O que fazer se não existem vagas suficientes nos regimes semiaberto ou aberto para todos os detentos? Entenda a decisão do STF sobre o tema


Regimes de cumprimento de pena:

Pela Lei (Código Penal e Lei nº
7.210/84), existem três regimes de cumprimento de pena que seguem às seguintes
regras:

Fechado

Semiaberto

Aberto

A
pena é cumprida na Penitenciária.

Obs.: apesar de, na prática, isso ser desvirtuado, a
chamada Cadeia Pública destina-se apenas ao recolhimento de presos
provisórios (art. 102 da LEP), considerando que as pessoas presas
provisoriamente devem ficar separadas das que já tiverem sido definitivamente
condenadas (art. 300, CPP).

A
pena é cumprida em colônia agrícola, industrial ou
estabelecimento similar
(art. 33, § 1º, “b”, CP).

A pena é cumprida na Casa do
Albergado ou estabelecimento adequado
(art. 33, § 1º, “c”,
CP).

A
Casa do Albergado deverá estar localizada em centro urbano, separado dos
demais estabelecimentos prisionais, e caracteriza-se pela ausência de
obstáculos físicos contra a fuga. Isso porque o regime aberto baseia-se na
autodisciplina e senso de responsabilidade.

O
condenado fica sujeito a trabalho, dentro da própria Penitenciária, no
período diurno, e a isolamento durante o repouso noturno.

O
condenado fica sujeito a trabalho, dentro da colônia, durante o período
diurno.

Durante
o dia, o condenado trabalha, frequenta cursos ou realiza outras atividades
autorizadas, fora do estabelecimento e sem vigilância.

Durante
o período noturno e nos dias de folga, permanece recolhido na Casa do
Albergado.

Na prática, contudo, é muito
comum que não existam colônias agrícolas e industriais e casas de albergado,
unidades prisionais previstas na Lei como sendo as adequadas para o cumprimento
da pena nos regimes semiaberto e aberto.

O STF debateu este tema em sede
de repercussão geral e firmou três teses a respeito do assunto:

TESE 1: AUSÊNCIA DE VAGAS NA UNIDADE PRISIONAL
ADEQUADA E CUMPRIMENTO DA PENA NO REGIME MAIS GRAVOSO

Imagine agora a seguinte situação
hipotética:

João foi condenado à pena de 5
anos de reclusão, tendo o juiz fixado o regime semiaberto.
Ocorre que, no momento de cumprir
a pena, verificou-se que não havia no local estabelecimento destinado ao regime
semiaberto que atendesse todos os requisitos da LEP.
João poderá cumprir a pena no
regime fechado enquanto não há vagas no semiaberto?

NÃO.
A
falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado
em regime prisional mais gravoso
.
STF.
Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016
(repercussão geral) (Info 825).

No Brasil, adota-se o sistema
progressivo. Assim, de acordo com o CP e com a LEP, as penas privativas de
liberdade deverão ser executadas (cumpridas) em forma progressiva, com a
transferência do apenado de regime mais gravoso para menos gravoso tão logo ele
preencha os requisitos legais.
O STF destacou, no entanto, que
este sistema progressivo de cumprimento de penas não está funcionando na
prática. Isso porque há falta de vagas nos regimes semiaberto e aberto.
Desse modo, os presos dos
referidos regimes estão sendo mantidos nos mesmos estabelecimentos que os
presos em regime fechado e provisórios. Essa situação viola duas garantias
constitucionais da mais alta relevância:
·      
a individualização da pena (art. 5º, XLVI) e;
·      
a legalidade (art. 5º, XXXIX).
A manutenção do condenado em
regime mais gravoso do que é devido caracteriza-se como “excesso de
execução”, havendo, no caso, violação ao direito do apenado.
Vale ressaltar que não é possível
“relativizar” esse direito do condenado com base em argumentos
ligados à manutenção da segurança pública. A proteção à integridade da pessoa e
ao seu patrimônio contra agressões injustas está na raiz da própria ideia de
Estado Constitucional. A execução de penas corporais em nome da segurança
pública só se justifica se for feita com observância da estrita legalidade. Permitir
que o Estado execute a pena de forma excessiva é negar não só o princípio da
legalidade, mas a própria dignidade humana dos condenados (art. 1º, III, da
CF/88). Por mais grave que seja o crime, a condenação não retira a humanidade
da pessoa condenada. Ainda que privados de liberdade e dos direitos políticos,
os condenados não se tornam simples objetos de direito (art. 5º, XLIX, da CF/88).
TESE 2: CONCEITO DE “ESTABELECIMENTO
SIMILAR” E DE “ESTABELECIMENTO ADEQUADO”

