Imagine
a seguinte situação adaptada:
Foi criada, por
lei, uma gratificação conhecida como GACEN, devida aos servidores da FUNASA (fundação
pública federal) que estivessem na ativa. Pela lei, a referida verba não seria
paga aos aposentados.
O sindicato dos
servidores ajuizou ação coletiva contra a FUNASA alegando que os servidores que
se aposentaram com paridade teriam direito de receber a GACEN.
Abrindo
um parêntese: paridade
A paridade era uma
garantia que os servidores públicos aposentados possuíam segundo a qual todas
as vezes que havia um aumento na remuneração percebida pelos servidores da
ativa, esse incremento também deveria ser concedido aos aposentados.
Ex.: João é servidor
aposentado do Ministério da Fazenda, tendo se aposentado com os proventos do
cargo de técnico A1. Quando fosse concedido algum reajuste na remuneração do
cargo técnico A1, esse aumento também deveria ser estendido aos proventos de
João.
No
dicionário paridade significa a qualidade de ser igual. Assim, o
princípio da paridade enunciava que os proventos deveriam ser iguais
à remuneração da ativa.
Os pensionistas,
ou seja, os dependentes dos servidores públicos falecidos beneficiados com
pensão por morte também tinham direito à paridade. Ex.: João, quando
faleceu, era servidor aposentado do Ministério da Fazenda ocupante do cargo de
técnico A1. Sua esposa passou a receber pensão por morte em valor igual à
remuneração do cargo de técnico A1. Se fosse concedido algum reajuste para o
cargo de técnico A1, esse aumento também deveria ser estendido à pensão por
morte.
A regra
da paridade estava prevista no art. 40, § 8º, da CF/88, incluído pela
EC 20/1998.
O princípio
da paridade “foi revogado, restando somente para os servidores com
direito adquirido, que já preenchiam os requisitos para a aposentadoria antes
da edição da EC nº 41 (art. 3º, EC nº 41), ficando também resguardado o direito
para aqueles que estão em gozo do benefício (art. 7º, EC nº 41) e os que se enquadrarem
nas regras de transição do art. 6º da EC nº 41 e do art. 3º da EC nº 47.”
(MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 15ª ed., Salvador: Juspodivm,
2021, p. 928).
Desse modo, se
você ingressar no serviço público hoje, não terá a garantia da paridade quando
se aposentar, já que ela foi extinta com a EC nº 41/2003. Da mesma forma, caso
seja servidor público e morra, seus dependentes poderão receber pensão por
morte, mas não terão direito à paridade.
No lugar
da paridade, existe hoje o chamado “princípio da preservação do valor
real”, previsto no art. 40, § 8º, da CF/88, segundo o qual os proventos do
aposentado devem ser constantemente reajustados para que seja sempre garantido
o seu poder de compra.
Art.
40 (…)
§
8º É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter
permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 41/2003)
Voltando
ao caso concreto:
Nessa ação coletiva,
o sindicato pediu que:
a)
fosse incluída a GACEN nos proventos de todos os servidores da FUNASA que se
aposentaram antes da EC 41/2003;
b)
que sejam pagas as parcelas dessa gratificação desde a data em que ela foi
instituída por lei.
O
juiz julgou procedentes os pedidos. Houve o trânsito em julgado em 01/06/2012.
Repare
que a FUNASA foi condenada a duas obrigações:
•
uma obrigação de fazer (incluir a gratificação nos vencimentos pagos
mensalmente ao servidor);
•
uma obrigação de pagar (pagar as parcelas pretéritas).
Execução
individual
Em
01/06/2013, Pedro, servidor aposentado da FUNSA e um dos beneficiários com a
decisão, ingressou com pedido de execução individual de sentença coletiva. Ocorre
que, nessa execução, Pedro somente pediu a inclusão da GACEN em seu
contracheque. Desse modo, a execução limitou-se à obrigação de fazer. A
gratificação foi incluída nos vencimentos.
Em
29/07/2017, Pedro, alertado pelos colegas, ingressou com nova execução
individual pedindo agora o pagamento das parcelas atrasadas. Assim, nessa
segunda execução Pedro requereu o cumprimento da obrigação de pagar.
