Comentários à Lei 13.170/2015 (ação de indisponibilidade de bens para cumprimento de resolução do Conselho de Segurança da ONU)


Olá amigos do Dizer o Direito,
Foi publicada ontem (19/10/2015) mais uma novidade
legislativa.
Trata-se da Lei n.º 13.170/2015, que disciplina a ação de
indisponibilidade de bens, direitos ou valores em decorrência de resolução do
Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU.
Vejamos sobre o que ela cuida, mas antes é importante fazer
algumas considerações preliminares.
NOÇÕES PRELIMINARES

Conselho de Segurança da ONU

O Conselho de Segurança da ONU (CSNU) é o órgão interno da
ONU responsável por garantir a manutenção da paz e da segurança internacional.
As decisões do CSNU são chamadas de “resoluções” e podem ser
obrigatórias (vinculantes) ou não-obrigatórias.
Caso o CSNU tenha editado uma decisão obrigatória, ela será vinculante
para todos os Estados-membros da ONU. Vale ressaltar que é possível até mesmo
que o CSNU determine intervenção militar em um Estado com o objetivo de garantir
a execução de suas resoluções.
O Conselho de Segurança é composto por 15 membros, sendo 5
membros permanentes e 10 membros eleitos para mandato de 2 anos.
Os membros permanentes são os seguintes: EUA, China, Rússia,
Reino Unido e França.
Brasil deve cumprir as Resoluções do CSNU

O Brasil é membro da ONU, tendo assinado e promulgado a
Carta das Nações Unidas (Decreto n.º 19.841/45).
Por essa razão, as resoluções do CSNU são obrigatórias para
o Brasil, conforme previsto no artigo 25 da Carta das Nações Unidas:
Artigo 25. Os Membros das
Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de
Segurança, de acordo com a presente Carta.
Incorporação e cumprimento das resoluções do CSNU

Importante esclarecer que a resolução do CSNU é um documento
internacional que, para produzir efeitos no Brasil, precisa ser previamente incorporado
em nosso ordenamento jurídico. Antes de sua incorporação, ela não tem como ser
cumprida.
Agora veja que interessante: as resoluções do CSNU são
incorporadas ao direito brasileiro por meio de simples decreto presidencial, editado
com base no art. 84, IV, da CF/88:
Art. 84. Compete
privativamente ao Presidente da República:
IV – sancionar, promulgar
e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua
fiel execução;
Atente, portanto, para o fato de que, em regra, não é
necessária nem mesmo a participação do Congresso Nacional, bastando a edição do
Decreto. Exceção: para a participação do Brasil em operações de paz, enviando
tropas, é necessária a aprovação do Congresso Nacional, por força da Lei n.º
2.953/56. Neste caso, o Congresso precisará editar um decreto-legislativo
autorizando.
Ressalte-se que alguns doutrinadores criticam essa
não-participação do Congresso Nacional na incorporação ao direito brasileiro
das Resoluções do CSNU sob o argumento de que haveria violação ao art. 49, I,
da CF/88. No entanto, apesar do registro desta crítica, o certo é que, na
prática, as resoluções são incorporadas por Decreto presidencial, sem prévia
participação do Parlamento.
Veja um exemplo recente:
DECRETO Nº 8.520, DE 28 DE
SETEMBRO DE 2015
Dispõe sobre a execução,
no território nacional, da Resolução 2174 (2014), de 27 de agosto de 2014, do
Conselho de Segurança das Nações Unidas, que altera o embargo de armas
aplicável à Líbia e autoriza a imposição de sanções a indivíduos e a entidades.
O VICE-PRESIDENTE DA
REPÚBLICA, no exercício do cargo de Presidente da República, no uso da
atribuição que lhe confere o art. 84, caput, inciso IV, da Constituição, e
tendo em vista o disposto no art. 25 da Carta das Nações Unidas, promulgada
pelo Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945, e
Considerando a adoção pelo
Conselho de Segurança das Nações Unidas da Resolução 2174 (2014), de 27 de
agosto de 2014, que altera o embargo de armas aplicável à Líbia e autoriza a
imposição de sanções a indivíduos e a entidades;
DECRETA:
Art. 1º A Resolução 2174
(2014), adotada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 27 de agosto de
2014, anexa a este Decreto, será executada e cumprida integralmente em seus
termos.
Art. 2º Este Decreto entra
em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 28 de
setembro  de 2015; 194º da Independência
e 127º da República.
Sanções impostas pelo CSNU