O Código Penal, ao tratar sobre
os regimes semiaberto e aberto, prevê o seguinte:
Art. 33 (…)
§ 1º – Considera-se:
b) regime semiaberto a
execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento
similar
;
c) regime aberto a
execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento
adequado
.
Há importante discussão acerca do
que vêm a ser estabelecimento similar e estabelecimento adequado.
A Lei de Execuções Penais trata
do tema nos arts. 91 a 95, mas também não define em que consistem tais
estabelecimentos.
Na prática, existem pouquíssimas
colônias agrícolas e industriais no país. Dessa forma, alguns Estados mantêm os
presos do regime semiaberto em estabelecimentos similares, ou seja, unidades
prisionais diferentes do regime semiaberto, onde os presos possuem um pouco
mais de liberdade.
De igual forma, em muitos Estados
não existem casas de albergado e os detentos que estão no regime aberto ficam
em unidades diferentes dos demais presos.
Há discussão se essa prática é
válida ou não.
O STF decidiu que os magistrados
possuem competência para verificar, no caso concreto, se tais estabelecimentos
onde os presos do regime semiaberto e aberto ficam podem ser enquadrados como
“estabelecimento similar” ou “estabelecimento adequado”.
Assim, os presos do regime
semiaberto podem ficar em outra unidade prisional que não seja colônia agrícola
ou industrial, desde que se trate de estabelecimento similar (adequado às
características do semiaberto).
De igual forma, os presos do
regime aberto podem cumprir pena em outra unidade prisional que não seja casa
de albergado, desde que se trate de um estabelecimento adequado.
Veja como o STF resumiu este
entendimento em uma tese:
Os
juízes da execução penal podem avaliar os estabelecimentos destinados aos
regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São
aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola,
industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento
adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, “b” e “c”, do CP).

STF.
Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016
(repercussão geral) (Info 825).

TESE 3: DÉFICIT DE VAGAS NO ESTABELECIMENTO ADEQUADO E
MEDIDAS QUE DEVERÃO SER TOMADAS

O que fazer em caso de déficit de
vagas no estabelecimento adequado?

Havendo
“déficit” de vagas, deve ser determinada:

1)
a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;

2)
a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente
ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas;

3)
o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progrida
ao regime aberto.

STF.
Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016
(repercussão geral) (Info 825).
Objetivo das medidas acima é o de
que surjam novas vagas nos regimes semiaberto e aberto

As vagas nos regimes semiaberto e
aberto não são inexistentes, são insuficientes.
Assim, de um modo geral, a falta
de vagas decorre do fato de que já há um sentenciado ocupando o lugar.
Dessa forma, o STF determinou,
como alternativa para resolver o problema, antecipar a saída de sentenciados
que já estão no regime semiaberto ou aberto, abrindo vaga para aquele que acaba
de progredir.
Exemplo de como essas medidas fazem
surgir vaga no regime semiaberto:

João estava cumprindo pena no
regime fechado e progrediu para o regime semiaberto.
Ocorre que não há vagas na
unidade prisional destinada ao regime semiaberto.
João não poderá continuar
cumprindo pena no fechado porque haveria excesso de execução.
Nestes casos, o que acontecia
normalmente é que João seria colocado em prisão domiciliar. No entanto, o STF
afirmou que essa alternativa (prisão domiciliar) não deve ser a primeira opção
para o caso.
Diante disso, o STF entendeu que
o juiz das execuções penais deverá antecipar a saída de um detento que já estava
no regime semiaberto, fazendo com que surja a vaga para João.
Em nosso exemplo, Francisco, que
estava cumprindo pena no regime semiaberto, só teria direito de ir para o
regime aberto em 2018. No entanto, para dar lugar a João, Francisco receberá o
benefício da “saída antecipada” e ficará em liberdade eletronicamente
monitorada, ou seja, ficará livre para trabalhar e estudar, recolhendo-se em
casa nos dias de folgas, sendo sempre monitorado com tornozeleira eletrônica.
Com isso, surgirá mais uma vaga
no regime semiaberto e esta será ocupada por João.
E se a ausência de vaga for no
regime aberto? Ex: Pedro progrediu para o regime aberto, mas não há vagas, o
que fazer?

