É possível declarar uma lei formalmente inconstitucional sob o argumento de que, durante a tramitação do projeto, na Casa Legislativa, houve descumprimento das regras de tramitação previstas no Regimento Interno?


Irei tentar responder essa pergunta a partir de um caso concreto recentemente enfrentado pelo STF e que envolveu a Lei nº 13.654/2018.

                                                                            

Lei nº 13.654/2018

A Lei nº 13.654/2018, publicada
no dia 24/04/2018, alterou os crimes de furto e roubo previstos no Código
Penal.

Uma das mudanças promovidas foi
no roubo circunstanciado por emprego de arma.

O art. 157 do Código Penal tipifica o crime de roubo nos
seguintes termos:

Art. 157. Subtrair coisa móvel alheia,
para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois
de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 10
(dez) anos, e multa.

 

O § 2º do art. 157, por sua vez,
prevê causas de aumento de pena para o roubo.

Desse modo, se ocorre alguma
dessas hipóteses, tem-se o chamado “roubo circunstanciado” (também conhecido
como “roubo agravado” ou “roubo majorado”).

O inciso
I do § 2º do art. 157 previa o seguinte:

Art. 157 (…)

§ 2º A pena aumenta-se de um terço até
metade:

I – se a violência ou ameaça é exercida
com emprego de arma;

 

O que fez a Lei nº 13.654/2018?

Revogou o inciso I do § 2º do art. 157
do CP.

 

Inconstitucionalidade formal

Vale
ressaltar que o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal foi revogado pelo art.
da Lei nº 13.654/2018:

Art. 4º Revoga-se o inciso I do § 2º do
art. 157 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 dezembro de 1940 (Código Penal).

 

Os Ministérios Públicos de vários
Estados começaram a alegar, em juízo, que este art. 4º da Lei nº 13.654/2018
seria formalmente inconstitucional.

O argumento era o de que o referido art.
4º teria sido retirado pelos Senadores na Comissão de Constituição, Justiça e
Cidadania e posteriormente teria sido reinserido no projeto pela Coordenação de
Redação Legislativa (CORELE), formada por servidores que prestam apoio ao
processo legislativo, mas sem que esta reinserção tenha sido previamente
aprovada pelos parlamentares.

Além disso, teria ocorrido erro na
publicação do texto final do PLS nº 149/15 aprovado pela Comissão de
Constituição, Justiça e Cidadania, que não permitiu o conhecimento da matéria
pelos demais Senadores e

a eventual interposição de recurso para
apreciação do Plenário.

Dessa maneira, teria havido descumprimento
do processo legislativo com a aprovação de um artigo inserido indevidamente no
projeto.

Diante desse cenário, vários Promotores
de Justiça pediram, nos diversos processos em que atuaram, a declaração
incidental da inconstitucionalidade do art. 4º da Lei nº 13.654/2018.

 

A questão chegou até o STF.
O que decidiu a Corte? O art. 4º da Lei nº 13.654/2018 foi declarado
formalmente inconstitucional?

NÃO.

O argumento para se sustentar que
o art. 4º da Lei nº 13.654/2018 seria formalmente inconstitucional está no fato
de que, durante a tramitação do projeto de lei, teria sido violado o art. 91 do
Regimento Interno do Senado Federal.

Logo, não há, no caso concreto, nenhuma
alegação de ofensa direta às normas da Constituição Federal que tratam sobre o processo
legislativo (arts. 59 a 69 da CF/88).

O STF entende que não cabe a
declaração de inconstitucionalidade formal de lei por ofensa apenas às normas
regimentais das Casas Legislativas. Isso porque a intepretação do regimento
interno do Poder Legislativo é considerado assunto interna corporis, não
sujeito, portanto, ao controle judicial, sob pena de violação ao princípio da
independência dos poderes:

A interpretação e a aplicação do Regimento Interno da Câmara dos
Deputados constituem matéria interna corporis, insuscetível de
apreciação pelo Poder Judiciário.

STF. Plenário. MS 26.062/DF-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJe de
4/4/2008.

 

Não é possível o controle jurisdicional em relação à interpretação
de normas regimentais das Casas Legislativas, sendo vedado ao Poder Judiciário,
substituindo-se ao próprio Legislativo, dizer qual o verdadeiro significado da
previsão regimental, por tratar-se de assunto interna corporis, sob pena
de ostensivo desrespeito à Separação de Poderes, por intromissão política do
Judiciário no Legislativo.

A proteção ao princípio fundamental inserido no art. 2º da
CF/1988, segundo o qual, são Poderes da União, independentes e harmônicos entre
si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, afasta a possibilidade de
ingerência do Poder Judiciário nas questões de conflitos de interpretação, aplicação
e alcance de normas meramente regimentais.

STF. Plenário. MS 36.662 AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, DJe
de 7/11/2019.

 

Em suma:

O
controle judicial de atos “interna corporis” das Casas Legislativas só é
cabível nos casos em que haja desrespeito às normas constitucionais pertinentes
ao processo legislativo (CF, arts. 59 a 69).

Tese
fixada pelo STF:

“Em
respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da
Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas
constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder
Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do
sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas,
por se tratar de matéria ‘interna corporis’.”

STF.
Plenário. RE 1297884/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 11/6/2021
(Repercussão Geral – Tema 1120) (Info 1021).

Logo, o art. 4º da Lei nº 13.654/2018, que revogou o inciso I do § 2º do art. 157 do CP, não possui vício de inconstitucionalidade formal.

Artigo Original em Dizer o Direito

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