É possível a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em apelação, ainda que pendente de julgamento Resp ou RE


Olá amigos do Dizer o Direito,
Conforme vocês certamente já
acompanharam pelo noticiário, redes sociais e demais sites, o Supremo Tribunal
Federal proferiu hoje um julgamento histórico (concorde-se ou não com ele) a
respeito da possibilidade de execução provisória da pena.
Vou explicar abaixo o que foi
decidido.
Imagine a seguinte situação
hipotética:

João foi condenado a uma pena de 8
anos de reclusão, tendo sido a ele assegurado na sentença o direito de recorrer
em liberdade.
O réu interpôs apelação e depois
de algum tempo o Tribunal de Justiça manteve a condenação.
Contra esse acórdão, João
interpôs, simultaneamente, recurso especial e extraordinário.
João, que passou todo o processo
em liberdade, deverá aguardar o julgamento dos recursos especial e extraordinário
preso ou solto? É possível executar provisoriamente a condenação enquanto se
aguarda o julgamento dos recursos especial e extraordinário? É possível que o
réu condenado em 2ª instância seja obrigado a iniciar o cumprimento da pena mesmo
sem ter havido ainda o trânsito em julgado?

Posição ANTERIOR do STF: NÃO

HC 84078, Rel.  Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em
05/02/2009.

A CF/88 prevê que ninguém
poderá ser considerado culpado até que haja o trânsito em julgado da sentença
penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF/88). É o chamado princípio da
presunção de inocência (ou presunção de não culpabilidade) que é consagrado não
apenas na Constituição Federal, como também em documentos internacionais, a
exemplo da Declaração

Universal dos Direitos do
Homem de 1948.
Logo, enquanto pendente qualquer
recurso da defesa, existe uma presunção de que o réu é inocente.

Dessa forma, enquanto não houver
trânsito em julgado para a acusação e para a defesa, o réu não pode ser
obrigado a iniciar o cumprimento da pena porque ainda é presumivelmente
inocente.

Assim, não existia no Brasil a execução
provisória (antecipada) da pena.

Em virtude da presunção de
inocência, o recurso interposto pela defesa contra a decisão condenatória era
recebido no duplo efeito (devolutivo e suspensivo) e o acórdão de 2º grau que
condenou o réu ficava sem produzir efeitos.

Este era o entendimento adotado pelo
STF desde o leading case HC 84078, Rel.  Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em
05/02/2009.

Obs: o condenado poderia até aguardar o
julgamento do REsp ou do RE preso, desde que estivessem previstos os
pressupostos necessários para a prisão preventiva (art. 312 do CPP). Dessa
forma, ele poderia ficar preso, mas cautelarmente (preventivamente) e não como
execução provisória da pena.

2ª) Posição
ATUAL do STF: SIM

STF. Plenário.
HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016.

É
possível o início da execução da pena condenatória após a prolação de acórdão
condenatório em 2º grau e isso não ofende o princípio constitucional da
presunção da inocência.
O
recurso especial e o recurso extraordinário não possuem efeito suspensivo (art.
637 do CPP e art. 27, § 2º da Lei nº 8.038/90). Isso significa que, mesmo a
parte tendo interposto algum desses recursos, a decisão recorrida continua
produzindo efeitos. Logo, é possível a execução provisória da decisão recorrida
enquanto se aguarda o julgamento do recurso.
O
Min. Teori Zavascki defendeu que, até que seja prolatada a sentença penal,
confirmada em 2º grau, deve-se presumir a inocência do réu. Mas, após esse
momento, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos
cabíveis da decisão de segundo grau ao STJ ou STF não se prestam a discutir
fatos e provas, mas apenas matéria de direito.
Para
o Relator, “a presunção da inocência não impede que, mesmo antes do trânsito em
julgado, o acórdão condenatório produza efeitos contra o acusado”.
“A
execução da pena na pendência de recursos de natureza extraordinária não
compromete o núcleo essencial do pressuposto da não culpabilidade, na medida em
que o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário
criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas
as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a
garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda

que
cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos
efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias
ordinárias”.
O
Ministro Teori, citando a ex-Ministra Ellen Gracie (HC 85.886) afirmou que “em
país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a
execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema
Corte”.

