Celso de Mello completa 30 anos como ministro do Supremo Tribunal Federal


\"\"A histria do ministro Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal (STF) caminha junto com a da Constituio da Repblica de 1988, que balizou a estruturao da Nova Repblica. Nomeado em 30 de junho de 1989 pelo ento presidente da Repblica Jos Sarney, Jos Celso de Mello Filho tomou posse como ministro da Suprema Corte em 17 de agosto daquele ano, a menos de dois meses do primeiro aniversrio da nova Carta Constitucional e s vsperas da primeira eleio direta para presidente da Repblica aps 21 anos de regime militar.

Desde ento, vem trabalhando dedicada e incansavelmente na defesa da Lei Maior do Brasil e na construo da jurisprudncia do STF. A Carta de 1988, segundo o ministro, representou o “anseio de liberdade manifestado pelo povo brasileiro” e permitiu “situar o Brasil entre o seu passado e o seu futuro”, por meio de um instrumento jurdico moderno, “essencial para a defesa das liberdades fundamentais do cidado em face do Estado”.

“Que coincidncia feliz, 30 anos de Constituio brasileira, 30 anos de judicatura suprema, colegiada, do ministro Celso de Mello. Um cultor da Constituio, um intrprete profundo, preciso, da Constituio de 1988, que tem nele um guardio exemplar”, diz o ministro aposentado Ayres Britto, que conviveu com Celso de Mello no STF por quase 10 anos.

Os 50 anos de vida pblica dedicados ao Direito tiveram incio em 1969, quando se formou pela Faculdade de Direito da Universidade de So Paulo (Largo do So Francisco). No ano seguinte, foi aprovado em primeiro lugar no concurso do Ministrio Pblico estadual, onde permaneceu por 20 anos, at ser nomeado para o STF. Entre 1987 e 1989, foi consultor-geral interino da Repblica.

Na linha sucessria dos ministros do STF, Celso de Mello ocupa a cadeira de nmero 3, inaugurada em 1891 pelo ministro Alencar Araripe e ocupada posteriormente por outros dez ministros at posse do atual decano. Ele assumiu a vaga decorrente da aposentadoria do ministro Rafael Mayer, que ocupava a Presidncia do Tribunal na data da promulgao da chamada Constituio Cidad.

\"\"Celso de Mello foi o sexto paulista a assumir a Presidncia do Supremo Tribunal Federal, no binio 1997/1999, e o stimo deles vindo da Faculdade de Direito do Largo de So Francisco – a que ele se refere carinhosamente como “as Arcadas”, referncia arquitetura do antigo convento dos franciscanos transformado em faculdade no sculo XIX. Foi o 35º presidente da Corte na era republicana e o 46º desde a instituio do Supremo Tribunal de Justia, no Imprio.

At setembro de 2018, quando o ministro Dias Toffoli assumiu a Presidncia aos 50 anos, era o mais jovem ministro a assumir o cargo em toda a histria da Corte, com 51 anos, em maio de 1997. “ uma das pessoas de inteligncia mais brilhante, de uma memria enorme e de um conhecimento histrico que nos enche de orgulho em com ele conviver”, ressalta o ministro Toffoli. “Seus votos so por todos respeitados, suas posies e a sua vida completamente honrada e ilibada honram esta Casa”.

O orgulho para o Tribunal enfatizado tambm pelo ministro Marco Aurlio, que destaca a figura mpar do ministro Celso de Mello: “A dedicao causa pblica inexcedvel. A bagagem jurdica, completa. Nos trinta anos de judicatura, consideradas decises e votos, tornou-se, na histria do Supremo, valor reconhecido por todos. De parabns est a Instituio. Orgulham-se os seus pares.”

\"\"Funo histrica

O decano do STF reconhecido pela defesa intransigente dos direitos fundamentais previstos e assegurados na Constituio, com especial olhar sobre as garantias individuais do cidado e os direitos das minorias diante de atos de omisso do poder pblico. “Tenho a impresso de que o ministro Celso de Mello exerce aqui uma funo histrica”, afirma o ministro Gilmar Mendes. “Desde a sua integrao ao Tribunal, h 30 anos, tem se notabilizado pela defesa da Constituio, dos direitos fundamentais e pela boa aplicao da Constituio. o historiador da Corte, aquele que mais trabalha a questo do direito comparado, e de alguma forma contribui para que todos ns tenhamos a certeza de estarmos fazendo um bom trabalho de guardies da Constituio”.