O Conselho de Segurança da ONU pode impor sanções a países,
bem como a pessoas físicas ou jurídicas. Essas sanções são aplicadas por meio
de resoluções.
Dentre as sanções existentes, o CSNU pode determinar a
indisponibilidade de bens, valores e direitos que pertençam à pessoa física ou
jurídica punida.
Normalmente, o CSNU aplica tais sanções a pessoas que
tiveram participação comprovada no financiamento ou na prática de ações terroristas.
Cumprimento da sanção de indisponibilidade: processo judicial

Temos um problema no momento de fazer cumprir no Brasil a
Resolução do CSNU que aplica como sanção a indisponibilidade de bens, valores e
direitos. Isso porque, em primeiro lugar, é necessário, como vimos acima,
editar um Decreto Presidencial determinando a execução e cumprimento da medida
no Brasil.
No entanto, mesmo após esse Decreto, a indisponibilidade dos
bens não é imediata, automática, uma vez que a CF/88 determina que ninguém pode
ser privado de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Logo, um
simples Decreto não tem o condão de gerar a indisponibilidade dos bens de
qualquer pessoa, sendo necessário processo judicial.
Ação de indisponibilidade de bens, valores e direitos

Antes da Lei n.º 13.170/2015, não havia um procedimento
disciplinando o processo judicial para decretação de indisponibilidade dos bens
em cumprimento de resolução do CSNU. Diante disso, a União tinha que ingressar
com uma ação ordinária pedindo a indisponibilidade, sendo que esse procedimento
era demorado, custoso e não havia previsão de um regramento próprio.
A Lei n.º 13.170/2015 veio alterar esse cenário e criou, em
nosso ordenamento jurídico, uma ação de indisponibilidade a fim de dar cumprimento
mais célere e simplificado às resoluções do CSNU que imponham tal sanção. Veja
o que diz o art. 1º:
Art. 1º Esta Lei dispõe
sobre a ação de indisponibilidade de bens, valores e direitos de posse ou
propriedade e de todos os demais direitos, reais ou pessoais, de titularidade,
direta ou indireta, das pessoas físicas ou jurídicas submetidas a esse tipo de
sanção por resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas – CSNU.
ANÁLISE DOS
PRINCIPAIS ASPECTOS DA LEI

Resolução de indisponibilidade deve ter sido incorporada

Para que a ação de indisponibilidade seja proposta, é
indispensável que tenha havido prévia incorporação da Resolução no ordenamento
jurídico nacional. Nesse sentido:
Art. 1º (…)
§ 1º A ação de que trata
esta Lei decorre do ato que incorporar ao ordenamento jurídico nacional a
resolução do CSNU.
Comunicação à AGU

Depois de a resolução do CSNU ser incorporada ao ordenamento
jurídico, o Ministério da Justiça comunicará essa situação à Advocacia-Geral da
União, que proporá, no prazo de 24 horas, a ação de indisponibilidade de bens,
valores e direitos (art. 4º).
A ação tramitará sob segredo de justiça.
Recebimento da Inicial e concessão de tutela provisória

Recebida a petição inicial, o juiz decidirá a tutela
provisória no prazo de 24 horas (art. 5º).
Repare que a Lei nº 13.170/2015 corretamente emprega a
expressão “tutela provisória”, considerando que esta é a nomenclatura
adotada pelo novo CPC (art. 294 do CPC 2015).
O juiz providenciará a imediata intimação da União sobre a
decisão tomada.
Administrador dos bens, valores e direitos bloqueados

