O Superior Tribunal Militar (STM) negou habeas corpus a um capitão-de-mar-e-guerra, da Marinha do Brasil, que suscitou trancamento de uma ação penal a que responde na Justiça Militar da União, pelo crime de peculato culposo.

O posto ocupado pelo militar na Marinha é equivalente ao de coronel, no Exército.

Segundo a denúncia do Ministério Público Militar, atribui-se ao oficial a responsabilidade direta com o desaparecimento de bens públicos – um aparelho de laser cirúrgico e óculos de proteção – da Policlínica Naval Nossa Senhora da Glória, na cidade do Rio de Janeiro (RJ).

Consta nos autos que em 5 de novembro de 2012, a Marinha do Brasil emitiu as notas de empenho no valor de R$ 20.231.05 e R$ 3.167,95, em favor de uma empresa, com sede no estado do Rio de Janeiro, relativas à aquisição de um aparelho de laser cirúrgico de infravermelho de alta potência e óculos de proteção.

O material foi recebido em dezembro de 2012 pelo denunciado e incluído em carga da Policlínica.

Ocorre que, segundo o relato das testemunhas ouvidas no Inquérito Policial Militar, o equipamento, cuja guarda ficou sob a responsabilidade da Divisão de Cirurgia Bucomaxiofacial (CBMF) e cujos únicos profissionais habilitados a utilizar eram o primeiro denunciado e um outro oficial, uma capitã-de-corveta.

Porém, dizem os promotores, a aquisição jamais teve uso, tendo permanecido, por tempo indeterminado, dentro de uma maleta com senha que ficava no chão do consultório, porque não cabia em nenhum armário disponível. O consultório constumava ser fechado ao final do expediente.

Em 27 de agosto de 2013, a capitã-de-corveta, também denunciada, havia solicitado a transferência entre incumbências do equipamento da CBMF para a Unidade de Procedimentos Ambulatoriais (UPA), mas o material não foi encontrado e teria desaparecido em data indeterminada.

De acordo com os autos, as investigações policiais militares não foram capazes de identificar o autor do furto do equipamento. Além disso, os denunciados fizeram acusações mútuas.

“Não obstante a responsabilidade direta dos denunciados com o bem público, ambos se recusaram a ressarcir o prejuízo ao erário, apresentando os termos de recusa”, escreveu o promotor de justiça.

Assim, o MPM acusou os dois oficiais do crime de peculato, na forma culposa, porque, de forma livre e consciente, teriam negligenciado os cuidados de guarda e proteção aos bens públicos, aos quais estariam obrigados em razão do cargo que ocupavam na Policlínica, dando causa à subtração do material.

Recurso

Inconformada com a denúncia e a abertura da ação penal na 2ª Auditoria do Rio de Janeiro, a defesa do capitão-de-mar-e-guerra impetrou pedido de habeas corpus junto ao Superior Tribunal Militar na intenção de trancar a ação penal.

O advogado de defesa do militar alegou inépcia e falta de justa causa da denúncia, por ausência de indícios concretos de autoria e por não ter havido crime na conduta dele, em face da inexistência de relação funcional entre o acusado e a res furtiva, e muito menos de relação de causa e efeito entre a inexistente conduta negligente do paciente e a prática delitiva de terceiro.

A defesa argumentou também que os fatos apresentados na peça acusatória estão baseados em alguns testemunhos direcionados e inconsistentes, que não encontram respaldo mínimo no conteúdo da norma de gestão de material vigente na Marinha do Brasil e nem na ordem interna sobre gestão de material, afastando, assim, a existência de vínculo subjetivo entre o militar e o fato descrito como crime, o que afasta a alegação de responsabilidade penal objetiva.

Apreciação do habeas corpus

Ao analisar o pedido de habeas corpus, o ministro Lúcio Mário de Barros Góes, denegou a ordem.

Segundo o relator, o pedido de trancamento da ação penal, por falta de justa causa, pacificado na doutrina e na jurisprudência, tem o entendimento de que sua ocorrência está na constatação, de imediato, sem maiores indagações, do não envolvimento do acusado no fato descrito como crime, independentemente da apreciação de provas produzidas na fase da instrução criminal.

“Nesse sentido, tem-se pronunciado a Suprema Corte, consolidando o entendimento de que, em sede de habeas corpus, só é possível trancar a ação penal em situações especiais, quando se constata, de plano, a narrativa de fato penalmente atípico ou a inexistência de qualquer elemento indiciário demonstrativo de autoria, de modo a ser dispensada a instrução criminal”.

Ainda de acordo com o ministro, o trancamento da ação penal em sede de habeas corpus é medida excepcional, somente se justificando, pois, nas hipóteses em que a prova pré-constituída e as informações coletadas junto à autoridade coatora denotem, sem sombra de dúvida e à exaustão, a atipicidade da conduta atribuída ao acusado ou a total ausência de indícios de quem tenha sido o autor do fato, em tese, delituoso, ou, ainda, a existência de causa de extinção da punibilidade ou de imunidade absoluta.

“Não há dúvida de que os fatos descritos na denúncia constituem, em tese, a prática de crime militar, sendo inquestionável que a Exordial Acusatória possui todos os requisitos exigidos pelo art. 77 do CPPM. É bem verdade que, após a instrução criminal, é possível que o Conselho Especial de Justiça para a Marinha conclua que as provas produzidas não sejam suficientes para a condenação. De qualquer modo, tudo está a exigir a conveniente apuração por intermédio de regular contraditório, de sorte que, neste momento, não há elementos para aferir a existência ou não de justa causa para a ação penal.”

O relator afirmou também que a concessão da Ordem significaria um julgamento antecipado da lide, subtraindo do primeiro grau de jurisdição o conhecimento da demanda, regularmente instaurada.

Os demais ministros do STM acataram o voto do relator e, por unanimidade, negaram o trancamento da ação penal.

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