A coincidncia entre a vigncia da Constituio e a trajetria de Celso de Mello no STF lembrada tambm pelo ministro Lus Roberto Barroso. “Ele foi um dos personagens que, a partir da Nova Repblica e da nova Constituio, ajudou a reconstruir o Direito Constitucional brasileiro, tornando-o mais voltado para a concretizao dos direitos fundamentais e para os avanos dos valores constitucionais de uma maneira geral”, assinala. “Alm de ser um grande talento jurdico e uma pessoa adorvel, o ministro Celso tambm um pouco a memria do Supremo”. Para Barroso, o colega uma reserva moral, “a pessoa com quem nos aconselhamos, ou a palavra que gostamos de ouvir nos momentos difceis, alm de ser autor de votos memorveis. Considero um privilgio para o pas ter uma pessoa com a estatura intelectual e moral do ministro Celso servindo ao Judicirio e ao STF por todo esse tempo”.

\"\"Cordialidade

De hbitos simples, Celso de Mello gosta de passear pelas livrarias de Braslia e passar frias em sua cidade natal, Tatu, no interior paulista, na companhia de amigos. Gosta de futebol e guarda como relquia uma camisa autografada pelos jogadores do So Paulo, seu time do corao.

Ele tambm conhecido e admirado por sua cordialidade, honradez e ateno ao bem-estar dos servidores da Corte. “O ministro Celso de Mello um homem extremamente educado, culto, eloquente, vibrante, dedicado ao trabalho, eficiente, corts e elegante com todos os colegas, com os membros do Ministrio Pblico, com os advogados e com os funcionrios de seu Gabinete e de todo o STF”, afirma o ministro aposentado Sydney Sanches.

O ministro Eros Grau, tambm aposentado, lembra da amizade iniciada nos anos 70, quando ele e o ministro aposentado do Superior Tribunal Militar (STM) Flvio Bierrenbach assessoravam Jos Mindlin, ento secretrio da Cultura de So Paulo. “Depois, o tempo foi passando e voltamos a conviver em Braslia, no Supremo, onde estive durante seis anos, e o Flvio no STM”, recorda. “A admirao que eu j tinha por ele quando jovem consolidou-se l naquele tribunal. Mais do que isso, no entanto, para mim evidente que somos unidos pela amizade que floresce nas Velhas Arcadas que nos acolheram para sempre”.

Igualmente oriundo do Largo de So Francisco, o ministro Alexandre de Moraes, mais novo do STF, ressalta a honra de ser amigo pessoal, “h muito tempo”, do ministro Celso, de quem foi colega no Ministrio Pblico de So Paulo. “Posso aqui atestar que o ministro Celso de Mello, mais do que um grande ministro, mais do que um grande professor, um estudioso no s do Direito Constitucional, mas de todos os ramos do Direito, um grande homem, um grande brasileiro e um smbolo para todos os juzes do pas”, afirma.

\"\"Para o ministro aposentado Francisco Rezek, “nunca houve na histria do Supremo algum como Celso de Mello, nem haver depois dele”. Rezek ressalta, entre outras qualidades, “a fidalguia, a elegncia de cada gesto ou palavra, a olmpica incapacidade de magoar ou de ofender a quem quer que fosse, mesmo nos momentos de austera reprimenda aos destemperos dos dois outros lados da praa dos Trs Poderes”.

Nas palavras do ministro Edson Fachin, o decano “um julgador abertamente genuno, um juiz e um jurista fiel a si mesmo, daqueles que refutam elogios fceis e sempre optam por seus princpios”. E completa: “O fardo que os dias correntes depositaram no Tribunal e o ar rarefeito vivenciado encontram em Celso ombros fortes e oxignio suficiente para ser, sempre, a melhor das companhias. Aqui, vejo, sinto e testemunho que Celso de Mello deitou razes para caracterizar de modo indelvel o STF.”

Ayres Britto ressalta ainda o carter e o temperamento exemplares do ministro Celso de Mello. “ um homem tico, essencialmente tico, e uma pessoa do bem, ou seja, de bom corao, afeito arte, afeito cincia e cordato, companheiro, gentil, solcito, atento, de olhos abertos, ouvidos abertos ali naquele Plenrio”.

\"\"Garantias constitucionais

Um dos princpios defendidos com veemncia pelo decano o da presuno da inocncia. Para ele, uma pessoa s pode comear a cumprir sua pena aps esgotadas todas as possibilidades de recurso, ou seja, aps o trnsito em julgado da sentena.

Foi nesse sentido que o ministro marcou posio no julgamento das Aes Declaratrias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44, no qual foi um dos cinco votos vencidos. No entendimento do decano da Corte, a execuo provisria da condenao criminal no transitada em julgado medida gravssima e frontal transgresso ao direito fundamental da presuno da inocncia. (Veja a ntegra do voto do ministro Celso de Mello nas ADCs 43 e 44). 

