A 10ª Turma do TRT mineiro julgou desfavoravelmente o recurso de uma empresa para manter a sentença que a condenou a pagar indenização por danos morais e estéticos, no valor de 65 mil reais, a um trabalhador que teve 48% do seu corpo queimado em acidente de trabalho. Os julgadores acolheram o entendimento da relatora, desembargadora Taísa Maria Macena de Lima.
A lei no tempo – A ação foi ajuizada pelo empregado em outubro de 2016 e, na época da sentença, o contrato de trabalho ainda estava em vigor. Ele pretendia receber reparação pelos prejuízos morais decorrentes de acidente do trabalho que o vitimou em setembro/2016, ou seja, anteriormente à entrada em vigor da Lei 13.467/2017, ocorrida em novembro/2017. Nesse quadro, como observou a relatora, os fatos discutidos na demanda devem ser resolvidos com base na “lei velha”, com a aplicação das normas legais vigentes à época do acidente, antes das modificações trazidas pela reforma trabalhista.
É que, conforme esclarecido pela relatora, quando se discute a aplicação de uma nova lei para situações anteriores à sua existência como no caso, é preciso verificar, em primeiro lugar, se o contrato de trabalho já foi extinto, se está em curso ou se foi firmado após a vigência da nova lei, já que a CR/88 consagra os princípios do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada, previstos em seu artigo 5º, XXXVI. Em outras palavras, a Constituição brasileira adota o princípio da irretroatividade, segundo o qual a lei nova não será aplicada às situações ocorridas na vigência da lei revogada ou modificada. “Este princípio objetiva garantir a segurança, a certeza e a estabilidade das relações jurídicas, em suma, as alterações legislativas não podem afetar a segurança jurídica e nem prejudicar o direito das pessoas, seja o de ordem privada, seja o de ordem pública”, destacou na decisão.
Isolamento dos atos processuais – Em relação às normas de direito processual, pontuou a desembargadora que se aplica a teoria do isolamento dos atos processuais, prevista no Código de Processo Civil, em seu artigo 1.046, segundo o qual os atos processuais são regidos pelas regras vigentes no momento em que praticados. Nesse quadro, a norma processual não retroage, mas devem ser respeitadas as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada, nos termos do art. 14, do CPC. Assim, conforme esclareceu a julgadora, as situações jurídicas já estabelecidas quando do ajuizamento da ação devem ser tratadas com a legislação revogada. “No caso, como a ação foi ajuizada em outubro de 2016, antes da entrada em vigor da Lei 13.467/2017, não se aplicam as alterações procedidas pela nova lei, não sendo permitido tirar um direito do empregado que já havia se consolidado com a lei anterior” , frisou.
Acidente do Trabalho X Atividade de Risco – Em seus fundamentos, a desembargadora registrou que, em regra, a responsabilização do empregador pelos prejuízos causados ao empregado decorrentes de acidente de trabalho exige a comprovação de dolo ou culpa. Ou seja, para a obrigação de reparação do empregador, é necessário que se prove que a empresa contribuiu com dolo ou culpa para a ocorrência do acidente sofrido pelo empregado. Mas, segundo acrescentou a relatora, o artigo 927, parágrafo único, do Código Civil, prevê a possibilidade de reconhecimento da responsabilidade objetiva do empregador, quando a atividade empresarial, por sua própria natureza, implicar riscos para a saúde do empregado. Para a magistrada, essa é a situação que se desenhou no processo.
Isso porque, de acordo com a CAT (Comunicação de Acidente do Trabalho) apresentada, o reclamante sofreu típico acidente do trabalho, quando, em setembro/2016, no exercício de suas atividades profissionais na ré, foi realizar a limpeza dos filtros de água quente (80 a 90 graus Celsius) de centrífugas automáticas, acabando por sofrer queimaduras de 2º grau em 48% de seu corpo. Segundo constatou a julgadora, a tarefa (de manuseio de filtro de limpeza, com alta pressão e uso de líquidos em altíssimas temperaturas) era habitualmente realizada pelo trabalhador, expondo-o diretamente ao risco de acidente, principalmente tendo em vista que a empresa não comprovou, como lhe cabia, que o trabalhador recebeu o treinamento de segurança necessário para a execução do serviço.
E mais: na visão da relatora, ainda que se considerasse que o empregado tinha vasta experiência na atividade, como alegado pela empresa, isso não levaria à conclusão de que o acidente ocorreu por culpa dele, até porque a ré nem mesmo se preocupou em apurar as causas do acidente, limitando-se a alegar, sem provas, a culpa exclusiva do trabalhador. Além disso, ponderou a julgadora que, independentemente de qualquer outra discussão, é dever da empresa adotar as medidas de segurança compatíveis com o grau de risco existente no ambiente de trabalho, o que não foi feito pela ré de forma satisfatória.
Para a desembargadora, ao falhar na adoção das medidas de segurança no ambiente de trabalho, a empresa ofendeu a CR/88 que, em seu artigo 7ª, inciso XXII, assegura o direito dos trabalhadores à redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança. Violou também o artigo 157, II, da CLT, que estabelece a obrigação da empregadora de instruir os empregados sobre os cuidados para se evitarem acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais. “A diligência do empregador deve ser positiva e envolve ações efetivas de proteção à saúde dos empregados. Além do mais, o fato de se tratar de uma atividade corriqueira não afasta o risco de acidente e nem dispensa o empregador de realizar treinamentos de segurança”, destacou na decisão, acrescentando que, no caso, a ré nem mesmo comprovou que colocava alerta de segurança ou placa indicativa sobre os riscos à integridade física do trabalhador.
Ausência de culpa do trabalhador – A afirmação da empresa de que o acidente teria ocorrido por culpa exclusiva do empregado também foi afastada pela relatora. Foi mantido o entendimento adotado na sentença de que cabia à empresa comprovar suas alegações, o que não cuidou de fazer. É que, se por um lado a ré não demonstrou que o trabalhador agiu com negligência, imprudência ou imperícia na execução dos serviços, por outro, a lei impõe ao empregador a responsabilidade de se empenhar na adoção de todas as providências possíveis e necessárias para impedir acidentes em seu estabelecimento, garantindo condições adequadas de trabalho aos empregados. “A empresa não pode ter uma atitude negligente, especialmente quando se trata de trabalho que demanda a utilização de equipamentos com elevado índice de perigo, como o que era realizado pelo reclamante, devendo garantir os cuidados previstos na legislação, além de promover treinamentos e fiscalizações para evitar acidentes, o que, como se viu, não foi feito pela ré”, concluiu a desembargadora.
Por tudo isso, a Turma negou provimento ao recurso para manter a sentença que reconheceu a culpa da empresa pelo acidente que vitimou o empregado e condenou-a ao pagamento de indenização por danos morais e estéticos, fixada em R$65.000,00, em virtude do abalo moral sofrido pelo trabalhador, agravado pelas marcas de queimaduras ao longo do corpo, o que pôde ser observado por fotografias apresentadas no processo.
Fonte: TRT 3