crimes envolvendo o território de dois ou mais países
(conflito internacional de jurisdição).

Regra destinada a resolver crimes
envolvendo o território de duas ou mais comarcas (ou seções judiciárias) apenas
dentro do Brasil (conflito interno de competência territorial).

Define o se o Brasil será competente
para julgar o fato no caso de crimes à distância.

Define qual o juízo competente no
caso de crimes plurilocais.

Competência
territorial disciplinada pelo CPP

Regra: a
competência territorial será do juízo do lugar em que ocorreu o RESULTADO.

Crime consumado: o juízo competente
será o do lugar onde o crime se consumou.

Crime tentado: a competência será do
lugar onde foi praticado o último ato de execução.

A
doutrina aplaude a escolha da teoria do resultado pelo CPP?

Não. “(…) o local no qual se consuma
o crime nem sempre é favorável à produção da prova, se outro tiver sido o lugar
da ação ou dos atos de execução. A testemunha ocular da prática de um crime, de
modo geral, reside ou tem domicílio naquele local. Assim, se a vítima for
deslocada para outra cidade, a fim de receber cuidados médicos, não resta
dúvida de que a instrução criminal, e, por isso, a ação penal, deveriam ter
curso no local onde se praticou a ação e não onde ocorreu o resultado.” (PACELLI,
Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários ao
Código de Processo Penal e sua jurisprudência
. São Paulo: Atlas, 2012, p. 156).

Por conta dessas críticas levantadas
pela doutrina, a jurisprudência criou uma verdadeira exceção ao art. 70 do CPP.
Veja abaixo:

Exceção: em crimes contra a vida, a competência será determinada
pela teoria da ATIVIDADE.

Assim, no caso de crimes contra a vida
(dolosos ou culposos), se os atos de execução ocorreram em um lugar e a
consumação se deu em outro, a competência para julgar o fato será do local onde
foi praticada a conduta (local da execução).

Esse é o entendimento do STJ e do STF:

(…) Nos termos do art. 70 do CPP, a
competência para o processamento e julgamento da causa, será, de regra,
determinada pelo lugar em que se consumou a infração.

2. Todavia, a jurisprudência tem
admitido exceções a essa regra, nas hipóteses em que o resultado morte ocorrer
em lugar diverso daquele onde se iniciaram os atos executórios, determinando-se
que a competência poderá ser do local onde os atos foram inicialmente
praticados.

3. Tendo em vista a necessidade de se
facilitar a apuração dos fatos e a produção de provas, bem como garantir que o
processo possa atingir à sua finalidade primordial, qual seja, a busca da
verdade real, a competência pode ser fixada no local de início dos atos
executórios. (…)

(HC 95.853/RJ, Rel. Min. Og Fernandes,
Sexta Turma, julgado em 11/09/2012)

Qual
é a razão de se adotar esse entendimento?

Explica Guilherme de Souza Nucci:

“(…) é justamente no local da ação
que se encontram as melhores provas (testemunhas, perícia etc.), pouco interessando
onde se dá a morte da vítima. Para efeito de condução de uma mais apurada fase
probatória, não teria cabimento desprezar-se o foro do lugar onde a ação desenvolveu-se
somente para acolher a teoria do resultado. Exemplo de ilogicidade seria o
autor ter dado vários tiros ou produzido toda a série de atos executórios para
ceifar a vida de alguém em determinada cidade, mas, unicamente pelo fato da
vítima ter-se tratado em hospital de Comarca diversa, onde faleceu, deslocar-se
o foro competente para esta última. As provas teriam que ser coletadas por
precatória, o que empobreceria a formação do convencimento do juiz.” (Código de Processo Penal Comentado. 8ª ed.,
São Paulo: RT, 2008, p. 210).

Caso
concreto

No caso concreto julgado recentemente pelo
STF, a ré foi denunciada pela prática de homicídio culposo por ter deixado de observar
dever objetivo de cuidado que lhe competia em razão de sua profissão de médica,
agindo de forma negligente durante o pós-operatório de sua paciente,
ocasionando-lhe a morte.

A conduta negligente da médica foi
praticada em uma determinada cidade e o falecimento da vítima se deu em outra.

O
STF considerou que o juízo competente era o do local onde se deu a conduta.

(1ª
Turma. RHC 116200/RJ, rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 13/8/2013).

Artigo Original em Dizer o Direito

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