Alerta de gatilho: tema sensível que envolve crime contra dignidade sexual, crianças e
adolescentes

 

Imagine
a seguinte situação hipotética:

O
réu tirou fotografias de duas meninas de 12 e 13 anos, em poses sensuais, com
enfoque principalmente em seus órgãos genitais.

Nas
imagens, as adolescentes usavam lingerie e biquíni, sendo que muitas fotos
enquadravam (davam close) única e
exclusivamente nas genitálias das garotas.

Durante
as investigações, a polícia encontrou outras imagens, no mesmo contexto,
envolvendo outras crianças e adolescentes menores de idade.

Diante disso, o
Ministério Público ofereceu denúncia contra o réu pela prática dos crimes
previstos nos arts. 240 e 241-B do ECA:

Art.
240. Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por
qualquer meio, cena de
sexo explícito ou pornográfica
, envolvendo criança ou adolescente:

Pena
– reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

 

Art.
241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou
outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou
adolescente:

 Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos,
e multa.

 

A
defesa sustentou que os fatos narrados não se amoldaram aos delitos acima
listados, considerando que as crianças e adolescentes não foram fotografadas em
cenas de sexo explícito ou em cenas pornográficas, conforme exigem os tipos
penais. Ao contrário, elas estavam vestidas. Segundo a defesa, eram apenas
fotografias artísticas.

 

A
questão chegou até o STJ. O que decidiu a Corte? As condutas narradas acima
configuram os crimes tipificados nos arts. 240 e 241-B do ECA?

SIM.

 

“Cena
de sexo explícito ou pornográfica”

O art. 241-E do ECA
define “cena de sexo explícito ou pornográfica”. Confira:

Art.
241-E. Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo
explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou
adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição
dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente
sexuais.

 

Pela
exclusiva leitura do art. 241-E do ECA, as condutas acima descritas não
poderiam ser enquadradas como “cena de sexo explícito ou pornográfica”. No
entanto, segundo o STJ, este dispositivo é uma norma penal explicativa, porém
não completa. Assim, a definição deste artigo não é exaustiva e o conceito de
pornografia infanto-juvenil pode abarcar hipóteses em que não haja a exibição
explícita do órgão sexual da criança e do adolescente.

Para se fazer a
correta interpretação do dispositivo é necessário se analisar o escopo da norma
(mens legis), devendo-se, para isso, lembrar o que diz o art. 6º do ECA:

Art.
6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se
dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e
coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em
desenvolvimento.

 

Ao
amparo desse firme alicerce exegético, chega-se à conclusão de que o art. 241-E
do ECA, ao explicitar o sentido da expressão “cena de sexo explícito ou
pornográfica” não o faz de forma integral e, por conseguinte, não restringe tal
conceito apenas àquelas imagens em que a genitália de crianças e adolescentes
esteja desnuda. Isso porque, considerando a proteção absoluta que a lei oferece
à criança e ao adolescente, a tipificação dos delitos nela preconizados deve
levar em conta todo o contexto fático que envolve a conduta praticada.

Assim,
é imprescindível verificar se, a despeito de as partes íntimas das vítimas não
serem visíveis nas cenas, estão presentes o fim sexual das imagens, poses
sensuais, bem como evidência de exploração sexual, obscenidade ou pornografia.
Se isso estiver presente, estará configurado o crime.

 

Há doutrinadores
que defendem esta posição do STJ. Confira:

“(…) o artigo 241-E traz uma norma penal
explicativa, que não incrimina condutas ou determina a sua impunidade, mas,
sim, procura aclarar o conteúdo dos tipos penais. No dispositivo em questão, o
legislador define o que se compreende pela expressão “cena de sexo
explícito ou pornográfica”: qualquer situação que envolva criança ou
adolescente em atividades sexuais explícitas (visíveis), reais ou simuladas, ou
exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins
primordialmente sexuais. A definição não é completa, pois não abarca todas as
situações de encenação que ensejam representação de pornografia infanto-juvenil,
necessitando de uma valoração cultural pelo intérprete, o que caracteriza os
novos tipos penais como abertos.” (CAMPANA, Eduardo Luiz Michelan. Estatuto da Criança e do Adolescente
Comentado
. 11ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 1099)

 

“A criança ou adolescente não precisa só
estar nua, mas pode estar, p. ex com as vestes íntimas. (…)” (ISHIDA, Válter
Kenji. Estatuto da Criança e do
Adolescente: doutrina e jurisprudência
. 16ª ed. São Paulo: Atlas, 2015, p.
622-623).

 

Outros,
contudo, sustentam entendimento em sentido contrário: NUCCI, Guilherme de
Souza. Estatuto da Criança e do
Adolescente Comentado
. 2ª ed., São Paulo: Forense, 2015, p. 755.

Portanto,
configuram os crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando fica clara a
finalidade sexual e libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo
agente, com enfoque nos órgãos genitais de adolescente – ainda que cobertos por
peças de roupas -, e de poses nitidamente sensuais, em que explorada sua
sexualidade com conotação obscena e pornográfica.

 

Em
suma:

 

O
STJ já havia decidido no mesmo sentido:

Fotografar cena e
armazenar fotografia de criança ou adolescente em poses nitidamente sensuais,
com enfoque em seus órgãos genitais, ainda que cobertos por peças de roupas, e
incontroversa finalidade sexual e libidinosa, adéquam, respectivamente, aos
tipos do art. 240 e 241-B do ECA.

Portanto, configuram os
crimes dos arts. 240 e 241-B do ECA quando fica clara a finalidade sexual e
libidinosa de fotografias produzidas e armazenadas pelo agente, com enfoque nos
órgãos genitais de adolescente — ainda que cobertos por peças de roupas —, e de
poses nitidamente sensuais, em que explorada sua sexualidade com conotação
obscena e pornográfica.

STJ. 6ª Turma. REsp 1543267-SC, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura,
julgado em 3/12/2015 (Info 577).

Artigo Original em Dizer o Direito

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