Honorários de sucumbência decorrentes de ação de cobrança de cotas condominiais não possuem natureza propter rem


Imagine
a seguinte situação hipotética:

João
é proprietário e morador do apartamento 1501 do edifício residencial “Jardim
Feliz”.

João
estava devendo 6 meses de cotas condominiais.

O
condomínio ajuizou ação contra ele cobrando o valor das cotas em atraso.

O
juiz julgou procedente o pedido e condenou João ao pagamento de:


R$ 100 mil, a título de cotas condominiais em atraso (acrescidas de juros e
correção monetária); e


honorários advocatícios de sucumbência fixados em 10% da condenação, ou seja, R$
10 mil.

Sem
ter condições de pagar as dívidas, João vendeu seu apartamento para Pedro.

Pedro,
ao adquirir o apartamento, passa a ter responsabilidade pelo pagamento das
cotas condominiais em atraso?

SIM. As cotas condominiais são
classificadas como obrigações propter rem.
Por isso, responde pela obrigação de pagar tais dívidas aquele que adquire a
unidade, não importando que os débitos sejam anteriores à aquisição do imóvel.
É o que determina o Código Civil:

Art. 1.345. O adquirente de unidade
responde pelos débitos do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas
e juros moratórios.

O
sentido dessa norma é fazer prevalecer o interesse da coletividade, permitindo
que o condomínio receba, a despeito da transferência de titularidade do direito
real sobre o imóvel, as despesas indispensáveis e inadiáveis à manutenção da
coisa comum, impondo ao adquirente, para tanto, a responsabilidade, inclusive,
pelas cotas condominiais vencidas em período anterior à aquisição.

Fale-me
mais sobre as obrigações propter rem…

Obrigações
propter rem (também chamadas de obrigações
ambulatórias) são aquelas que se vinculam à titularidade de um direito real,
independentemente da manifestação de vontade do titular, e, por isso, são
transmitidas a todos os que lhe sucederem em sua posição; são, pois, assumidas
“por causa da coisa” (propter rem).

As
obrigações que os condôminos possuem em relação ao condomínio são ordinariamente
qualificadas como ambulatórias (propter
rem
). Como essas obrigações decorrem da mera titularidade do direito real
sobre o imóvel, eles incidem e acompanham a coisa em todas as suas mutações subjetivas
(mudanças de “dono”).

Assim,
a obrigação de pagar os débitos em relação ao condomínio se transmite
automaticamente, isso é, ainda que não seja essa a intenção do alienante e
mesmo que o adquirente não queira assumi-la.

Aprofundando:
ônus real

Obs:
alguns autores afirmam que o art. 1.345 é mais que uma mera obrigação de natureza
ambulatória (propter rem). Esse
dispositivo imporia ao titular do direito sobre o bem um verdadeiro ônus real.

Cite-se,
por oportuna, a lição de Francisco Eduardo Loureiro, mencionando, por sua vez,
o escólio de Antunes Varela:

“Na
lição clássica de Antunes Varela, o artigo em exame descreve verdadeiro ônus
real. Segundo o autor, “a diferença prática entre ônus e as obrigações reais,
tal como a história do direito as modelou, está em que, quanto a estas, o
titular só fica vinculado às obrigações constituídas na vigência do seu
direito, enquanto nos ônus reais o titular da coisa fica obrigado mesmo em
relação às prestações anteriores, por suceder na titularidade de uma coisa a
que está visceralmente unida a obrigação (…)”(Código Civil comentado:
doutrina e jurisprudência. Coordenador Cezar Peluso. 5ª ed. São Paulo: Manole,
2011. p. 1.396-1.397)

Vimos,
então, que Pedro (adquirente) terá que pagar os R$ 100 mil de cotas
condominiais atrasadas. E os R$ 10 mil também? O adquirente possui
responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios?

NÃO.
A obrigação de pagar as verbas de sucumbência, ainda que sejam elas decorrentes
de sentença proferida em ação de cobrança de cotas condominiais, não pode ser
qualificada como ambulatória (propter rem)
e, portanto, não pode ser exigida do novo proprietário do imóvel sobre o qual
recai o débito condominial.

Em
primeiro lugar, porque tal obrigação não está expressamente elencada no rol do
art. 1.345 do CC, até mesmo por não se prestar ao custeio de despesas
indispensáveis e inadiáveis à manutenção da coisa comum.

Em
segundo lugar, porque os honorários de sucumbência constituem direito autônomo
do advogado (art. 23 do Estatuto da OAB), de natureza remuneratória. Trata-se,
portanto, de dívida da parte vencida frente ao advogado da parte vencedora,
totalmente desvinculada da relação jurídica estabelecida entre as partes da
demanda. Logo, os honorários de sucumbência não se enquadram no art. 1.345 do
CC, que fala em “débitos do alienante, em relação ao condomínio”.

Em
suma:

As
verbas de sucumbência, decorrentes de condenação em ação de cobrança de cotas condominiais,
não possuem natureza ambulatória (propter
rem
).

O
art. 1.345 do CC estabelece que o adquirente de unidade responde pelos débitos
do alienante, em relação ao condomínio, inclusive multas e juros moratórios.

A
obrigação de pagar as verbas de sucumbência, ainda que sejam elas decorrentes
de sentença proferida em ação de cobrança de cotas condominiais, não pode ser
qualificada como ambulatória (propter rem),
seja porque tal prestação não se enquadra dentre as hipóteses previstas no art.
1.345 do CC para o pagamento de despesas indispensáveis e inadiáveis do
condomínio, seja porque os honorários constituem direito autônomo do advogado,
não configurando débito do alienante em relação ao condomínio, senão débito
daquele em relação ao advogado deste.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.730.651-SP, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 09/04/2019 (Info 646).

Artigo Original em Dizer o Direito

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