O Supremo Tribunal Federal (STF) realizou nesta terça-feira (25) a audiência pública que debateu as políticas ambientais do Estado de São Paulo. O evento foi convocado pelo ministro Flávio Dino, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1201, na qual o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) aponta supostas falhas e omissões do poder público na proteção do meio ambiente no território estadual.
Realizada na sala de sessões da Primeira Turma, a audiência ouviu representantes do PSOL, da União, do Estado de São Paulo, de órgãos e entidades públicas, além de pesquisadores e especialistas. O objetivo das exposições foi trazer à Corte argumentos técnicos de diferentes áreas relacionadas à controvérsia, a fim de subsidiar o STF no julgamento do processo.
No encerramento, o ministro Flávio Dino destacou a importância da audiência pública e lembrou que o STF já avançou em questões ambientais, citando como exemplo a autorização para a abertura de crédito extraordinário destinado a fortalecer as ações dos órgãos federais no combate aos incêndios florestais. Ele ressaltou que, no caso em análise, a decisão da Corte envolverá a situação do Estado de São Paulo, que possui grande influência econômica e política.
Ele disse ainda que as contribuições dos expositores serão incluídas nos autos e, em seguida, encaminhadas ao Ministério Público Federal (MPF) para manifestação. Por fim, anunciou que pretende pedir que o caso entre na pauta de julgamentos do Plenário, em sessão presencial, na gestão do ministro Edson Fachin na Presidência da Corte.
Leia o resumo das exposições
Luciene Cavalcante, deputada federal (PSOL-SP)
Em nome do PSOL, a deputada disse que o estado de calamidade ambiental registrado em São Paulo em 2024, marcado por recorde de queimadas, é resultado do desmonte da gestão ambiental, com a fragilização de estruturas de fiscalização e monitoramento. Ela criticou a abertura de áreas preservadas para atividades privadas e a disparidade de recursos entre a proteção ambiental e os investimentos em malha rodoviária. A parlamentar pediu que o STF reconheça a insuficiência da política ambiental do estado, determine o restabelecimento de institutos e órgãos extintos e suspenda obras rodoviárias que avancem sobre áreas de preservação.
Juliano Medeiros, professor e ex-presidente do PSOL
Ele lembrou que, há um ano, São Paulo enfrentava a pior crise ambiental de sua história, com 3.612 focos de incêndio, dos quais 85% atingiram áreas de mata nativa. Segundo ele, a fumaça das queimadas fez com que a capital paulista fosse considerada a cidade mais poluída do mundo entre 120 grandes metrópoles. Medeiros também criticou a redução do orçamento destinado ao combate aos incêndios, que segundo ele, passou de R$ 3,3 milhões em 2024 para R$ 2,3 milhões em 2025.
Isadora Cartaxo, secretária-geral de Contencioso da Advocacia-Geral da União (AGU)
A advogada da União apresentou as ações do governo federal para fortalecer a governança ambiental, destacando a retomada dos planos de prevenção e controle do desmatamento em todos os biomas nacionais. Em resposta à crise climática de 2024, mencionou a criação da Sala de Situação, coordenada pela Casa Civil, para articular ações de prevenção, combate e responsabilização das queimadas ilegais, a promulgação da Lei federal 15.143/2025, que agiliza e fortalece a resposta a incêndios florestais, a liberação de R$ 651 milhões em crédito extraordinário para combate e assistência humanitária, e a ampliação do orçamento ambiental para 2025.
Christian Niel Berllinck, coordenador-geral de Políticas para o Manejo Integral do Fogo do Ministério do Meio Ambiente (MMA)
O represente da pasta ressaltou a importância da responsabilidade compartilhada entre gestores das esferas federal, estadual e municipal, além da sociedade civil. Segundo ele, essa cooperação fortalece a construção de um sistema nacional de prevenção e combate a incêndios mais integrado, com ações distribuídas pelo território, contribuindo para comunidades mais preparadas e resilientes.
