“Não basta haver direitos normatizados. A mulher precisa ocupar os espaços e efetivar esses direitos. É necessário passar à prática.” Foi assim, parafraseando o jurista português Jorge Miranda, que a professora-doutora Patrícia Rosset enfatizou o papel da mulher na sociedade contemporânea brasileira.
Patrícia Rosset foi uma das painelistas deste terceiro dia do IV Congresso Internacional de Direito da Lusofonia, organizado pelo Superior Tribunal Militar (STM), em Brasília.
No painel “Promoção, proteção e reparação de direitos humanos”, Rosset falou sobre o fundamental papel da mulher e as grandes transformações globais, principalmente aqueles estabelecidos pela ONU na Agenda 2030-ODS.
Ela trouxe uma reflexão sobre partes dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que são uma agenda mundial adotada durante a Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável em setembro de 2015, composta 169 metas a serem atingidos até 2030.
Da agenda, Rosset, que inclusive participou da criação da \”Virada Feminina no Estado de São Paulo\”, como forma de discussão de políticas públicas para a mulher, citou que esses objetivos da ONU necessariamente devem ser atingidos para dar maiores e melhores condições à mulher, inclusive no Brasil.
Redução da pobreza, aquisição do ensino básico de educação, paridade entre sexos e a autonomia das mulheres, redução da mortalidade infantil, melhora da saúde materna, combate ao HIV e outras doenças como da febre amarela. “O fortalecimento da mulher no Brasil passa por atingir esses objetivos da ONU”.
No painel, a pesquisadora disse que o Brasil é o terceiro país no mundo em desigualdade de renda. “Sem desenvolvimento econômico e sem dar à mulher condições de desenvolvimento não haverá paridade”, explicou.
Patrícia Rosset citou a política do microcrédito, criado pela bengalês Muhammad Yunus, prêmio nobel da ONU, como um exemplo de como ações simples são capazes de trazer grandes transformações, principalmente às mulheres em situação de risco.
Yunus é o pai do conceito de microcrédito – o empréstimo de pequenas quantias de dinheiro a pessoas pobres, que jamais conseguiriam um tostão dos bancos convencionais. Em 1976, quando ainda era professor universitário, fez a primeira experiência desse tipo ao oferecer 27 dólares a um grupo de 42 artesãos em dificuldades.
A soma irrisória foi suficiente para que eles comprassem matéria-prima, vendessem sua produção de tamboretes de bambu e garantissem a continuidade do negócio. Animado com as possibilidades que a iniciativa apresentava, o intelectual virou banqueiro no ano seguinte.
Fundou o banco Grameen, que significa “banco da aldeia” em bengali, e passou a fomentar a atividade econômica entre os pobres. E a grande surpresas foi que os maiores casos de sucessos individuais vieram das mulheres, principalmente, encarregadas dos lares.
Rosset disse também que as mulheres ainda continuam sendo brecadas em cargos importantes no Brasil e ganhando menos.
“Quantas mulheres prefeitas nós temos? Quantas mulheres nos primeiros escalões de governos nós temos? Paridade é você criar condições para que a mulher consiga as mesma condições e oportunidades que o homem possui. Enquanto não tivermos paridade entre homens e mulheres, não teremos uma sociedade justa”, afirma.
Sobre a saúde da mulher, a situação também é muito ruim no Brasil. A professora informa que milhares de mulheres no país morrem de câncer por simplesmente não terem acesso a exames básicos como a mamografia.
“Em São Paulo descobrimos que demora cerca de seis meses para se fazer uma simples mamografia. Até se conseguir o exame, muitas delas já morreram. É preciso tornar realidade as normas garantidoras desses direitos básicos”, finalizou. A moderadora da mesa foi a juíza-auditora Zilah Maria Callado Fadul Petersen.
Direitos Fundamentais na União Europeia
Na manhã desta quarta-feira (8), o IV Congresso de Direito da Lusofonia abriu outro debate: os Direitos Humanos e o controle da administração pública. A primeira debatedora foi a professora Alessandra Silveira (Portugal) que falou sobre a ativação judicial de direitos fundamentais sociais na União Europeia – desafios da democracia em tempos de austeridade e desalento.
A professora da Universidade do Minho fez uma análise crítica sobre a atuação do Tribunal de Justiça da União Europeia no tratamento dos direitos fundamentais. Segundo a especialista, apesar de vivermos na chamada Era do Judiciário, dada a atuação destacada deste poder em prol de direitos sociais, esse movimento nem sempre se verifica na prática.
Em matérias de direitos sociais é mais fácil admitir um consenso sobre princípios gerais no âmbito do Poder Judiciário do que atribuir obrigações às instituições que de fato podem efetivar esses direitos. E propôs a questão: “De que servem decisões judiciais que não se cumprem?”.
Alessandra Silveira comentou uma recente decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia abriu um precedente para a discriminação de um cidadão da EU que procura emprego em outro Estado-Membro, com relação aos nacionais daquele país.
Ao requerer o direito ao benefício social, por estar desempregado, um estrangeiro (europeu) que procurava emprego no Reino Unido teve negado acesso à assistência social. Ao recorrer ao TJ da União Europeia, a Corte voltou a negar a demanda, impondo como condição para concessão do pedido que o requerente fosse legalmente residente no país.
Para a especialista, a decisão é um grave retrocesso no sentido da concessão de direitos sociais aos cidadãos da UE, relegando a uma situação crítica pessoas que já se encontram em vulnerabilidade. É também um fator que limita a livre circulação de pessoas e expõe cidadãos europeus à xenofobia.
A professora finalizou sua fala expondo a tensão existente entre “democracia substancial” – garantia de valores, direitos e liberdades – e a “democracia formal”, baseada no voto e no poder da maioria. Segundo ela, os tribunais sempre trabalharam na preservação da democracia substancial. Citou como exemplo de distorções da democracia formal o fenômeno do Brexit.
E questionou: quais os limites para que a democracia sobreviva, sem se render ao populismo, e num cenário pós-estatal e marcado pela desterritorialização do poder?
Congresso de Lusofonia é destaque na TV Justiça e na Rádio Justiça