O servidor federal inativo faz jus à conversão em pecúnia de licença-prêmio por ele não fruída durante sua atividade funcional?


 

O que é a chamada
“licença-prêmio”?

Licença-prêmio é um benefício
segundo o qual o servidor público, após 5 anos de exercício da função, tem
direito a 3 meses de licença remunerada.

Ex: João é servidor público e a
lei que rege a sua carreira prevê a existência da licença-prêmio. João entrou em
exercício em 2010. Em 2015, ele adquiriu o direito à licença-prêmio. Isso
significa que ele poderá ficar 3 meses sem trabalhar, recebendo normalmente sua
remuneração. Em 2020, ele irá novamente adquirir o direito de gozar mais um
período de licença-prêmio. Em 2025 mais outro e assim por diante.

Os servidores públicos federais
tiveram direito à licença-prêmio até 1997 quando foi, então, editada a Lei nº
9.527/97, que alterou a redação do art. 87 da Lei nº 8.112/90, acabando com
esse benefício.

No lugar da licença-prêmio por assiduidade, foi instituída a
licença-capacitação:

Lei 8.112/90

Redação originária

Redação dada pela
Lei 9.527/97

Art. 87. Após cada quinquênio
ininterrupto de exercício, o servidor fará jus a 3 (três) meses de licença, a
título de prêmio por assiduidade, com a remuneração do cargo efetivo.

Art. 87. Após cada quinquênio
de efetivo exercício, o servidor poderá, no interesse da Administração,
afastar-se do exercício do cargo efetivo, com a respectiva remuneração, por
até três meses, para participar de curso de capacitação profissional.

Na licença-prêmio o servidor
ficava sem exercer suas atribuições durante 3 meses, sem a obrigação de fazer
qualquer curso ou trabalho.

Na licença para capacitação o
servidor fica sem exercer suas atribuições durante 3 meses, mas com a
obrigação de participar de um curso de capacitação profissional.

 

Vale ressaltar, no entanto, que essa mesma Lei nº 9.527/97,
no seu art. 7º, buscou resguardar o direito dos servidores que adquiram a
licença-prêmio antes da mudança. Confira:

Art. 7º Os períodos de
licença-prêmio, adquiridos na forma da Lei nº 8.112, de 1990, até 15 de outubro
de 1996, poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de
aposentadoria ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do servidor,
observada a legislação em vigor até 15 de outubro de 1996.

 

Imagine agora a seguinte situação
hipotética:

João foi servidor público federal durante muitos anos,
tendo se aposentado em 2017.

Durante o tempo em que foi servidor público federal, João
adquiriu dois períodos de licença especial. Isso significa que João poderia ter
gozado de 6 meses de licença-prêmio. Ele não gozou.

João poderia também ter aproveitado esse período de
licença-prêmio em dobro para fins de aposentadoria. Ocorre que ele não
aproveitou.

Diante disso, em 2018, já depois de aposentado, ele
ajuizou ação contra a União pedindo para converter a licença-prêmio não gozada
em pecúnia (dinheiro). Em outras palavras, ele pediu para o valor equivalente a
6 meses de salário já que não gozou desse tempo durante o exercício da função.

O pedido do autor foi baseado justamente
no art. 7º da Lei nº 9.527/97.

 

O pedido de João pode ser acolhido?

SIM.

Vamos ler mais uma vez o que diz o art. 7º da Lei nº 9.527/97:

Art. 7º Os períodos de
licença-prêmio, adquiridos na forma da Lei nº 8.112, de 1990, até 15 de outubro
de 1996, poderão ser usufruídos ou contados em dobro para efeito de
aposentadoria ou convertidos em pecúnia no caso de falecimento do servidor, observada a legislação em vigor
até 15 de outubro de 1996.

 

O STJ afirma que, apesar de o dispositivo falar apenas em
“falecimento do servidor”, deve-se interpretar que também é possível que o
servidor aposentado, que não gozou da licença-prêmio, postule em juízo
indenização pecuniária por conta dos períodos não usufruídos.