Rodrigo Agostinho, presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama)
O gestor da autarquia federal apresentou um diagnóstico sobre a situação dos incêndios em São Paulo no ano passado e explicou que 81% das queimadas ocorreram em áreas privadas. Ele destacou ainda que o Ibama prioriza o atendimento às unidades de conservação, que, em São Paulo, abrangem cerca de 70 mil hectares e são atendidas pela autarquia com o apoio de quatro brigadas, mais de dois mil brigadistas e 11 helicópteros.
Natália Resende Ávila, secretária de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística do Estado de SP
A gestora afirmou que o estado tem fortalecido sua política ambiental, incluindo ações voltadas à prevenção e ao combate a desastres ambientais, como a Operação Corta Fogo. Ela destacou o fortalecimento da estrutura administrativa e do corpo técnico por meio da valorização dos servidores, realização de concursos públicos e reestruturação de carreiras. Ela disse ainda que São Paulo adota uma estratégia climática robusta, estruturada nos eixos de mitigação e adaptação, com aumento de investimentos em tecnologia de monitoramento, transparência institucional e pesquisa científica.
Coronel Henguel Ricardo Pereira, secretário-chefe da Casa Militar e coordenador estadual de Proteção e Defesa Civil
Em sua fala, o secretário ressaltou a capacidade do estado no combate a incêndios. Segundo ele, São Paulo conta atualmente com 29 helicópteros, e os investimentos na área têm crescido nos últimos anos: em 2023, foram destinados R$ 17 milhões; em 2024, o valor subiu para R$ 29 milhões; e, neste ano, já alcança R$ 36 milhões. Ele disse ainda que acompanha o setor há três gestões e que nunca houve tanto investimento na defesa civil do estado.
Ana Maria de Oliveira Nusdeo, professora de direito ambiental da Universidade de São Paulo (USP)
Ela disse que, em todo o país, apenas os estados de São Paulo e Espírito Santo transferiram a gestão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) dos órgãos ambientais para as pastas responsáveis pela agricultura. A professora criticou a interpretação dada pelo legislador paulista a alguns artigos do Código Florestal, como o que dispensa proprietários rurais de recuperar áreas de reserva legal. A professora também citou medidas importantes para a prevenção de incêndios, entre elas a antecipação da colheita da cana-de-açúcar nas áreas próximas a rodovias.
André Pereira de Carvalho, professor e pesquisador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGV)
O pesquisador explicou o conceito de “desmonte ambiental”, que, segundo ele, se traduz em um discurso de deslegitimação e negacionismo das pautas socioambientais. No caso paulista, afirmou que o estado recorre a dados do passado para sustentar uma boa performance ambiental, mas adota um modelo incompatível com aquele que teria permitido avanços. Ele também apresentou mapas de uso e cobertura do solo e comparou os orçamentos da defesa civil e da gestão ambiental, para demonstrar que São Paulo investe mais em remediação do que em prevenção.
Tiago Fensterseifer, doutor em direito e membro da Defensoria Pública de São Paulo (DPE-SP)
O defensor público estacou o papel essencial do sistema de Justiça não apenas em relação ao presente, mas também ao futuro. A seu ver, proteger o meio ambiente hoje significa assegurar a liberdade e os direitos das próximas gerações, em especial de crianças e adolescentes, que não participam diretamente das decisões políticas. Além disso, Fensterseifer ressaltou que as políticas ambientais não devem apenas impedir retrocessos, mas precisam avançar de forma contínua.
Marcelo Marini Pereira de Souza, doutor em direito e professor da USP
Para o professor, a questão ambiental está relacionada ao que definiu como um “projeto da oligarquia econômica” na estrutura de governança de Estado e de governo. Como fatores que comprometem a proteção ao meio ambiente, ele citou a ausência de ações eficazes para mitigar as queimadas – como a falta de aceiros nas margens das rodovias –, a insuficiência de fiscalização para assegurar o cumprimento da legislação e a reduzida ou inexistente representatividade da sociedade civil em conselhos ambientais.