Arguição
de prescrição
A
FUNASA argumentou que essa pretensão de pagar estaria prescrita. Isso porque o
prazo prescricional é de 5 anos contados do trânsito em julgado.
Como
a sentença transitou em julgado em 01/06/2012, Pedro teria até 01/06/2017 para
executá-la.
Pedro
contra-argumentou alegando que, em 01/06/2013, quando ele ingressou com a
execução da obrigação de fazer, houve a interrupção da prescrição. Logo, o
prazo se reiniciou, de modo que ele teria até 2018 para cobrar os valores
atrasados.
A
tese de Pedro foi acolhida pelo STJ?
NÃO.
STJ. 1ª Turma. AgInt no AREsp
1.804.754-RN, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 15/03/2022 (Info 729).
A
Corte Especial do STJ decidiu que o prazo prescricional para a pretensão
executória é único e o ajuizamento de execução da obrigação de fazer não interrompe
o prazo para a propositura da execução que visa ao cumprimento da obrigação de
pagar:
(…) 21. Quando a
sentença coletiva transitada em julgado impõe obrigações de fazer (p. ex.
implantar no contracheque dos servidores determinado reajuste) e de pagar (p.
ex. efetuar o pagamento das parcelas pretéritas), surgem em tese, no mesmo
instante, duas pretensões executórias.
22. Se o titular do
direito reconhecido propõe apenas uma dessas Execuções, essa ação não vai
interferir no prazo prescricional da pretensão em relação à qual tenha ficado
inerte, por se tratar de pretensões autônomas.
23. Consoante a
jurisprudência do STJ, o ajuizamento de Execução coletiva de obrigação de
fazer, por si só, não repercute no prazo prescricional para Execução individual
de obrigação de pagar derivada do mesmo título (…)
24. Com o trânsito em
julgado da sentença coletiva – que, além de condenar à obrigação de fazer (in
casu, o implemento do reajuste nos contracheques dos servidores), impõe
obrigação de pagar quantia certa referente aos valores retroativos -, é
possível identificar a presença de interesse coletivo à Execução da obrigação
de fazer e de interesses individuais de cada um dos substituídos ao cumprimento
de ambas as obrigações.
(…)
26. A menos que a sentença
transitada em julgado condicione a Execução da obrigação de pagar ao
encerramento da Execução da obrigação de fazer (AgRg na ExeMS 7.219/DF, Rel.
Ministro Luiz Fux, Primeira Seção, DJe 3.8.2009), não se pode deixar de
reconhecer, desde então, a existência de pretensão ao processo de liquidação e
Execução (Ação de Cumprimento).
(…)
31. Com o trânsito em
julgado da condenação genérica, já existe a possibilidade de os beneficiários
pleitearem a liquidação da obrigação de pagar referente ao passivo devido,
independentemente do adimplemento da obrigação de fazer. A pendência de
liquidação ou a propositura de Execução da obrigação de fazer, como já dito
anteriormente, em nada interfere no prazo prescricional da Execução
subsequente.
(…)
38. Havendo execuções
de naturezas diversas, entretanto, a regra é de que ambas devem ser
autonomamente promovidas dentro do prazo prescricional. Excepciona-se apenas a
hipótese em que a própria decisão transitada em julgado, ou o juízo da
execução, dentro do prazo prescricional, reconhecer que a execução de um tipo
de obrigação dependa necessariamente da prévia execução de outra espécie de
obrigação.
(…)
42. Recurso Especial
provido, declarando-se prescrita a obrigação de pagar quantia certa.
STJ. Corte Especial. REsp
1340444/RS, Rel. Min. Humberto Martins, Rel. p/ Acórdão Min. Herman Benjamin,
julgado em 14/03/2019.
Esse
entendimento somente pode ser excepcionado nas hipóteses em que a própria
decisão transitada em julgado, ou o juízo da execução, dentro do prazo prescricional,
reconhecer que a execução de um tipo de obrigação dependa necessariamente da
prévia execução de outra espécie de obrigação, peculiaridade que não ocorreu no
caso em análise.
Essa
tese acerca da autonomia das pretensões executórias vem sendo adotada de forma
pacífica no âmbito da Primeira Seção do STJ.