O ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Reynaldo Soares da Fonseca falou da importância do princípio da fraternidade no atual cenário de pandemia do novo coronavírus (Covid-19), em debate transmitido nesta sexta-feira (19) pelo canal do Instituto de Direito Público (IDP) no YouTube.
Participaram da discussão sobre o tema Direito e futuro em tempos de pandemia o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª região (TRF1) Ney de Barros Bello Filho; o desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia Marcos Alaor Diniz Grangeia, mediador do debate; o professor de direito constitucional Diego Vasconcelos e o filósofo e sociólogo Raffaele di Giorgi.
Para o ministro Reynaldo, vive-se um desastre humanitário, provocado por uma pandemia que tornou ou tornará todos os seres humanos mais pobres em termos materiais. O momento, ressaltou, exige uma reflexão sobre temas importantes como a integridade, a fraternidade e os caminhos do direito e da humanidade na sociedade democrática.
Segundo o ministro, é necessário construir o conceito de homens fraternos, cujo princípio foi por muito tempo esquecido. Ele ressaltou que o artigo 3° da Constituição Federal é peremptório no sentido de assegurar a construção de uma sociedade fraterna na solução pacífica de conflitos.
O ministro ponderou sobre a importância de se construir uma sociedade mediadora – em especial no contexto de alta judicialização do país – e sobre a necessidade de se mudar a realidade do sistema carcerário, que já foi considerado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
\”Efetivamente, o caminho da solidariedade, o caminho daquilo que estamos propondo como um princípio esquecido para que seja reavivado – o princípio da fraternidade –, é o caminho do século XXI, especialmente depois da pandemia. Esperamos que todos consigamos ultrapassar essa fase e possamos voltar a discutir políticas públicas\”, afirmou.
Direito universal
O filósofo Raffaele di Giorgi ressaltou que a fraternidade é uma necessidade do momento que o mundo vive. Ele disse que a modernidade foi caracterizada, na reconstrução da política e do direito, com base em três aspectos: segurança, população e território.
Segundo Raffaele, essa tridimensionalidade \”explodiu\”, pois a população é ameaçada por si mesma, o território não tem mais limites e a segurança está baseada no medo da alteridade, produzida pela própria sociedade, por meio da desigualdade, das explorações, da construção de centros e periferias.
\”Essas considerações nos deixam ver que a sociedade inventou o direito moderno para se imunizar frente às ameaças que ela mesma produziu\”, declarou. De acordo com ele, esse poder de imunização pelo direito não pode fazer nada frente ao ambiente no qual a sociedade está inserida.
Para Raffaele, \”o direito precisa imunizar a sociedade frente ao ambiente. Isso quer dizer que o direito não pode mais ter limites territoriais, tem que ser universal\”. Desse modo – acrescentou –, não se deve falar em um direito penal melhor, mas, sim, \”em outra coisa melhor que o direito penal\”.
Novas reflexões
O desembargador do TRF1 Ney de Barros Bello Filho afirmou que a compreensão da realidade a partir da fraternidade não é mais uma posição, mas uma necessidade. Em sua opinião, o cenário atual trouxe novas reflexões sobre a sociedade, como a questão dos papéis do Estado e do mercado.
De acordo com ele, países em que o Estado foi insignificante ou muito forte no combate à pandemia apresentaram problemas, e é preciso encontrar um novo equilíbrio. Para o magistrado, também há a necessidade de se pensar a limitação do direito.
\”Em momento de normalidade, se pensava que o direito resolvia tudo. Em tempos de não normalidade, podemos caminhar para um estado de desobediência, como a desarticulação das medidas propostas pelo estado de direito\”, disse.
Momento de exceção
O professor Diego Vasconcelos abordou a forma como a Covid-19 é internalizada na sociedade e tratada nos diversos sistemas sociais – como na economia, na política, nas finanças. Para ele, a realidade tem mostrado a incapacidade da sociedade, da política e do direito de garantir os direitos fundamentais em um momento de exceção, como o atual.
\”A exceção cria um espaço de decisão no qual se suspende o direito para se realizar a moral, a política e outros interesses, ou seja, quando o direito é violado, seja individualmente – numa relação concreta – ou em termos gerais – podendo atingir todos de forma indiferenciada –, nós temos um quadro em que o fundamento da decisão como exceção justifica a tese de suspensão do direito, naquilo que os garantistas chamam de crise dos direitos fundamentais.\”
Segundo o professor, é preciso uma nova visão de sociedade e de humanidade em que se entenda que ninguém pode ser levado a escolher entre se contaminar e carregar a doença para o interior do lar, pondo em risco a vida de familiares, ou morrer de fome porque não trabalha. \”Não é diante dessa escolha que estamos. A verdadeira escolha com a qual nos deparamos é como queremos construir, a partir de agora, o nosso futuro\”, concluiu.