Neste caso, o Juiz deverá
conceder a um preso que está no regime aberto a possibilidade de cumprir o
restante da pena não mais no regime aberto (pena privativa de liberdade), mas
sim por meio de pena restritiva de direitos e/ou estudo.
Ex: Tiago, que estava no regime
aberto, só acabaria de cumprir sua pena em 2018. No entanto, para dar lugar a
Pedro, o Juiz oferece a ele a oportunidade de sair do regime aberto e cumprir penas
restritivas de direito e/ou estudo. Com isso, surgirá nova vaga no aberto.
Assim, se não há estabelecimentos
adequados ao regime aberto, a melhor alternativa não é a prisão domiciliar, mas
a substituição da pena privativa de liberdade que resta a cumprir por penas
restritivas de direito e/ou estudo.
Benefícios
devem ser concedidos aos detentos que estão mais próximos de progredir ou de
acabar a pena

Vale ressaltar que os apenados
que serão beneficiados com a saída antecipada ou com as penas alternativas
deverão ser escolhidos com base em critérios isonômicos.
Assim, tais benefícios deverão
ser deferidos aos sentenciados que satisfaçam os requisitos subjetivos (bom
comportamento) e que estejam mais próximos de satisfazer o requisito objetivo,
ou seja, aqueles que estão mais próximos de progredir ou de encerrar a pena.
Para isso, o STF determinou que o
CNJ faça um “Cadastro Nacional de Presos”, com as informações sobre a
execução penal de cada um deles. Isso permitirá verificar os apenados com
expectativa de progredir ou de encerrar a pena no menor tempo e, em consequência,
organizar a fila de saída com observação da igualdade.
Por que o STF afirma que a prisão
domiciliar não pode ser a primeira opção, devendo-se adotar as medidas acima
propostas?

Segundo o STF, a prisão
domiciliar apresenta vários inconvenientes, que irei aqui resumir:
1º) Para ter esse benefício, cabe
ao condenado providenciar uma casa, na qual vai ser acolhido. Nem sempre ele
tem meios para manter essa residência. Nem sempre tem uma família que o acolha.
2º) O recolhimento domiciliar
puro e simples, em tempo integral, gera dificuldades de caráter econômico e
social. O sentenciado passa a necessitar de terceiros para satisfazer todas as
suas necessidades – comida, vestuário, lazer. De certa forma, há uma
transferência da punição para a família, que terá que fazer todas as atividades
externas do sentenciado. Surge a necessidade de constante comunicação com os
órgãos de execução da pena, para controlar saídas indispensáveis – atendimento
médico, manutenção da casa etc.
3º) Existe uma dificuldade grande
de fiscalização se o apenado está realmente cumprindo a restrição imposta.
4º) A prisão domiciliar pura e
simples não garante a ressocialização porque é extremamente difícil para o
apenado conseguir um emprego no qual ele trabalhe apenas em casa.
RESUMO

Teses que foram firmadas pelo STF
em repercussão geral:
a)
A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do
condenado em regime prisional mais gravoso;

b)
Os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos
regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes.
São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola,
industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento
adequado” (regime aberto) (art. 33, §1º, alíneas “b” e “c”, do CP);

c)
Havendo déficit de vagas, deverá determinar-se:

(i)
a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas;

(ii)
a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente
ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas;

(iii)
o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que
progride ao regime aberto;

d)
Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser
deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.

STF.
Plenário. RE 641320/RS, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 11/5/2016
(repercussão geral) (Info 825).