Marcos Silveira Buckeridge, professor do Departamento de Botânica da USP
Em sua fala, o professor alertou que as mudanças climáticas elevam o risco de incêndios no Brasil. Ele apresentou dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e destacou que, embora 2025 registre menos focos do que 2024, fenômenos como El Niño e La Niña alteram o regime climático brasileiro e contribuem para o aumento da ocorrência de incêndios. Por isso, a seu ver, é essencial que as políticas públicas estejam orientadas de forma preventiva e estruturada para lidar com os impactos ambientais.
Luciano Rodrigues, diretor de Inteligência Setorial da União da Agroindústria Canavieira e de Bioenergia do Brasil (UNICA)
O representante da entidade apontou algumas medidas adotadas pelo setor para a mitigação e o combate a incêndios no estado. Entre elas, estão o treinamento de mais de 10 mil brigadistas; a utilização de cerca de 2 mil caminhões-pipa; a manutenção de estradas; e o investimento de aproximadamente R$ 10 milhões por usina em ações de monitoramento, prevenção e aquisição de equipamentos de combate.
Paulo Nobre, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE)
O cientista alertou para a gravidade das mudanças climáticas, mas ressaltou que ainda há esperança de garantir um futuro às próximas gerações, desde que medidas sejam tomadas hoje. Ele destacou que a destruição da vegetação impacta as chuvas e favorece incêndios cada vez mais incontroláveis. Segundo Nobre, a maior responsável pela destruição das árvores é a abertura de rodovias, e por isso fez um apelo para que o estado crie normas urgentes para regulamentar essa questão.
Helena do Nascimento Gomes Goldman, advogada da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo (APqC),
Ela apresentou dados para demonstrar uma “grave crise ambiental no estado”. A advogada citou a extinção do Instituto Florestal em 2020, órgão que, segundo afirma, por mais de 100 anos foi fundamental na criação de unidades de conservação e no combate a incêndios florestais. Helena também alertou que há 22 anos não são realizados concursos para pesquisadores científicos na área ambiental.
Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo, advogado do Instituto Clima de Inovação Tecnológica
O advogado que representa a entidade, admitida no processo como amicus curiae, apresentou um panorama das queimadas no Estado de São Paulo nos últimos cinco anos, período em que foram registrados 24.234 focos de incêndio em 621 municípios. Ele afirmou que os biomas mais atingidos são o Cerrado e a Mata Atlântica. Além disso, dados de satélite indicam que o horário de maior incidência de incêndios é às 17 horas, o que dificulta o combate aos focos.
Thalita Verônica Gonçalves e Silva, coordenadora do Programa de Justiça Climática da Escola da DPE-SP
A defensora pública disse que os incêndios em São Paulo resultam de falhas estruturais e institucionais. Ela ressaltou que o modelo de uso da terra no estado ainda é baseado na monocultura da cana-de-açúcar e nas pastagens. Thalita criticou esse modelo econômico, que agrava as queimadas e aumenta as vulnerabilidades sociais, e defendeu a implementação de um plano participativo e permanente de enfrentamento aos incêndios, com foco nas populações mais afetadas.
Luiza Frischeisen, subprocuradora-geral da República
Para a representante da Procuradoria-Geral da República (PGR), as exposições feitas na audiência pública indicam que as políticas públicas de São Paulo não são suficientes para prevenir incêndios, proteger as populações vulneráveis e ampliar a cobertura vegetal no estado. Segundo ela, as políticas públicas estaduais precisam estar articuladas com as políticas da União e aprender com a experiência de outros estados. “Federalismo ambiental não é cada um fazer o que acha melhor, mas trabalhar de forma coordenada e estratégica”, afirmou.
(Redação//AD)
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