O Superior Tribunal Militar (STM) mudou entendimento e condenou dois militares do Exército a cinco anos e quatro meses de reclusão pelo crime de extorsão. Na primeira instância da Justiça Militar da União (JMU), em Curitiba (PR), ambos haviam sidos condenados a dois anos de reclusão, pelo crime de concussão.
Após a condenação, o Ministério Público Militar, descontente com a decisão do Conselho de Justiça de Curitiba, recorreu em sede de apelação ao STM, para mudar o enquadramento do crime de concussão para extorsão, que tem penas mais severas. O crime ocorreu em novembro de 2016, quando os acusados, um cabo e um soldado do Exército, saíram do quartel onde serviam, sob o pretexto de realizarem orçamentos, utilizando uma viatura militar “Marruá”.
Mas, na realidade, a “missão” nada tinha a ver com o quartel. Com pistolas 9mm do Exército, eles saíam à rua para cometer crimes. Ao menos três “saidinhas” dos militares foram informadas durante o Inquérito Policial Militar (IPM).
No caso ocorrido em novembro de 2016, os dois militares pararam a viatura entre as ruas João Bonat e Olga de Araújo Espíndola, no bairro Mundo Novo, em local próximo a um mercado. Lá, empunhando as pistolas, abordaram quatro pessoas, dentre elas uma vítima a quem o Cabo, de arma em punho, determinou que entrasse na carroceria da viatura.
Em seguida, fugiram para o bairro Pinheirinho, próximo à Praça Zumbi dos Palmares, onde estacionaram, desceram da viatura militar e, fardados, passaram a pressionar o civil para que ligasse para o seu patrão, dono de uma distribuidora de bebidas, exigindo que ele trouxesse uma arma. Os militares a todo o momento diziam à vítima que sabiam que, na distribuidora onde ele trabalhava, havia uma arma.
Na peça de acusação do Ministério Público Militar (MPM), a vítima afirmou que ficou na praça por cerca de uma hora sob a mira e a ameaça da dupla criminosa, tempo em que foi obrigado a entregar seu celular desbloqueado, para que vasculhassem a sua vida pessoal.
Ao constatarem que não conseguiriam a arma, os criminosos pediram ao civil “um café” para liberá-lo e receberam R$ 300,00. Não satisfeito com o valor, o cabo ordenou à vítima que entregasse todo o dinheiro que possuía consigo, que somava R$ 800,00. Após receberem os valores, os militares deixaram o civil no bairro Capão Raso, quando também devolveram seu celular e disseram: “Você não me conhece e eu não te conheço”. Após denúncias, o caso resultou em Inquérito Policial Militar, aberto pelo Exército, que apurou as condutas criminosas. Ambos os militares foram denunciados pelo MPM junto à Justiça Militar da União por extorsão, crime tipificado no Código Penal Militar.
Ação Penal Militar
Ao apreciar o caso, o Conselho Permanente de Justiça (CPJ), colegiado formado por um juiz federal civil e quatro militares, concluiu que a materialidade e autoria delitiva foram fartamente comprovadas pelas provas testemunhais, documentais, pela confissão dos acusados, e também por filmagens, realizadas por uma testemunha no momento em que os militares saíam com a viatura após o sequestro.
A promotoria de justiça militar informou que os denunciados incidiram no tipo de extorsão duplamente qualificada pelo emprego de arma de fogo e em concurso de pessoas, pois obtiveram vantagem econômica constrangendo, mediante grave ameaça, a vítima a acompanhá-los, restringindo a liberdade, bem como a lhes entregar seu celular e senha e, posteriormente, o dinheiro que tinha para poder ser liberado.
“Registre-se, ademais, que existem provas nos autos de que os denunciados saíram outras vezes com viaturas militares para realizar abordagens semelhantes e também rondas para esse fim. Entretanto, por impossibilidade de se identificarem outros ofendidos, bem como porque em algumas ocasiões ocorreram apenas rondas, sem abordagens, há manifestação de arquivamento em separado. Cabe mencionar, por derradeiro, que se trata de crime militar, pois praticado por militares em serviço”, informou a promotoria.
Ao julgar o caso, o Conselho Permanente de Justiça da Auditoria Militar de Curitiba, no entanto, julgou procedente, em parte, a ação penal militar para condenar os dois militares. No entanto, desclassificaram o crime de extorsão para concussão, e fixaram a pena, idêntica para ambos, em dois anos de reclusão, com suspensão condicional da execução da pena (sursis), pelo prazo de dois anos.
No Superior Tribunal Militar, no julgamento da apelação do Ministério Público Militar, os ministros tiveram entendimento diferente e endureceram a pena aplicada aos dois militares. Ao apreciar o recurso, a revisora, ministra Maria Elizabeth Rocha, entendeu serem gravíssimas as ações criminosas cometidas pelos militares, em serviço, com fardamento, viatura e armas do Exército.
Em seu voto, a ministra acatou o pedido do Ministério Público Militar e reformou a sentença, classificando a conduta praticada como delito de extorsão, aplicando pena em cinco anos e quatro meses de reclusão, em regime semiaberto para o cumprimento inicial, sem direito ao “sursis” e com o direito de recorrer em liberdade. Por maioria, os demais ministros da Corte acompanharam o voto da ministra revisora.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 7000750-55.2021.7.00.0000/PRNº 7000750-55.2021.7.00.0000/PR