Pode ser decretada a prisão civil do indivíduo que deixou de pagar a pensão alimentícia fixada em favor da vítima de ato ilícito por ele praticado?


 

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João cometeu homicídio culposo contra
Pedro e foi condenado a penas restritivas de direito.

No juízo cível, João foi
condenado a pagar pensão mensal de 3 salários mínimos aos filhos da vítima.

Depois de algum tempo pagando
regularmente as prestações, João tornou-se inadimplente.

Diante disso, os filhos de Pedro ingressaram com pedido de
execução de alimentos sob o rito do art. 528 do CPC/2015 pedindo a prisão civil
do devedor:

Art. 528. No cumprimento de sentença
que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória
que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o
executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez
ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

 

Será possível a decretação
da prisão civil do devedor, neste caso?

NÃO.

Não pode ser decretada a prisão civil do devedor de
alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito.

STJ. 4ª Turma. HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti,
julgado em 01/09/2020 (Info 681).

 

Classificação dos alimentos
quanto à origem

Os alimentos, de acordo com a
causa de sua origem, podem ser classificados em três espécies:

a) legítimos (devidos por força
de vínculo familiar estabelecido em lei);

b) voluntários/negociais
(derivados de negócio jurídico); ou

c) indenizatórios (em razão de
ato ilícito).

 

Obrigação alimentar
decorrente de ato ilícito é diferente da obrigação alimentar decorrente de
vínculo familiar

A obrigação de prover a
subsistência dos dependentes da vítima de ato ilícito possui natureza diversa
da obrigação alimentar de direito de família.

Os alimentos decorrentes de ato ilícito (letra “c”) são
considerados como indenização, conforme se verifica da leitura dos seguintes
artigos do Código Civil:

Art. 948. No caso de homicídio, a
indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I – no pagamento das despesas com o
tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II – na prestação de alimentos às
pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida
da vítima.

 

Art. 950. Se da ofensa resultar
defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se
lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do
tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão
correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se
preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez.

 

Art. 951. O disposto nos arts. 948,
949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no
exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia,
causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou
inabilitá-lo para o trabalho.

 

Na obrigação alimentar decorrente
de ato ilícito fala-se em “alimentos” apenas como uma referência, no entanto,
consiste realmente em uma indenização.

Ao comentar o art. 948, II, do Código Civil, acima
transcrito, Sérgio Cavalieri Filho explica:

“A alusão a
alimentos contida no inciso II do dispositivo em comento é simples ponto de
referência para o cálculo da indenização e para a determinação dos
beneficiários. Tem por finalidade orientar o julgador para o quantum da
indenização. Não se trata de prestação de alimentos, que fixa em proporção das
necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada, e sim de
indenização, que visa reparar, pecuniariamente, o mal originado do ato
ilícito.” (Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Atlas, 11ª
ed., p. 160-161)

 

OBRIGAÇÃO
ALIMENTAR

Decorrente de
vínculo familiar

Decorrente da
prática de ato ilícito

Os alimentos civis/naturais
devem necessariamente levar em consideração o binômio
necessidade-possibilidade para a sua fixação, estando sujeitos à reavaliação
para mais ou para menos, a depender das circunstâncias fáticas ocorridas na
vida dos sujeitos da relação jurídica.

Os “alimentos” indenizatórios
são arbitrados em quantia fixa, pois são medidos pela extensão do dano, de
forma a ensejar, na medida do possível, o retorno ao status quo ante.

Não possuem natureza indenizatória.

Possuem natureza indenizatória.

 

Com base nessa premissa, ou seja,
na distinção entre obrigação alimentar propriamente dita e obrigação de
ressarcimento de prejuízo decorrente de ato ilícito, o STJ afirma que somente
no primeiro caso (obrigação alimentar decorrente de direito de família) é
cabível a prisão civil do devedor de obrigação de prestar alimentos.

 

Prisão civil é medida
excepcional e taxativa

A prisão civil do devedor de alimentos é prevista no texto
constitucional, sendo considerada, no entanto, hipótese excepcional e taxativa:

Art. 5º (…)

LXVII – não haverá prisão civil por
dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de
obrigação alimentícia (…);

 

Qualquer outra previsão de prisão
civil ou mesmo uma interpretação ampliativa serão consideradas
inconstitucionais.

Assim, o alargamento das
hipóteses de prisão civil, para alcançar também prestação de alimentos de
caráter indenizatório acaba por enfraquecer a regra do art. 5º, LXVII, da
CF/88, sendo, por isso mesmo, inconstitucional.

 

Em suma:

Não pode ser decretada a prisão civil do devedor de
alimentos devidos em razão da prática de ato ilícito.

Os alimentos devidos em razão da prática de ato
ilícito possuem natureza indenizatória (arts. 948, 950 e 951 do Código Civil)
e, portanto, não se aplica o rito excepcional da prisão civil como meio
coercitivo para o adimplemento.

Exemplo: João cometeu homicídio contra Pedro e foi
condenado a pagar pensão mensal de 3 salários mínimos aos filhos da vítima.
Caso ele se torne inadimplente, o juiz não poderá decretar prisão civil como
meio coercitivo para o pagamento.

STJ. 4ª Turma. HC 523.357-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti,
julgado em 01/09/2020 (Info 681). 

Artigo Original em Dizer o Direito

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