Não é possível a penhora de percentual do auxílio emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição financeira


 

O que é o chamado “auxílio emergencial”

O Auxílio Emergencial é um benefício
financeiro, instituído pela Lei nº 13.982/2020, pago pela União a trabalhadores
informais, microempreendedores individuais (MEI), autônomos e desempregados, e que
foi criado com o objetivo de fornecer proteção emergencial, pelo prazo de poucos
meses, às pessoas que perderam sua renda em virtude da crise causada pela
Covid-19.

 

O valor do auxílio emergencial pode ser
penhorado?

Em regra, não. Isso porque se trata de verba de natureza
alimentar, sendo impenhorável, nos termos do art. 833, IV, do CPC:

Art. 833. São impenhoráveis:

(…)

IV – os vencimentos, os subsídios, os
soldos, os salários, as remunerações, os proventos de aposentadoria, as
pensões, os pecúlios e os montepios, bem como as quantias recebidas por
liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e de sua família,
os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal,
ressalvado o § 2º ;

 

O CNJ expediu, inclusive, a Resolução
nº 318/2020, na qual recomenda que os magistrados não efetuem a penhora do
auxílio emergencial para pagamento de dívidas:

Art. 5º Recomenda-se que os magistrados
zelem para que os valores recebidos a título de auxílio emergencial previsto na
Lei no 13.982/2020 não sejam objeto de penhora, inclusive pelo sistema
BacenJud, por se tratar de bem impenhorável nos termos do art. 833, IV e X, do
CPC.

Parágrafo único. Em havendo bloqueio de
valores posteriormente identificados como oriundos de auxílio emergencial,
recomenda-se que seja promovido, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, seu
desbloqueio, diante de seu caráter alimentar.

 

Vale ressaltar que esta recomendação
tem um caráter mais orientativo do que compulsório, considerando que a decisão
sobre o enquadramento ou não da referida parcela como impenhorável está dentro
do livre convencimento judicial, não podendo ser punido disciplinarmente o
magistrado que, de forma fundamentada, decida em sentido contrário à orientação
do CNJ que, como se sabe, é um órgão administrativo.

 

A hipótese de impenhorabilidade do
inciso IV do art. 833 do CPC é absoluta ou admite exceções?

Há duas exceções previstas no § 2º do art. 833:

Art. 833 (…)

§ 2º O disposto nos incisos IV e X do
caput não se aplica à hipótese de penhora para pagamento de prestação
alimentícia, independentemente de sua origem, bem como às importâncias
excedentes a 50 (cinquenta) salários-mínimos mensais, devendo a constrição
observar o disposto no art. 528, § 8º, e no art. 529, § 3º .

 

Desse modo, é possível a penhora de
verbas salariais em duas hipóteses:

1) para pagamento de prestação
alimentícia (qualquer que seja a sua origem, ou seja, pode ser pensão
alimentícia decorrente de poder familiar, de parentesco ou mesmo derivada de um
ato ilícito).

 

Observação:
essa primeira exceção é plenamente aplicável para o caso do auxílio
emergencial. Assim, se o sujeito recebeu os R$ 600,00 do auxílio emergencial,
mas está devendo pensão alimentícia, é possível, de acordo com o CPC, que o
juiz determine a penhora de até metade desse valor para pagamento da dívida.

 

2) sobre o montante que
exceder 50 salários-mínimos.

 

Observação:
essa segunda hipótese não se aplica para o caso do auxílio emergencial,
considerando que seu valor era, inicialmente, de apenas R$ 600,00 e com duração
inicial de 3 meses. Mesmo com as prorrogações, ainda que a pessoa acumulasse no
banco o valor das parcelas do auxílio, isso não superaria 50 salários-mínimos.

 

Vale ressaltar que nessas duas
hipóteses excepcionais de penhora, o valor penhorado não poderá exceder 50% dos
ganhos líquidos do devedor:

Art. 529 (…)

§ 3º Sem prejuízo do pagamento dos
alimentos vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos
rendimentos ou rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput
deste artigo, contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta
por cento de seus ganhos líquidos.

 

Resumindo:

Em regra, o valor recebido a título de auxílio emergencial é
impenhorável, por se enquadrar como verba de natureza alimentar.

Excepcionalmente, é possível a penhora de 50% desse valor para
pagamento de prestação alimentícia, nos termos do art. 833, § 2º c/c art. 529,
§ 3º, do CPC.

Ex: Pedro recebeu o auxílio emergencial de R$ 600,00; ocorre que
ele está devendo a pensão alimentícia a seu filho menor; o magistrado poderá
penhorar até 50% desse valor (R$ 300,00) para pagamento da prestação
alimentícia.

 

É possível a penhora do auxílio
emergencial para pagamento de dívidas com bancos?

NÃO.

Não é possível a penhora de percentual do auxílio
emergencial para pagamento de crédito constituído em favor de instituição
financeira.

STJ. 4ª
Turma. REsp 1.935.102-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 29/06/2021
(Info 703).

 

As dívidas comuns não podem gozar do
mesmo status diferenciado da dívida alimentar a permitir a penhora
indiscriminada das verbas remuneratórias, sob pena de se afastarem os ditames e
a própria ratio legis do Código de Processo Civil (art. 833, IV, c/c o §
2º), sem que tenha havido a revogação do dispositivo de lei ou a declaração de
sua inconstitucionalidade.

A verba emergencial da covid-19 foi
pensada e destinada a salvaguardar pessoas que, em razão da pandemia,
presume-se estejam com restrições em sua subsistência, cerceadas de itens de
primeira necessidade; por conseguinte, é intuitivo que a constrição judicial
sobre qualquer percentual do benefício, salvo para pagamento de prestação
alimentícia, acabará por vulnerar o mínimo existencial e a dignidade humana dos
devedores.

 

Impossibilidade de
o banco efetuar descontos ou compensações envolvendo o valor do auxílio
emergencial

Imagine a seguinte situação hipotética:

João fez um mútuo bancário e autorizou
que as parcelas a serem pagas deste empréstimo fossem descontadas diretamente
de sua conta todas as vezes em que fosse depositado algum dinheiro.

Ocorre que João perdeu seu emprego e
passou a não mais receber qualquer valor na conta bancária.

Neste período de pandemia, foi aprovado
para receber o auxílio emergencial do governo.

 

Quando o valor do auxílio emergencial
for depositado na conta de João, o banco poderá reter esse valor, no todo ou,
pelo menos, em parte, para pagamento da dívida?

NÃO. Essa proibição consta expressamente no § 13 do art. 2º
da Lei nº 13.982/2020, incluído pela Lei nº 13.998/2020:

Art. 2º (…)

§ 13. Fica vedado às instituições
financeiras efetuar descontos ou compensações que impliquem a redução do valor
do auxílio emergencial, a pretexto de recompor saldos negativos ou de saldar
dívidas preexistentes do beneficiário, sendo válido o mesmo critério para
qualquer tipo de conta bancária em que houver opção de transferência pelo beneficiário.

Artigo Original em Dizer o Direito

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