O Projeto Victor, fruto de uma parceria entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e a Universidade de Brasília (UnB), é um importante marco no Judiciário brasileiro e referência no cenário internacional, por seu pioneirismo na aplicação de inteligência artificial para resolver ou mitigar os desafios pertinentes a uma maior eficiência e celeridade processuais. Tal iniciativa encorajou os demais Tribunais do país a buscarem na inovação e na tecnologia o auxílio necessário para apoiar a atividade jurisdicional.
Iniciado no final de 2017, na gestão da ministra Cármen Lúcia na presidência da Corte, o Victor foi idealizado para auxiliar o STF na análise dos recursos extraordinários recebidos de todo o país, especialmente quanto a sua classificação em temas de repercussão geral de maior incidência.
Desafios
A pesquisa e o desenvolvimento do Victor demonstrou seus primeiros resultados em laboratório ainda em 2018, com classificador de 27 temas de repercussão geral de maior incidência à época. Além dos desafios próprios de um projeto dessa magnitude, como a própria extração de base de dados para a pesquisa, que por si só levava meses para ser concluída, rapidamente constatou-se que, para entregar um classificador de temas, era necessário resolver também o problema subjacente quanto ao dado – o texto puro.
O STF recebe recursos em meio eletrônico de todos os Tribunais do país, além de processos que tramitaram nos juizados especiais, cuja íntegra se encontrava em “volumes” de arquivos no formato pdf, em percentual considerável não “ocerizados”, ou seja, documentos textuais em formato de imagem, sem camada de texto puro que viabilizasse a leitura por máquina.
De igual forma, tais arquivos continham as peças processuais (petição inicial, acórdão recorrido, petição de recurso extraordinário etc.) sem qualquer identificação ou indexação, isto é, sem que as peças estivessem nomeadas ou rotuladas (acórdão, petição de recurso extraordinário etc.), o que facilita sua localização no processo.
Para o adequado uso de Inteligência artificial aplicada em linguagem natural (texto), tornou-se objeto do Victor a execução de quatro atividades:
– conversão de imagens em textos no processo digital ou eletrônico;
– separação do começo e do fim de um documento (peça processual, decisão, etc);
-separação e classificação das peças processuais mais utilizadas nas atividades do STF e;
– a identificação dos temas de repercussão geral de maior incidência.
Camada de texto dos documentos
A solução de tecnologia que possibilita a pesquisa textual das peças do processo e sua leitura por máquina (ocerização) encontra-se efetivamente implementada desde o final de dezembro de 2020 para as classes recursais, recurso extraordinário e recurso extraordinário com agravo.
Desde então, portanto, todos os recursos recebidos diariamente no STF em meio eletrônico têm suas peças devidamente ocerizadas no mesmo dia, ou seja, eventual camada de imagem em seus pdfs é convertida automaticamente em texto. Até maio de 2021, este procedimento ocorreu em mais de 10 milhões de páginas.
Separação de peças
Essa solução, por sua vez, permite que o STF implemente as próximas automações decorrentes do Victor, o “spliter” de peças e o classificador. Com o primeiro, possibilita-se que a íntegra de processos recebida em volumes de pdfs seja dividida em tantas peças processuais quantas existam.
Na prática, o pdf com a íntegra é quebrado em vários pdfs, cada um para uma peça processual (petição inicial, procuração, sentença, acórdão, petição de recurso extraordinário etc.).
Em seguida, o classificador entra em ação para indexar ou identificar essas peças com um nome, o nome da peça, de acordo com a nomenclatura utilizada pelo STF.
No momento, o STF trabalha para implementar em produção o spliter e o classificador de peças, ainda sem data definida.
O Victor decide o recurso?
O Victor é uma inteligência artificial voltada para apoiar a atividade de análise de admissibilidade recursal, mediante sinalização de que um dado tema de repercussão geral, ou mais de um, se aplica ao caso dos autos. Trata-se, portanto, de um indicativo que sempre é validado ou confirmado durante a efetiva apreciação do caso concreto pelos ministros.
Atualmente, todos os recursos extraordinários e recursos extraordinários com agravo recebidos no STF são autuados e analisados pela Secretaria de Gestão de Precedentes e decididos pelo ministro presidente.
Decidindo-se pelo enquadramento em tema de repercussão geral, o processo é devolvido à instância de origem para sua apreciação. Em caso negativo, e igualmente não se verificando outras questões processuais, como a tempestividade e oportunidade de aplicação de súmulas, o presidente determina a distribuição dos recursos aos demais ministros da Corte.
Impacto social
Mesmo ainda não definitivamente em funcionamento, o Victor já causou um grande impacto social. Segundo Fabrício Ataides Braz, professor da UnB, o projeto beneficiou diretamente cerca de 40 bolsistas, entre mestrandos e doutorandos, que integraram a equipe do Victor. “O mercado é muito carente na área de inteligência artificial. Os profissionais que fizeram parte do projeto foram disputados”, diz.
O relevante impacto social também se mostra quanto ao aprendizado no contato com a infraestrutura e a área de Tecnologia de Informação do STF. “Essa troca de experiência rendeu um grande aprendizado, pois é um trabalho conduzido de forma muito profissional. O projeto também teve um grande impacto nas nossas pesquisas”, aponta, diante do tamanho do desafio proposto e do cenário adverso e repleto de incertezas.
Também professor da UnB, Nilton Correia da Silva reforça que todos os códigos usados no Victor são abertos, o que facilita a disseminação de conhecimento, e toda tecnologia e aprendizado são transferidos ao STF. Ele salienta ainda que, na inteligência artificial, é preciso ter saberes multidisciplinares. “Tivemos que entender a área científica do processo judicial”, destaca.
Homenagem
O nome do projeto é uma homenagem a Victor Nunes Leal (falecido), ministro do Supremo de 1960 a 1969, autor da obra “Coronelismo, Enxada e Voto” e principal responsável pela sistematização da jurisprudência do STF em súmula, o que facilitou a aplicação dos precedentes judiciais aos recursos.
A ideia é que o Victor seja aproveitado por outros órgãos, como os tribunais de segunda instância, e que seja ampliado para executar outras tarefas de auxílio ao trabalho dos ministros do STF, como a identificação de jurisprudência, por exemplo.
RP//SGPr
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30/8/2018 – Ministra Cármen Lúcia anuncia início de funcionamento do Projeto Victor, de inteligência artificial