Votaram a favor da execução provisória da pena 7 Ministros: Teori Zavascki,
Edson Fachin, Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar
Mendes.


Ficaram vencidos 4 Ministros: Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e
Ricardo Lewandowski.
Comparando:

ANTES

ATUALMENTE

Não
se admitia a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado.

É
possível a execução provisória da pena mesmo antes do trânsito em julgado
desde que exista acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação.

A
execução provisória da pena ofende o princípio da presunção de não
culpabilidade (ou princípio da presunção de inocência).

A
execução provisória da pena NÃO ofende o núcleo essencial do princípio da presunção
de não culpabilidade (ou princípio da presunção de inocência).

O
réu, mesmo condenado pelo Tribunal em 2º grau, só pode ser obrigado a iniciar
o cumprimento da pena após terem sido julgados os recursos especial e
extraordinário interpostos pela defesa.

O
réu pode ser obrigado a iniciar o cumprimento da pena se o acórdão do
Tribunal de 2º grau for condenatório mesmo que, desta decisão, ele tenha
interposto recurso especial e extraordinário.

Os
recursos especiais e extraordinário interpostos pela defesa contra o acórdão
condenatório de 2º grau possuíam efeito suspensivo por força do princípio da
presunção de inocência.

Os
recursos especiais e extraordinário interpostos pela defesa contra o acórdão
condenatório de 2º grau NÃO possuem efeito suspensivo. A Lei determinou isso
e não há inconstitucionalidade nesta previsão.

Em resumo, esta foi a conclusão
fixada pelo STF:

A execução provisória de acórdão penal
condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial
ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de
inocência.

STF.
Plenário. HC 126292/SP, Rel. Min. Teori Zavascki, julgado em 17/02/2016.

Para que seja iniciado o
cumprimento da pena é necessário que o réu tenha sido condenado em 1ª instância
(pelo juiz) e esta sentença tenha sido confirmada pelo Tribunal (2ª instância)
ou ele poderá ser obrigado a cumprir a pena mesmo que o juiz o tenha absolvido
e o Tribunal reformado a sentença para condená-lo?

Para início do cumprimento provisório
da pena o que interessa é que exista um acórdão de 2º grau condenando o réu,
ainda que ele tenha sido absolvido pelo juiz em 1ª instância.
Dessa forma, imagine que João foi
absolvido em 1ª instância. O MP interpôs apelação e o Tribunal reformou a sentença
para o fim de condená-lo, isso significa que o réu terá que iniciar o
cumprimento da pena imediatamente, ainda que interponha recursos especial e
extraordinário.
A execução provisória pode ser
iniciada após o acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, não
importando se a sentença foi absolutória ou condenatória.
Para o início da execução
provisória não se exige dupla condenação (1ª e 2ª instâncias), mas apenas que
exista condenação em apelação e a interposição de recursos sem efeito suspensivo.
Embargos de declaração

Se o réu, condenado em apelação, opuser
embargos de declaração, o início da execução provisória da pena ficará adiado
até o fim do julgamento dos embargos. Nesse sentido: STJ. 6ª Turma. HC 366.907-PR,
Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 6/12/2016 (Info 595).
Imagine que o réu, após ser
condenado pelo Tribunal em apelação, iniciou o cumprimento provisório da pena
(foi para a prisão). O STF, ao julgar o recurso extraordinário, concorda com os
argumentos da defesa e absolve o réu. Ele terá direito de ser indenizado pelo
período em que ficou preso indevidamente?

Segundo a jurisprudência atual, a
resposta é, em regra, não há direito à indenização.
Se formos aplicar, por analogia,
a jurisprudência atual sobre prisão preventiva, o que os Tribunais afirmam é
que se a pessoa foi presa preventivamente e depois, ao final, restou absolvida,
ela não terá direito, em regra, à indenização por danos morais, salvo situações
excepcionais. Confira:

(…) O dano moral
resultante de prisão preventiva e da subsequente sujeição à ação penal não é
indenizável, ainda que posteriormente o réu seja absolvido por falta de provas.
Em casos dessa natureza, ao contrário do que alegam as razões do agravo regimental,
a responsabilidade do Estado não é objetiva, dependendo da prova de que seus
agentes (policiais,  membro do Ministério
Público e juiz) agiram com abuso de autoridade. (…)

STJ. 1ª Turma. AgRg no
AREsp 182.241/MS, Rel. Min. Ari Pargendler, julgado em 20/02/2014.