MEDIDAS QUE O STF DETERMINOU AO CNJ

A fim de tentar minimizar os
problemas acima expostos e conseguir implementar as teses que foram definidas,
o STF determinou que o CNJ apresente:
A) em 180 dias, contados da
conclusão do julgamento:
• projeto de estruturação do
Cadastro Nacional de Presos, com etapas e prazos de implementação, devendo o banco
de dados conter informações suficientes para identificar os mais próximos da
progressão ou extinção da pena;

• relatório sobre a implantação
das centrais de monitoração e penas alternativas, acompanhado, se for o caso,
de projeto de medidas ulteriores para desenvolvimento dessas estruturas; e
B) em um ano, relatório com
projetos para:
• expansão do Programa Começar de
Novo e adoção de outras medidas buscando o incremento da oferta de estudo e de
trabalho aos condenados; e

• aumento do número de vagas nos
regimes semiaberto e aberto.
DECISÃO MANIPULATIVA

Decisão manipulativa
(manipuladora)

A decisão tomada pelo STF e acima
explicada pode ser classificada como uma “decisão manipulativa”.
Gilmar Mendes, citando a doutrina
italiana de Riccardo Guastini, afirma que decisão manipulativa é aquela
mediante a qual “o órgão de jurisdição constitucional modifica ou adita
normas submetidas a sua apreciação, a fim de que saiam do juízo constitucional
com incidência normativa ou conteúdo distinto do original, mas concordante com
a Constituição” (RE 641320/RS).
Decisão manipulativa, portanto,
como o nome indica, é aquela em que o Tribunal Constitucional manipula o
conteúdo do ordenamento jurídico, modificando ou aditando a lei a fim de que
ela se torne compatível com o texto constitucional.
Trata-se de instituto que surgiu
no direito italiano, sendo, atualmente, no entanto, adotada em outros Tribunais
constitucionais no mundo.
Espécies de decisões manipulativas:

As decisões manipulativas podem
ser divididas em:
1) Decisão manipulativa de
efeitos aditivos (SENTENÇA ADITIVA)
:
Verifica-se quando o Tribunal
declara inconstitucional certo dispositivo legal não pelo que expressa, mas
pelo que omite, alargando o texto da lei ou seu âmbito de incidência.
“A sentença aditiva pode ser
justificada, por exemplo, em razão da não observância do princípio da isonomia,
notadamente nas situações em que a lei concede certo benefício ou tratamento a
determinadas pessoas, mas exclui outras que se enquadrariam na mesma situação.
Nessas hipóteses, o Tribunal
Constitucional declara inconstitucional a norma na parte em que trata
desigualmente os iguais, sem qualquer razoabilidade e/ou nexo de causalidade.
Assim,
a decisão se mostra aditiva, já que a Corte, ao decidir, ‘cria uma norma
autônoma”, estendendo aos excluídos o benefício. ” (LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado.
São Paulo: Saraiva, 2014, p. 177).

Ex1: ADPF 54, Rel. Min. Marco
Aurélio, julgada em 12/4/2012, na qual o STF julgou inconstitucional a
criminalização dos abortos de fetos anencéfalos atuando de forma criativa ao
acrescentar mais uma excludente de punibilidade – no caso de o feto padecer de
anencefalia – ao crime de aborto. Ao decidir o mérito da ação, assentando a sua
procedência e dando interpretação conforme aos arts. 124 a 128 do Código Penal,
o STF proferiu uma típica decisão manipulativa com eficácia aditiva em matéria
penal.
Ex2: MI 670, Red. para o acórdão
Min. Gilmar Mendes, julgado em 25/10/2007, na qual o STF determinou a aplicação
aos servidores públicos da Lei nº 7.783/89, que dispõe sobre o exercício do
direito de greve na iniciativa privada, pelo que promoveu extensão aditiva do
âmbito de incidência da norma.
2) Decisão manipulativa de
efeitos substitutivos (SENTENÇA SUBSTITUTIVA)
:
Na decisão manipulativa substitutiva,
a Corte Constitucional declara a inconstitucionalidade de parte de uma lei (ou
outro ato normativo) e, além disso, substitui a regra inválida por outra,
criada pelo próprio Tribunal, a fim de que se torne consentânea com a
Constituição.
Há,
neste caso, uma forma de direito judicial, considerando que se trata de um
direito criado pelo Tribunal.

Ex: a MP 2183-56 alterou o Decreto-lei
nº 3.365/41 e estabeleceu que, no caso de imissão prévia na posse, na
desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, havendo
divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na
sentença, deverá incidir juros compensatórios de até 6% ao ano. Ao julgar ADI
contra esta MP, o STF afirmou que esse percentual de 6% era inconstitucional e determinou
que este percentual deveria ser de 12% ao ano (ADI 2332, Rel. Min. Moreira
Alves, julgado em 05/09/2001).

Artigo Original em Dizer o Direito

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