STM declara indigno e tira posto e patente de major médico do Exército, condenado por abuso sexual


O Superior Tribunal Militar (STM) declarou um major médico do Exército indigno do oficialato e determinou, nesta terça-feira (29), a perda de seu posto e de sua patente. O militar foi condenado no próprio STM, a um ano de prisão, por abuso sexual. Ele era médico urologista e abusou de uma paciente durante uma consulta médica em Campo Grande (MS). O oficial perdeu também o direito de receber seus salários.

A Corte Militar apreciou o processo, oriundo do Conselho de Justificação (CJ) nomeado pelo Comandante do Exército, em razão de prática de atos atribuídos ao major médico da Força, integrante do Hospital Militar de Área de Campo Grande (HMilACG), por ele ter tomado uma série de procedimentos incorretos durante a consulta médica.

De acordo com a Lei 5.836/72, o “Conselho de Justificação é destinado a julgar, através de processo especial, a incapacidade do oficial das Forças Armadas – militar de carreira – para permanecer na ativa, criando-lhe, ao mesmo tempo, condições para se justificar”.

O major foi condenado, em 2011, no Superior Tribunal Militar, a um ano de prisão pelo crime previsto no artigo 235 do Código Penal Militar – ato libidinoso.

A sentença transitou em jugado, mesmo após a tramitação de sucessivos recursos, inclusive perante o Supremo Tribunal Federal (STF) e, por isso, o Comandante do Exército abriu o Conselho de Justificação a fim de declará-lo indigno para o oficialato.

A denúncia do Ministério Público Militar (MPM) informou que ele tocou e abusou da vítima durante o procedimento médico e cometeu o crime previsto do artigo 235. O major atendeu a paciente com problemas renais que o procurou para entregar o resultado de exames solicitados por outro urologista.

Ela afirmou que o médico, após pedir-lhe para levantar o vestido para um exame, a tocou sem luvas. Relatou também que ele estava ofegante e apresentava sinais de excitação. Na denúncia, o MPM informava ainda que o médico possuía um histórico de conduta antiética e que investigações revelaram que o militar já se envolvera em pelo menos seis casos de abuso sexual. Alguns deles ocorreram quando o oficial era o responsável pelos exames médicos para a utilização de piscina do Clube de Subtenentes e Sargentos de Lorena (SP).

Antes de ser julgado na Justiça Militar, o médico foi submetido à Comissão de Ética Médica Especial do Hospital, quando o colegiado concluiu que ele, ao não se utilizar, no atendimento à vítima, dos meios recomendados pelo Código de Ética Médica e a boa prática de suas funções de urologista, sujeitou-se não só às acusações, como também expôs negativamente e de forma desnecessária, além de sua própria pessoa, o Corpo Clínico e o Hospital de Campo Grande.

Ainda de acordo com a Comissão de Ética Médica, o militar fez o atendimento sem solicitar a presença de acompanhante da própria paciente ou de atendente do ambulatório, contrariando a recomendação Código de Ética Médica e também não utilizou lençol para cobrir a genitália da paciente antes e após o exame físico especializado. Além disso, não utilizou luvas para realizar o exame físico, procedimento altamente recomendável.

No STM, que tem a competência originária para apreciar os processos de Conselho de Justificação, a defesa do major médico suscitou seis preliminares de defesa, entre elas a incompetência do STM para apreciar o Conselho de Justificação, aduzindo a inconstitucionalidade e a não receptividade da Lei nº 5.836, de 1972, pela Constituição Federal; nulidade do feito, em face da revogação tácita da Lei nº 5.836, de 1972, pela Lei nº 9.784, de 1999, cujo desfecho conduz à ilegalidade da instauração e da condução do CJ e nulidade do feito, por violação ao Princípio da Ampla Defesa. Nenhumas delas foi aceita pelo ministro relator, Marco Antônio de Farias.

Profundo constrangimento

Ao apreciar o mérito do processo, o relator julgou procedente o libelo acusatório apresentado contra o major médico.

Para o ministro, os médicos militares prestam atendimento a toda a família militar e deles é esperada efetiva e dedicada atenção, com vistas à prestação de cuidados aos pacientes que necessitam de auxílio imprescindível à restauração da saúde.

“Nessa toada, sobre esses profissionais é depositado elevado grau de confiança, sentimento imbricado com a esperança de receber o tratamento adequado para a cura de enfermidades e a consequente promoção de qualidade de vida aos integrantes da família militar”, disse.

Todavia, continuou o relator, com relação ao justificante, houve verdadeiro desvio de conduta no episódio comentado.

“Com efeito, aproveitou-se da falta de malícia da ofendida, em evidente momento de fragilidade, para, de forma sub-reptícia, camuflada em procedimento regular, supostamente recomendado em face de prováveis sintomas, empreender exame físico de âmbito urológico e ginecológico em descompasso com os parâmetros recomendados para a boa prática da medicina. Todavia, o infeliz atendimento em contexto incorreu em patente afronta à ofendida, malferindo a sua dignidade, conquanto teve a sua intimidade e o seu recato literalmente violados, restando vítima de prática de atos libidinosos desautorizados, sendo exposta a profundo constrangimento”.

Ainda de acordo com o ministro, o major médico, que teve o seu registro profissional no CRM/MS cassado, estava plenamente cônscio da prática ilícita perpetrada. Sua intenção afastou-se do âmbito dos devidos fins terapêuticos e adentrou a esfera do ultraje ao ser humano, com nítida tendência libidinosa.

“Descuidou-se da utilização de freios morais, do emprego do pundonor e do respeito à dignidade pessoal da ofendida, os quais, se empregados, não levariam ao trágico desfecho evidenciado. Inquestionavelmente, o episódio em tela, de franca violação ao pundonor militar e à honra da classe, atingiu o prestígio do Corpo Clínico do HGeCG, causou constrangimento à Administração daquela Organização Militar e, sobretudo, criou situação desconfortável ao Exército”.

O ministro finalizou o voto dizendo que o justificante devia ser julgado culpado da conduta irregular, pois procedera incorretamente no desempenho de suas funções de oficial médico, malferindo a honra, o pundonor militar e o decoro da classe. “Por isso, evidencia-se a sua indignidade para com o oficialato”. Por unanimidade, os demais ministros do STM seguiram o voto do relator e declararam indigno o major, com a consequente perda do posto e de sua patente.

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