Por maioria de votos, o Superior Tribunal Militar (STM) manteve a condenação de um sargento da Aeronáutica que fraudava as escalas de serviço em benefício próprio. A decisão confirmou a sentença expedida pela Auditoria Militar de Curitiba (PR), que havia condenado o militar a 10 meses de detenção pelo crime de prevaricação.
À época dos fatos, o réu era o responsável pela elaboração da escala de serviço de Sargentos da Base Aérea de Florianópolis (SC) e, valendo-se das suas atribuições, fraudou o SimS (Sistema de Administração de Pessoal), que gerava e controlava a escala de serviço, com o intuito de beneficiar-se em relação aos demais graduados.
Colegas de farda, concorrentes na escala, percebendo que tiravam mais serviço que o réu, consultaram o SimS e o Livro de Armeiro (no qual consta a identificação do militar que efetivamente recebeu armamento) e descobriram inconsistências no número de tarefas efetivamente realizadas pelo sargento.
Como exemplo de uma das manobras utilizadas pelo militar, ele lançou manualmente “lastros” no SimS, a fim de fraudar o controle dos serviços, para que o sistema não compensasse posteriormente o menor número de escalas tiradas pelo denunciado.
O lastro é o registro automático de um serviço de escala como se tivesse sido realizado. Por exemplo, um militar que esteja em gozo de licença para tratamento de saúde por seis meses não terá que compensar todos os serviços não realizados nesse período, pois o Sistema lhe atribui “lastros”.
Diante da discrepância entre a quantidade de serviços para os quais o réu estava requisitado, comparando-se com as escalas dos demais, foi instaurada uma Sindicância e um Inquérito Policial Militar (IPM) para apuração dos fatos. Ao fim da instrução processual, apurou-se que o militar realizou 16 lançamentos irregulares no sistema enquanto era o responsável pela Escala de Serviços dos Sargentos da Base Aérea.
Recurso ao STM
Após a condenação na primeira instância da Justiça Militar da União, a Defensoria Pública da União (DPU) ingressou com uma apelação no STM que pedia a absolvição do acusado por atipicidade da conduta – não constituir o fato infração penal – e a desclassificação da conduta para infração disciplinar. A defesa sustentava, também, que os registros eram feitos com autorização da chefia e pediu a aplicação do princípio da insignificância ao caso.
O relator do processo no STM, ministro Marco Antônio de Farias, afirmou que os argumentos trazidos pela defesa do réu eram frágeis e não conseguiram afastar a gravidade dos seus atos. Segundo ele, em juízo, o chefe do sargento negou ter conhecimento de todos os registros, sendo que os lançamentos deveriam se referir apenas a dias úteis e não a domingos e feriados, como fez o acusado.
Sobre os lastros, atribuídos pelo militar para si mesmo, o relator explicou que a finalidade era de fraudar o controle dos serviços. “Assim, o réu não só ‘selecionava’ os períodos que lhe eram convenientes estar de serviço, como lançava manualmente os ‘lastros’ para ‘enganar’ o SimS”, afirmou.
“A conduta revela-se absolutamente reprovável. A fraude perpetrada acarretou injusto prejuízo aos seus colegas de farda, além de ferir a confiança depositada em um militar da Aeronáutica. O réu atendeu aos seus interesses pessoais, sem comungar com a verdadeira vocação exigida aos profissionais das Armas, à qual o militar adere, oferecendo sua vontade e seu tempo ao cumprimento do dever, independentemente de estar no serviço ativo, na reserva ou reformado”, declarou o ministro.
“O comportamento do agente é semelhante ao de outros réus que foram condenados perante este Tribunal. A conduta não difere muito do militar que, incumbido de oficializar registros administrativos, dispõe do cargo ocupado para auferir vantagens. Portanto, a título de exemplo, sendo o responsável direto pela lisura desses atos, omite ocorrências negativas ou adiciona outras positivas nos seus próprios assentamentos (alterações), visando ao acréscimo de pontuação e, assim, galgar promoção ilegal; transcreve resultados do TAF (Teste de Aptidão Física) e do TAT (Teste de Aptidão de Tiro) para, falsamente, incrementar os seus índices profissionais; e lança diárias a mais para si mesmo, ocasionado o indevido aumento patrimonial.”
Voto do Revisor
O revisor do processo de apelação, ministro José Coêlho Ferreira, pediu a absolvição do réu. Lembrou, por exemplo, que a concessão de lastros era algo corriqueiro na Base, havendo registros de diversos casos para outros militares que serviam naquela Organização Militar, sem a devida observância às regras estabelecidas em regulamento. Além disso, o ministro defendeu que a punição por via administrativa seria a mais razoável, tendo em vista o histórico de bom comportamento do sargento e os prejuízos que uma punição criminal pode trazer.
“Dessa forma, diante da prova testemunhal e documental produzida ao longo da instrução processual, não é possível considerar que o fato imputado ao apelante seja considerado como crime, haja vista que a concessão de lastros trata-se de situação corriqueira no âmbito da BAFL, sendo atribuída, não somente ao acusado, mas também aos demais militares que servem naquela Organização Militar, seja por questões administrativas, seja por ordem de chefia”, explicou o revisor.
O ministro votou pela absolvição do militar por atipicidade de conduta, pois, segundo ele, para que o crime de prevaricação fosse consumado, “seria necessário apontar a legislação específica que teria sido contrariada em razão das condutas praticadas pelo acusado”.
“A meu ver, não seria possível considerar tais condutas como crime militar, diante da ausência de previsão legal à qual o acusado estaria obrigado a observar durante o exercício de suas funções na Seção de Escalas da BAFL, estando, portanto, ausente o elemento constitutivo do tipo penal”, concluiu.