O STF não admite a “teoria da transcendência dos motivos determinantes”


A Constituição Federal, em seu art.
102, § 2º, estabelece os efeitos da decisão proferida pelo STF no controle abstrato
de constitucionalidade:
Art.
102 (…)
§ 2º As decisões definitivas de mérito, proferidas pelo
Supremo Tribunal Federal, nas ações diretas de inconstitucionalidade e nas
ações declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e efeito vinculante,
relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública
direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
Vamos esquematizar esses efeitos:
Quanto ao aspecto subjetivo
(quem
é atingido pela decisão?)
Eficácia contra todos (erga omnes)
Efeito vinculante
Quanto ao aspecto objetivo
(que
partes da decisão produzem eficácia erga omnes e efeito vinculante?)
1ª corrente: teoria restritiva
Somente o dispositivo da decisão
produz efeito vinculante.
Os motivos invocados na decisão (fundamentação)
não são vinculantes.
2ª corrente: teoria extensiva
Além do dispositivo, os motivos
determinantes (ratio decidendi) da
decisão também são vinculantes.
Admite-se a transcendência dos
motivos que embasaram a decisão.
Em suma, pela teoria da transcendência dos
motivos determinantes, a ratio decidendi,
ou seja, os fundamentos determinantes da decisão também teriam efeito
vinculante.
O STF adota a teoria da transcendência dos motivos
determinantes (teoria extensiva)?
NÃO
O STF já chegou a manifestar apreço
pela teoria da transcendência dos motivos determinantes na manifestação de
alguns Ministros, mas atualmente, a posição pacífica da Corte é no sentido de
que não pode ser acolhida.
Em julgado recente da Corte, noticiado
no Informativo 668, a 1ª Turma do STF reforça o entendimento de que não se
admite a teoria dos motivos determinantes (Rcl 11477 AgR/CE, rel. Min. Marco
Aurélio, 29.5.2012).
A
questão foi a seguinte:
“A”, Prefeito de uma cidade do interior
do Ceará, teve suas contas aprovadas pela Câmara Municipal, mas rejeitadas pelo
Tribunal de Contas.
O Tribunal de Contas tomou essa decisão
porque a Constituição do Estado do Ceará prevê que o Tribunal de Contas irá
julgar as contas dos prefeitos.
“A” afirma que a decisão do Tribunal de
Contas foi errada e que a Constituição do Ceará, nesse ponto, viola a CF/88,
considerando que, no caso dos chefes do Poder Executivo, o Tribunal de Contas apenas
emite parecer prévio, não devendo julgar as contas.
“A” defende que o STF já acolheu essa
tese, ou seja, a de que as contas dos Prefeitos não são julgadas pelo Tribunal
de Contas, mas sim pela Câmara Municipal. Cita como precedentes do STF as ADIs
3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT.
Desse modo, “A”, inconformado com a decisão
do Tribunal de Contas, ajuiza reclamação
no STF alegando que o entendimento do Supremo foi desrespeitado pelo Tribunal
de Contas.
Essa
reclamação do Prefeito pode ser julgada procedente?
NÃO.
Quando o STF julgou as ADIs 3715 MC/TO,
1779/PE e 849/MT, ele realmente decidiu que:
As contas dos chefes do Poder Executivo
são julgadas pelo Poder Legislativo (no caso dos Governadores, pelas
Assembleias e se for Prefeito, pelas Câmaras Municipais);
No caso das contas dos chefes do Poder
Executivo, o Tribunal de Contas apenas emite um parecer prévio, que poderá ser acolhido
ou não pelo Poder Legislativo.
No entanto, o STF mencionou essas duas
conclusões acima expostas apenas na fundamentação do julgado. O dispositivo
da decisão foi a declaração de inconstitucionalidade de normas das Constituições
do Estado de Tocantins (ADI 3715), de Pernambuco (ADI 1779) e de Mato Grosso
(ADI 849).
O dispositivo das ADIs
3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT possui eficácia vinculante e erma omnes?
SIM. Logo, a decisão do STF de que são
