Imagine a seguinte situação hipotética:
Lucas e Carolina eram namorados.
Ela ficou grávida e deu à luz uma menina.
Ainda durante a gestação, Lucas e
Carolina combinaram que o nome da filha seria “Valentina”. Isso foi reafirmado logo
após o parto.
De posse da DNV (Declaração de
Nascido Vivo) emitida pela maternidade, Lucas foi até o cartório registrar a
filha. Ocorre que, contrariando aquilo que havia combinado com Carolina, Lucas acrescentou
um prenome e registrou a criança como sendo “Diane Valentina”.
Segundo alega Carolina, Lucas
teria feito isso como forma de “vingança”. Isso porque seria uma gravidez não desejada
por ele. Assim, ele teria colocado “Diane” por ser o nome de um
anticoncepcional, que seria utilizado regularmente pela mãe e que não teria
sido eficaz a ponto de evitar a concepção.
Resumindo o caso: os pais da
criança haviam ajustado um nome, mas o pai, no momento do registro, decidiu
alterar o combinado.
Logo depois do fato, o casal
rompeu o namoro.
Inconformada com a atitude de Lucas,
Carolina ajuizou ação de retificação de registro civil, por meio da qual pediu
a exclusão do prenome Diane da filha.
Esse pedido pode ser admitido?
SIM.
O nome é um relevante atributo da
personalidade, razão pela qual é necessário que se tenha sensibilidade para
compreender o impacto que a manutenção de um nome indesejado pode causar às
pessoas, especialmente às crianças.
Para os pais, a escolha do nome dos
filhos é um momento muito especial. É algo que normalmente começa a ser conversado
ainda durante o período da gravidez. Em geral, isso gera inúmeras reflexões,
incertezas e múltiplas opiniões até que se escolha, enfim, qual será o nome do
filho ou da filha.
A escolha do nome da criança, formalizada
em ato solene perante o registro civil consiste, portanto, na concretização de
muitos atos anteriormente praticados. Esses atos não ficam limitados à esfera íntima
dos pais, envolvendo também outras pessoas e atos concretos, como, por exemplo,
a confecção de enxovais, lembranças, decorações, além do recebimento de
presentes com o nome da criança.
Nas exatas palavras da Min. Nancy Andrighi:
“Dar nome à
prole é típico ato de exercício do poder familiar e, talvez, seja um dos que
melhor represente a ascendência dos pais em relação aos filhos, na medida em
que o nomeado, recém-nascido, pouco ou nada pode fazer para obstá-lo.”
Ato bilateral e consensual
Dar nome aos filhos é um ato:
· bilateral,
salvo na falta ou impedimento de um dos pais (art. 1.631, caput, do CC):
Art. 1.631. Durante o casamento e a
união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um
deles, o outro o exercerá com exclusividade.
· e consensual,
ressalvada a possibilidade de o juiz solucionar eventual desacordo existente
entre eles (art. 1.631, parágrafo único, do CC/2002). Logo, não é ato que
admita a autotutela:
Art. 1.631 (…)
Parágrafo único. Divergindo os pais
quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer
ao juiz para solução do desacordo.
Exercício abusivo do
direito de nomear a criança
Na hipótese, havia um consenso
prévio entre os genitores sobre o nome a ser dado à filha. Esse acordo foi unilateralmente
rompido pelo pai, que era a única pessoa legitimada a promover o registro civil
da criança diante da situação de parturiência da mãe.
Trata-se de ato que violou o
dever de lealdade familiar e o dever de boa-fé objetiva e que, por isso mesmo,
não deve merecer guarida do ordenamento jurídico, na medida em que a conduta do
pai configurou exercício abusivo do direito de nomear a criança.
É irrelevante analisar a
motivação do pai
Vale ressaltar que é irrelevante
apurar se houve, ou não, má-fé ou intuito de vingança do genitor.
A conduta do pai de descumprir o
que foi combinado é considerada um ato ilícito, independentemente da sua
intenção.
Em suma:
É admissível a exclusão de prenome
da criança na hipótese em que o pai informou, perante o cartório de registro
civil, nome diferente daquele que havia sido consensualmente escolhido pelos
genitores.
STJ.
3ª Turma. REsp 1.905.614-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/05/2021
(Info 695).
Houve, neste caso, exercício abusivo do direito de nomear o
filho, o que autoriza a modificação posterior do nome da criança, na forma do
art. 57, caput, da Lei nº 6.015/73:
Art. 57. A alteração posterior de
nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério
Público, será permitida por sentença do juiz a que estiver sujeito o registro,
arquivando-se o mandado e publicando-se a alteração pela imprensa, ressalvada a
hipótese do art. 110 desta Lei.