Deferida a tutela provisória e executada a medida, o juiz
designará uma pessoa para a administração, guarda ou custódia dos bens, valores
e direitos bloqueados, quando isso se revelar necessário (art. 7º).
O juiz providenciará a imediata intimação da União sobre a
decisão tomada.
Aplicam-se à pessoa designada, no que couber, as disposições
legais relativas ao administrador judicial. 
Tratando-se de ativos financeiros, a sua administração
caberá às instituições em que se encontrem, incidindo o bloqueio também dos
juros e quaisquer outros frutos civis e rendimentos decorrentes do contrato.
Intimação do interessado

Depois de conceder a tutela provisória e executar a medida
de indisponibilidade, o juiz determinará a intimação do interessado para, em 10
dias, apresentar razões de fato e de direito que possam levar ao convencimento
de que o bloqueio foi efetivado irregularmente (art. 5º).
Efetivado o bloqueio, as instituições e pessoas físicas
responsáveis deverão comunicar o fato, de imediato:
• ao órgão ou entidade fiscalizador ou regulador da sua
atividade (ex: a instituição financeira comunica ao BACEN);
• ao juiz que determinou a medida;
• à Advocacia-Geral da União; e
• ao Ministério da Justiça.
Se a pessoa punida havia praticado atos de disposição de seu
patrimônio, isso pode ser anulado

A declaração de indisponibilidade de bens, valores e
direitos implicará a nulidade de quaisquer atos de disposição, ressalvados os
direitos de terceiro de boa-fé (§ 2º do art. 1º).
Assim, se a pessoa que foi punida pelo CSNU houver praticado
atos de disposição de seu patrimônio, tais negócios jurídicos serão anulados
por decisão judicial, salvo se ficar demonstrado que os adquirentes são
terceiros de boa-fé.
Alienação antecipada

Deverá ser realizada a alienação antecipada dos bens que estiverem
sujeitos a qualquer grau de deterioração ou depreciação ou quando houver dificuldade
para sua manutenção (art. 6º). Isso com o objetivo de preservar o seu valor.
Antes da alienação, será feita uma avaliação dos bens e o interessado
será intimado da avaliação para, querendo, manifestar-se no prazo de 10 dias.
Será determinada a alienação dos bens em leilão ou pregão,
preferencialmente eletrônico, por valor não inferior a 75% do valor atribuído
pela avaliação. 
Realizado o leilão ou pregão, a quantia apurada será
depositada em conta bancária remunerada. 
Serão deduzidos da quantia apurada no leilão ou pregão os
tributos e multas incidentes sobre o bem alienado. 
Possibilidade de liberação parcial dos valores

Os recursos declarados indisponíveis poderão ser
parcialmente liberados para o pagamento de despesas pessoais necessárias à
subsistência do interessado e de sua família, para a garantia dos direitos
individuais assegurados pela CF/88 ou para o cumprimento de disposições previstas
em resoluções do CSNU (§ 3º do art. 1º).
Ministério das Relações Exteriores comunicará ao CSNU as providências
adotadas

O Ministério da Justiça comunicará ao Ministério das
Relações Exteriores as providências adotadas no território nacional para
cumprimento das sanções impostas pela resolução. De posse dessas informações, o
Ministério das Relações Exteriores as repassará ao CSNU para que este fique
ciente das medidas empregadas (art. 3º).
Perdimento definitivo

Quando ocorrer o trânsito em julgado da sentença condenatória,
será decretado o perdimento definitivo dos bens, valores e direitos (art. 8º).
Essa decisão pode ocorrer em processo judicial nacional ou
estrangeiro.
O juiz providenciará a imediata intimação da União sobre a
decisão tomada.
A decisão transitada em julgado em processo estrangeiro que
decretar o perdimento definitivo de bens ficará sujeita à homologação pelo STJ
(art. 105, I, “i”, da CF/88).
Expiração ou revogação da sanção