inconstitucionais esses artigos das Constituições do TO, PE e MT deve ser
respeitada por todos e, em caso de descumprimento, pode-se ajuizar reclamação no
STF.
A fundamentação utilizada pelo STF ao
julgar essas ADI’s 3715 MC/TO, 1779/PE e 849/MT possui eficácia vinculante e erma omnes?
NÃO. Porque o STF não adota a teoria da
transcendência dos motivos determinantes.
O Supremo acolhe a teoria restritiva,
de forma que somente o dispositivo da decisão produz efeito vinculante. Os
motivos invocados na decisão (fundamentação) não são vinculantes.
Assim, ainda que a Constituição do Ceará
tenha um artigo com redação idêntica ao da Constituição do Tocantins (que foi
declarado inconstitucional), não se poderá ajuizar reclamação diretamente no
STF caso o Tribunal de Contas aplique normalmente esse artigo da Carta cearense.
Teria que ser proposta uma nova ADI impugnando a Constituição cearense ou então
valer-se o interessado dos instrumentos processuais para a defesa do seu
direito e a declaração difusa de inconstitucionalidade.
RECLAMAÇÃO
A reclamação no STF é uma ação na
qual se alega que determinada decisão ou ato:
usurpou competência do STF; ou
desrespeitou decisão proferida
pelo STF.
No caso concreto, não houve desrespeito
à decisão do STF porque a posição do Tribunal de Contas foi contrária ao
entendimento do Supremo expresso na fundamentação de algumas ADI’s, mas não foi
violadora de nenhum dispositivo de decisão do Pretório Excelso.
O Min. Marco Aurélio (Relator)
afirmou que não se pode utilizar a reclamação, que é uma via excepcional (por
ser proposta diretamente no STF por qualquer interessado), como se fosse um
incidente de uniformização de jurisprudência.
OUTROS PRECEDENTES
O STF possui outros precedentes,
também atuais, negando aplicação à teoria da transcendência dos motivos
determinantes. Confira:
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL NA RECLAMAÇÃO
– CABIMENTO DA AÇÃO CONSTITUCIONAL – AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DE TEMAS ENTRE O
ATO RECLAMADO E O PARADIGMA DESTA CORTE – TRANSCENDÊNCIA DE MOTIVOS – TESE NÃO
ADOTADA PELA CORTE – AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.
1. É necessária a existência de
aderência estrita do objeto do ato reclamado ao conteúdo das decisões
paradigmáticas do STF para que seja admitido o manejo da reclamatória
constitucional.
2. Embora haja similitude quanto à
temática de fundo, o uso da reclamação, no caso dos autos, não se amolda ao
mecanismo da transcendência dos motivos determinantes, de modo que não se
promove a cassação de decisões eventualmente confrontantes com o entendimento
do STF por esta via processual. Precedente.
3. Agravo regimental não provido.
(Rcl 3294 AgR, Relator(a):  Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em
03/11/2011)
(…) Este Supremo Tribunal, por
ocasião do julgamento da Rcl 3.014/SP, Rel. Min. Ayres Britto, rejeitou a
aplicação da chamada “teoria da transcendência dos motivos determinantes”.
(Rcl 9778 AgR, Relator Min. Ricardo
Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 26/10/2011)

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a
ADI 2.868, examinou a validade constitucional da Lei piauiense 5.250/02.
Diploma legislativo que fixa, no âmbito da Fazenda estadual, o quantum da
obrigação de pequeno valor. Por se tratar, no caso, de lei do Município de
Indaiatuba/SP, o acolhimento do pedido da reclamação demandaria a atribuição de
efeitos irradiantes aos motivos determinantes da decisão tomada no controle
abstrato de normas. Tese rejeitada pela maioria do Tribunal. (…)
(Rcl 3014, Relator  Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, julgado em
10/03/2010)

Artigo Original em Dizer o Direito

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