Agravo regimental no
recurso extraordinário com agravo. Responsabilidade civil do Estado. Prisões
cautelares determinadas no curso de regular processo criminal. Posterior
absolvição do réu pelo júri popular. Dever de indenizar. Reexame de fatos e
provas. Impossibilidade. Ato judicial regular. Indenização. Descabimento.
Precedentes.
1. O Tribunal de Justiça
concluiu, com base nos fatos e nas provas dos autos, que não restaram
demonstrados, na origem, os pressupostos necessários à configuração da
responsabilidade extracontratual do Estado, haja vista que o processo criminal
e as prisões temporária e preventiva a que foi submetido o ora agravante foram
regulares e se justificaram pelas circunstâncias fáticas do caso concreto, não
caracterizando erro judiciário a posterior absolvição do réu pelo júri popular.
Incidência da Súmula nº 279/STF.
2. A jurisprudência da
Corte firmou-se no sentido de que, salvo nas hipóteses de erro judiciário e de
prisão além do tempo fixado na sentença – previstas no art. 5º, inciso LXXV, da
Constituição Federal -, bem como nos casos previstos em lei, a regra é a de que
o art. 37, § 6º, da Constituição não se aplica aos atos jurisdicionais quando
emanados de forma regular e para o fiel cumprimento do ordenamento jurídico. 3.
Agravo regimental não provido.

STF. 1ª Turma. ARE 770931
AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 19/08/2014.
A decisão do STF proferida no HC
126292/SP acima explicado é vinculante?

Tecnicamente não. A decisão foi
tomada pelo Plenário da Corte em um habeas corpus, de forma que não goza de
efeito vinculante. No entanto, na prática, o entendimento será obrigatoriamente
adotado. Isso porque ainda que o TJ ou o TRF que condenarem o réu não impuserem
o início do cumprimento da pena, o Ministro Relator do recurso extraordinário
no STF irá fazê-lo. Dessa forma, na prática, mesmo os Tribunais que tinham
posicionamento em sentido contrário acabarão se curvando à posição do STF.
O entendimento acima é aplicado
aos processos que já estão em andamento, inclusive com condenações proferidas?

SIM. Apesar de ter havido uma
brutal alteração da jurisprudência do STF, não houve modulação dos efeitos
(pelo menos até agora).
Dessa forma, o entendimento
proferido tem plena aplicabilidade considerando que, para o STF não existe
proibição de se aplicar nova jurisprudência a casos em andamento, mesmo que
mais prejudiciais ao réu, salvo se houve modulação dos efeitos.
Haverá vagas no sistema prisional
para todas essas pessoas?
Aí já não sei. Mas é uma
preocupação que deve ser estudada porque existe uma grande quantidade de
recursos especial e extraordinário contra acórdãos condenatórios de 2º grau pendentes
de julgamento. Em tese, todos esses condenados já poderão iniciar o cumprimento
da pena.

Medida cautelar no recurso
especial ou recurso extraordinário ou HC

Vale ressaltar que o réu
condenado que interpuser recurso especial ou recurso extraordinário poderá
tentar evitar a execução provisória da pena. Para isso, deverá propor uma medida
cautelar pedindo que seja conferido efeito suspensivo ao recurso, nos termos do
art. 1.029, § 5º do CPC 2015.
Outra opção é a defesa, após
interpor o RE ou REsp, impetrar habeas corpus pedindo que o STJ ou STF suspenda
o cumprimento da pena enquanto se aguarda o julgamento do recurso.
Importante esclarecer que a
concessão desta medida cautelar ou de liminar no HC só ocorrerá em casos excepcionais,
em que ficar evidentemente constatada alguma ilegalidade flagrante ou injustiça
praticada no acórdão condenatório.

Artigo Original em Dizer o Direito

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