Apesar de não ser comum na prática, pode ocorrer de, durante
a tramitação da ação, haver uma alteração na decisão do CSNU ou já ter expirado
o seu prazo.
Pensando nisso, a Lei determina que, em caso de expiração ou
revogação da sanção pelo CSNU, a União solicitará imediatamente ao juiz o
levantamento dos bens, valores ou direitos (art. 9º).
Considera-se também como revogação da sanção a comunicação
oficial emitida pelo Ministério das Relações Exteriores de que o nome de pessoa
física ou jurídica foi excluído das resoluções do CSNU.
O juiz providenciará a imediata intimação da União sobre a
decisão tomada.
Aplicação subsidiária do CPC

A ação de indisponibilidade é uma ação cível, de forma que o
CPC deverá ser aplicado subsidiariamente quando não houver norma específica na
Lei nº 13.170/2015.
Lei 13.170/2015 poderá servir também para demandas de cooperação
jurídica internacional

As disposições da Lei nº 13.170/2015 poderão ser usadas também
para atender a demandas de cooperação jurídica internacional advindas de outras
jurisdições, em conformidade com a legislação nacional vigente (§ 4º do art.
1º).
Intimação da União sobre sentenças condenatórias de terrorismo

A Lei nº 13.170/2015 determinou que o juiz deverá
providenciar a imediata intimação da União quando proferir sentenças
condenatórias relacionadas à prática de atos terroristas.
O que é terrorismo?

O Min. Celso de Mello, de forma precisa, constata que até
hoje, “a comunidade internacional foi incapaz de chegar a uma conclusão acerca
da definição jurídica do crime de terrorismo, sendo relevante observar que, até
o presente momento, já foram elaborados, no âmbito da Organização das Nações
Unidas, pelo menos, 13 (treze) instrumentos internacionais sobre a matéria, sem
que se chegasse, contudo, a um consenso universal sobre quais elementos
essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo ou, então,
sobre quais requisitos deveriam considerar-se necessários à configuração
dogmática da prática delituosa de atos terroristas” (STF PPE 730/DF, julgado em
16/12/2014).
Em outras palavras, trata-se ainda de um tema polêmico.
Apesar disso, podemos citar uma definição feita por René
Ariel Dotti e que é bastante difundida no âmbito doutrinário:
“o terrorismo pode ser definido como a prática do terror
como ação política, procurando alcançar, pelo uso da violência, objetivos que
poderiam ou não ser estabelecidos em função do exercício legal da vontade
política. Suas características mais destacadas são: a indeterminação do número
de vítimas; a generalização da violência contra pessoas e coisas; a liquidação,
desativação ou retração da vontade de combater o inimigo predeterminado; a paralisação
contra a vontade de reação da população; e o sentimento de insegurança
transmitido principalmente pelos meios de comunicação” (Terrorismo e devido processo legal. RCEJ, ano VI, Brasília, set.
2002, p. 27-30 apud LIMA, Renato
Brasileiro de. Legislação Criminal
Especial Comentada
. Niterói: Impetus, 2013, p. 58).
O terrorismo é tipificado como crime no Brasil?

Para a maioria da doutrina, a legislação brasileira ainda
não definiu o crime de terrorismo.
“O elemento normativo atos de terrorismo constante do art.
20 da Lei nº 7.170/83 é tão vago e elástico que não permite ao julgador, por
ausência de uma adequada descrição do conteúdo fático desse ato, enquadrar
qualquer modalidade da conduta humana. Logo, o crime do art. 20 da Lei nº
7.170/83 não pode ser tratado como terrorismo, sob pena de evidente violação ao
princípio da taxatividade (nullum crimen nulla poena sine lege certa).” (LIMA,
Renato Brasileiro de., p. 59).
É a corrente sustentada por Alberto Silva Franco, José
Cretella Neto, Damásio de Jesus, Gilberto Pereira de Oliveira.
Desse modo, para a maioria da doutrina, o terrorismo não é
tipificado pela legislação brasileira, não sendo válido o art. 20 da Lei nº 7.170/83
para criminalizar essa conduta.
Vigência

A Lei nº 13.170/2015 possui vacatio legis de 90 dias, de forma que entra em vigor apenas em 17/01/2016.
Clique AQUI se quiser conferir o inteiro teor da Lei.
Márcio André Lopes Cavalcante
Professor

Artigo Original em Dizer o Direito

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