Para que o crime do art. 89 da Lei de Licitação se consuma é necessário que tenha havido resultado danoso?



A Lei de Licitação
(Lei n.° 8.666/93) prevê alguns tipos penais.

Um dos crimes mais recorrentes na prática é a infração prevista no art. 89, cuja redação é a seguinte:

Art. 89. Dispensar
ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei, ou deixar de
observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade:
Pena –
detenção, de 3 (três) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo
único. Na mesma pena incorre aquele que, tendo comprovadamente concorrido para
a consumação da ilegalidade, beneficiou-se da dispensa ou inexigibilidade
ilegal, para celebrar contrato com o Poder Público.

Antes de responder a pergunta que abre este post, vejamos
algumas noções sobre este tipo penal:

Licitação dispensada, dispensável e inexigível:

Dispensada

Dispensável

Inexigível

Art. 17

Art. 24

Art. 25

Rol
taxativo

Rol
taxativo

Rol
exemplificativo

A lei determina a não realização da
licitação, obrigando a contratação direta.

A lei autoriza a não realização da
licitação. Mesmo sendo dispensável, a Administração pode decidir realizar a
licitação (discricionariedade).

Como a
licitação é uma disputa, é indispensável que haja pluralidade de objetos e
pluralidade de ofertantes para que ela possa ocorrer. Assim, a lei prevê
alguns casos em que a inexigibilidade se verifica porque há impossibilidade
jurídica de competição.

Ex:
alienação de bens imóveis provenientes de dação em pagamento.

Ex: compras
até R$ 8.000 mil.

Ex:
contratação de artista consagrado pela crítica especializada ou pela opinião
pública para fazer o show do
aniversário da cidade.


Norma penal em branco:

Como as hipóteses
de dispensa e inexigibilidade estão previstas na Lei n.° 8.666/93, este tipo penal é taxado como:

  • norma
    penal em branco (porque depende de complemento normativo);
  • imprópria,
    em sentido amplo ou homogênea (o complemento normativo emana do legislador);
  • do subtipo
    homovitelínea ou homológa (o complemento emana da mesma instância legislativa).

Tipo objetivo:

Este tipo
possui duas partes, punindo condutas distintas, a saber:

  • Dispensar
    ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei;
  • Deixar de
    observar as formalidades pertinentes à dispensa ou à inexigibilidade (as
    formalidades estão previstas especialmente no art. 26 da Lei),

Desse
modo, haverá o crime tanto na hipótese em que a licitação é dispensada mesmo
sem lei autorizando ou determinando a dispensa, como na situação em que a lei até autoriza ou determina, mas
o administrador não observa os requisitos formais para tanto.

Contudo, a grande questão deste dispositivo é a seguinte:

Exige-se
resultado danoso (dano ao erário) para que este crime se consuma?

SIM. Foi o que decidiu recentemente a Corte Especial do STJ na APn
480-MG, Rel. originária Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. para acórdão
Min. Cesar Asfor Rocha, julgada em 29/3/2012.

Vale
ressaltar que este julgado apenas reiterou a posição pacífica da Corte, senão
vejamos:

O entendimento dominante
no Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o crime do art. 89 da Lei
8.666, de 1993, somente é punível
quando produz resultado danoso ao erário
.

(Apn 214/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Corte
Especial, julgado em 07/05/2008)


 As
ações criminais, que envolvem o cometimento de crimes previstos na Lei de
Licitações, exigem, para a configuração do delito, a evidenciação do dolo específico
e do dano ao erário, para que
consubstanciem a justa causa para a condenação penal.

(APn 330/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Rel.
p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Corte Especial, julgado em 03/10/2007)


O tipo descrito do art. 89 da Lei de Licitação
tem por escopo proteger o patrimônio público e preservar o princípio da
moralidade, mas só é punível quando
produz resultado danoso
.

(Apn 261/PB, Rel. Min. Eliana Calmon, Corte
Especial, julgado em 02/03/2005)


Portanto, segundo o STJ, somente existirá o crime do
art. 89 da Lei n.° 8.666/93
se o Ministério Público conseguir provar que tenha havido resultado danoso
(dano ao erário) com a conduta do agente. Trata-se, portanto, de crime material (aquele que, para consumação, exige a ocorrência de resultado naturalístico).

Artigo Original em Dizer o Direito

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