Essa conclusão do STJ tem por objetivo evitar o
enriquecimento sem causa da Administração Pública. Isso porque o servidor teria
trabalho, adquirido o direito, mas não tido oportunidade de gozar, fazendo com
que a Administração se beneficie disso.

Não seria lógico nem razoável que o servidor que não
conseguiu gozar a licença-prêmio perdesse esse direito em caso de aposentadoria
e esse mesmo direito fosse reconhecido aos seus herdeiros em caso de morte do
servidor.

Vale
ressaltar, ainda, que o STF, no julgamento do ARE 721.001/RJ (Tema 635), decidiu
que “é devida a conversão de férias não gozadas bem como de outros direitos de
natureza remuneratória em indenização pecuniária por aqueles que não mais podem
delas usufruir, seja por conta do rompimento do vínculo com a Administração,
seja pela inatividade, em virtude da vedação ao enriquecimento sem causa da
Administração”.

 

A União apresentou
contestação alegando que João somente teria direito à indenização se
comprovasse que deixou de gozar da licença-prêmio por necessidade do serviço.
Essa comprovação é, de fato, necessária?

NÃO.

A conversão em pecúnia da
licença-prêmio não gozada NÃO está condicionada à comprovação, pelo servidor,
de que a não fruição do aludido direito decorreu do interesse da Administração
Pública.

Em outras palavras, é
desnecessária a comprovação de que a licença-prêmio não foi gozada por
necessidade do serviço. Não é necessária essa comprovação porque o simples fato
de o servidor não ter sido afastado para gozar da licença já é uma presunção de
que seu trabalho era necessário para a Administração Pública.

O não afastamento do servidor,
abrindo mão daquele direito pessoal, gera presunção quanto à necessidade da
atividade laboral.

Assim, o servidor não precisa
comprovar que requereu administrativamente o gozo da licença-prêmio e que esta
lhe foi negada.

Diante desse contexto, entende-se
que não é necessário se perquirir acerca do motivo que levou o servidor a não
usufruir do benefício do afastamento remunerado, tampouco sobre as razões pelas
quais a Administração deixou de promover a respectiva contagem especial para
fins de inatividade, porque, numa ou noutra situação, não se discute ter havido
a prestação laboral ensejadora do recebimento da aludida vantagem.

A Administração Pública deveria
ter um controle dos servidores que possuem direito à licença-prêmio
notificando-os para gozar do benefício antes de se aposentarem. Se a
Administração não fez isso, o servidor não pode ser prejudicado.

Por fim, vale ressaltar que não
há previsão legal de prazo para o exercício do direito em questão.

 

Qual é o fundamento para o
pagamento da indenização ao servidor?

A conversão em pecúnia da
licença-prêmio não gozada está fundada na responsabilidade objetiva do Estado,
nos termos do art. 37, § 6º, da CF/88, bem como no princípio que veda o
enriquecimento sem causa da Administração.

Como esse pagamento tem caráter
indenizatório, ele não é fato gerador de imposto de renda:

Súmula 136-STJ: O pagamento de licença-prêmio não gozada por
necessidade do serviço não está sujeito ao Imposto de Renda.

 

Em suma:

Presente a redação original do art. 87, § 2º, da Lei
nº 8.112/90, bem como a dicção do art. 7º da Lei nº 9.527/97, o servidor
federal inativo, sob pena de enriquecimento ilícito da Administração e
independentemente de prévio requerimento administrativo, faz jus à conversão em
pecúnia de licença-prêmio por ele não fruída durante sua atividade funcional,
nem contada em dobro para a aposentadoria, revelando-se prescindível, a tal
desiderato, a comprovação de que a licença-prêmio não foi gozada por
necessidade do serviço.

STJ. 1ª Seção.
REsp 1.854.662-CE, Rel. Min. Sérgio Kukina, julgado em 22/06/2022 (Recurso
Repetitivo – Tema 1086) (Info 742).

Artigo Original em Dizer o Direito

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