A competência para julgar estelionato que ocorre mediante depósito ou transferência bancária é do local da agência beneficiária do depósito ou transferência bancária (local onde se situa a agência que recebeu a vantagem indevida)


Imagine a seguinte situação
hipotética:

João, morador de Brasília (DF)
viu um anúncio na internet que oferecia empréstimo “rápido e fácil”.

Ele entrou em contato com a
pessoa que se identificou como Henrique.

João combinou de receber um
empréstimo de R$ 70 mil, no entanto, para isso, ele precisaria depositar uma
parcela de R$ 1 mil a título de “custas” para a conta bancária de Henrique,
vinculada a uma agência bancária localizada em São Paulo (SP).

João efetuou o depósito e, então,
percebeu que se tratava de uma fraude porque nunca recebeu o dinheiro do
suposto empréstimo.

Quem será competente para
processar e julgar este crime de estelionato: o juízo da comarca de Brasília
(onde foi feito o depósito) ou o juízo da comarca de São Paulo (local onde o
dinheiro foi recebido)?

O juízo da
comarca de São Paulo.

Na hipótese em que o estelionato se dá mediante
vantagem indevida, auferida mediante o depósito em favor de conta bancária de
terceiro, a competência deverá ser declarada em favor do juízo no qual se situa
a conta favorecida.

No caso em que a vítima, induzida em erro, efetuou
depósito em dinheiro e/ou transferência bancária para a conta de terceiro
(estelionatário), a obtenção da vantagem ilícita ocorreu quando o
estelionatário se apossou do dinheiro, ou seja, no momento em a quantia foi
depositada em sua conta.

STJ. 3ª Seção. CC 167.025/RS, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca,
julgado em 14/08/2019.

STJ. 3ª Seção. CC 169.053-DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 11/12/2019 (Info 663).

Nos termos do art. 70 do CPP, a
competência será de regra determinada pelo lugar em que se consumou a infração
e o estelionato, crime tipificado no art. 171 do CP, consuma-se no local e
momento em que é auferida a vantagem ilícita.

O prejuízo alheio, apesar de
fazer parte do tipo penal, está relacionado à consequência do crime de
estelionato e não à conduta propriamente.

O núcleo do tipo penal é obter
vantagem ilícita, razão pela qual a consumação se dá no momento em que os
valores entram na esfera de disponibilidade do autor do crime, o que somente
ocorre quando o dinheiro ingressa efetivamente em sua conta corrente.

• estelionato que ocorre por meio do saque
(ou compensação) de cheque clonado, adulterado ou falsificado: a competência é
do local onde a vítima possui a conta bancária.

Isso porque, nesta hipótese, o local da
obtenção da vantagem ilícita é aquele em que se situa a agência bancária onde
foi sacado o cheque adulterado, ou seja, onde a vítima possui conta bancária.
Aplica-se o raciocínio da súmula 48 do STJ:

Súmula 48-STJ: Compete ao juízo do local da obtenção da vantagem
ilícita processar e julgar crime de estelionato cometido mediante falsificação
de cheque.

• estelionato que ocorre quando a vítima,
induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para
a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o
estelionatário possui a conta bancária.

Isso porque, neste caso, a obtenção da
vantagem ilícita ocorre quando o estelionatário efetivamente se apossa do
dinheiro, ou seja, no momento em que ele é depositado em sua conta.

Nesse
sentido:

2. Deve prevalecer a orientação que estabelece diferenciação
entre a hipótese em que o estelionato se dá mediante cheque adulterado ou
falsificado (consumação no banco sacado, onde a vítima mantém a conta
bancária), do caso no qual o crime ocorre mediante depósito ou transferência
bancária (consumação na agência beneficiária do depósito ou transferência
bancária).

3. Se o crime de estelionato só se consuma com a efetiva obtenção
da vantagem indevida pelo agente ativo, é certo que só há falar em consumação,
nas hipóteses de transferência e depósito, quando o valor efetivamente ingressa
na conta bancária do beneficiário do crime.

4. No caso, considerando que a vantagem indevida foi auferida
mediante o depósito em contas bancárias situadas em São Paulo/SP, a competência
deverá ser declarada em favor daquele Juízo (suscitado). (…)

STJ. 3ª Seção. CC 169.053/DF, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior,
julgado em 11/12/2019.

(…) nas hipóteses de estelionato no qual a vítima efetua
pagamento ao autor do delito por meio de cheque, a competência para a apuração
do delito é do Juízo do local da agência bancária da vítima, porque a
consumação se dá quando o cheque é descontado pelo banco sacado. Já no caso de
a vítima ter feito o pagamento mediante depósito bancário em dinheiro, como
ocorreu no caso concreto, a jurisprudência firmada nessa Corte entende que o
delito consuma-se no local onde verificada a obtenção da vantagem indevida, ou
seja, no momento em que o valor entra na esfera de disponibilidade do autor do
crime. (…)

STJ. 3ª Seção. CC 161.881/CE, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik,
julgado em 13/03/2019.

Cuidado com o
Jurisprudência em Teses

A tese 9 do Jurisprudência em
Teses nº 84 do STJ afirma o seguinte:

9) O delito de estelionato é consumado
no local em que se verifica o prejuízo à vítima.

Cuidado porque essa tese não pode
ser tomada de forma absoluta e não se aplica, por exemplo, para a hipótese
acima explicada. Assim, no caso de estelionato que ocorre quando a vítima,
induzida em erro, se dispõe a fazer depósitos ou transferências bancárias para
a conta de terceiro (estelionatário): a competência é do local onde o
estelionatário possui a conta bancária.

Artigo Original em Dizer o Direito

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