Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a compatibilidade da Convenção da Haia de 1980 com a Constituição Federal e afastou a possibilidade do retorno imediato de crianças e adolescentes ao exterior em casos de indícios de violência doméstica.
A decisão foi tomada no julgamento de duas ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs 4245 e 7686) sobre trechos do tratado internacional que tem por finalidade facilitar o retorno de crianças retiradas ilegalmente de seus países de origem. A discussão envolve, principalmente, mulheres que retornam ao Brasil com filhos para fugir de episódios de violência doméstica no exterior e são acusadas, pelos companheiros, de sequestro internacional de crianças.
Melhor interesse da criança
O texto da convenção prevê que, em casos de violação de direito de guarda, a criança (ou adolescente) deve ser devolvido imediatamente ao país de origem. A exceção, até então, eram os casos em que ficasse comprovado o risco grave de, no retorno, a criança ser submetida a perigos de ordem física ou psíquica, ou, de qualquer modo, ficar numa situação intolerável.
O STF entendeu que a exceção deve ser estendida aos casos de indícios comprováveis de violência doméstica, mesmo que a criança não seja vítima direta do abuso. Os ministros acompanharam o voto do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que o texto da convenção deve ser interpretado de forma compatível com o princípio do melhor interesse da criança e com perspectiva de gênero, ou seja, da proteção da mulher.
Proteção
Ao votar na sessão desta quarta (27), a ministra Cármen Lúcia afirmou que a interpretação da convenção deve ser coerente com o princípio constitucional da proteção da criança e do adolescente. A seu ver, a proteção integral da criança é a proteção do ambiente doméstico, que deve ser de tranquilidade e segurança.
O ministro Gilmar Mendes acompanhou o relator quanto ao tema de fundo, mas apresentou divergência quanto à técnica decisória. Na sua avaliação, o tratado internacional já contempla a interpretação pretendida pelos autores da ação. Dessa forma, não seria necessário estender tal interpretação.
Medidas estruturais
O Plenário aprovou uma série de medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças, entre elas, a concentração da competência para processar e julgar tais ações em varas federais e turmas especializadas e a atribuição de selo de tramitação preferencial a esses processos.
Outra determinação é que o Poder Executivo elabore protocolo de atendimento a mulheres e crianças vítimas de violência doméstica a ser adotado em todas as unidades consulares do Brasil no exterior.
Os tribunais regionais federais deverão instituir núcleos de apoio especializado para incentivar a conciliação, a adoção de práticas e metodologias restaurativas, qualificar e coordenar a realização de perícias psicossociais e atuar como instância de apoio técnico e metodológico aos magistrados.
Caberá ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criar grupo de trabalho para elaborar proposta de resolução para dar mais celeridade e eficiência na tramitação desses processos, de modo que a decisão final sobre o retorno da criança seja tomada no prazo de até um ano.
Confira a tese fixada no julgamento:
- A Convenção da Haia de 1980 sobre os aspectos civis da subtração internacional de crianças é compatível com a Constituição Federal, possuindo status supralegal no ordenamento jurídico brasileiro, por sua natureza de tratado internacional de proteção de direitos da criança.
- A aplicação da Convenção no Brasil, à luz do princípio do melhor interesse da criança (art. 227, CF), exige a adoção de medidas estruturais e procedimentais para garantir a tramitação célere e eficaz das ações sobre restituição internacional de crianças.
- A exceção de risco grave à criança, prevista no art. 13, I-B, da Convenção da Haia de 1980, deve ser interpretada de forma compatível com o princípio do melhor interesse da criança (art. 227, CF) e com perspectiva de gênero, de modo a admitir sua aplicação quando houver indícios objetivos e concretos de violência doméstica, ainda que a criança não seja vítima direta.
(Suélen Pires/CR//VP)
Leia Mais:
21/08/2025 – STF tem maioria para afastar retorno de criança ao país de origem em casos de suspeita de violência doméstica