Tambm no mbito das garantias constitucionais, Celso de Mello, como relator do Agravo de Instrumento (AI) 677274, interposto pelo municpio de So Paulo contra deciso do Tribunal de Justia do Estado de So Paulo (TJ-SP), tornou efetiva a obrigao dos municpios de cuidarem da educao de crianas com at cinco anos de idade em creches e pr-escolas.

Em outras decises relevantes em processos dos quais foi relator, o decano garantiu o fornecimento gratuito de medicamentos para o tratamento de pacientes pobres e portadores do vrus HIV e de outras patologias graves.

\"\"Liberdade

Outro tema que sempre merece manifestaes intensas do decano a defesa do direito de reunio e da liberdade de manifestao do pensamento. Em praticamente todos os casos em que h indcios de censura ou de cerceamento desse direito, sua voz se levanta para lembrar que, no julgamento da ADPF 130, ao julgar a Lei de Imprensa editada durante o regime militar incompatvel com a Constituio, o STF assentou que a liberdade de manifestao do pensamento um dos fundamentos do Estado Democrtico de Direito.

Para Celso de Mello, a liberdade de expresso assegura ao profissional de imprensa – includo o jornalismo digital – “o direito de expender crtica, ainda que desfavorvel e em tom contundente, contra quaisquer pessoas ou autoridades”. “O interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as figuras pblicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade”, defende.

A liberdade se estende, tambm, ao humor e stira. “O riso e o humor so expresses de estmulo prtica consciente da cidadania e ao livre exerccio da participao poltica, enquanto configuram, eles prprios, manifestaes de criao artstica”, afimou ao votar na ADI 4451, na qual o STF afastou dispositivos da Lei das Eleies que impediam a veiculao de programas de humor envolvendo candidatos no perodo pr-eleitoral. Por isso mesmo, so transformadores, so renovadores, so saudavelmente subversivos, so esclarecedores, so reveladores. por isso que so temidos pelos detentores do poder”. (Veja a ntegra do voto do ministro Celso de Mello na ADI 4451

\"\"Homofobia

O ministro define o ativismo judicial como “uma necessidade transitria de o Poder Judicirio suprir omisses do Poder Legislativo ou do Poder Executivo que so lesivas aos direitos das pessoas em geral ou da comunidade como um todo”. Para ele, no se trata de transgresso ao princpio da separao dos Poderes, mas da utilizao de meios processuais idneos e adequados que permitem ao Judicirio fazer o controle de constitucionalidade mesmo nos casos de omisso.

Os dois principais instrumentos processuais para essa finalidade so o Mandado de Injuno (MI) e a Ao Direta de Inconstitucionalidade por Omisso (ADO). Foi no julgamento da ADO 26 e do MI 4733 que, no dia 13 de junho deste ano, o Plenrio do STF enquadrou a homofobia e a transfobia como crimes de racismo e determinou que assim sejam tipificadas com base na Lei 7.716/1989, at que o Congresso Nacional edite lei sobre a matria. Para a Corte, a noo de racismo abrange as situaes de agresso injusta que resultam de discriminao ou preconceito contra pessoas em razo de sua orientao sexual ou identidade de gnero.

Num voto histrico, o ministro Celso de Mello, relator da ADO 26, salientou que as prticas homofbicas configuram racismo social. Na sua avaliao, tais condutas so atos de segregao que inferiorizam integrantes do grupo LGBT. “O fato irrecusvel no tema em exame um s: os atos de preconceito ou de discriminao em razo da orientao sexual ou da identidade de gnero no podem ser tolerados, ao contrrio, devem ser reprimidos e neutralizados, pois se revela essencial que o Brasil d um passo significativo contra a discriminao e contra o tratamento excludente que tem marginalizado grupos minoritrios em nosso pas, como a comunidade LGBT”, afirmou. (Veja a ntegra do voto do ministro Celso na ADO 26).

Nepotismo

No julgamento da Ao Declaratria de Constitucionalidade (ADC) 12, em agosto de 2008, o STF considerou inconstitucional a prtica do nepotismo no Poder Judicirio. O efeito da deciso, entretanto, tambm alcanou o Legislativo e o Executivo e resultou na edio da Smula Vinculante 13.

“Quem tem o poder e a fora do Estado em suas mos no tem o direito de exercer em seu prprio benefcio ou em benefcio de seus parentes, cnjuges ou companheiros a autoridade que lhe conferida pelas leis desta Repblica”, afirmou o ministro em seu voto.

Confira matria produzida pela TV Justia sobre os 30 anos do ministro Celso de Mello no STF:

 

  

AR/CF

*Com informaes disponveis no portal do STF, nas edies do Anurio da Justia de 2009 e 2019, no livro “Ministro Celso de Mello 25 anos de STF” e na publicao “Notas sobre o Supremo Tribunal – Imprio e Repblica”.

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