É cabível indenização do DPVAT por morte do feto em acidente de trânsito: mais um passo rumo à teoria concepcionista


Em
que consiste o DPVAT?

O DPVAT é um seguro obrigatório de
danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre, ou por sua
carga, a pessoas, transportadas ou não.

Em outras palavras, qualquer pessoa que
sofrer danos pessoais causados por um veículo automotor, ou por sua carga, em
vias terrestres, tem direito a receber a indenização do DPVAT. Isso abrange os
motoristas, os passageiros, os pedestres ou, em caso de morte, os seus
respectivos herdeiros.

Ex: dois carros batem e, em decorrência
da batida, acertam também um pedestre que passava no local. No carro 1, havia
apenas o motorista. No carro 2, havia o motorista e mais um passageiro. Os dois
motoristas morreram. O passageiro do carro 2 e o pedestre ficaram inválidos. Os
herdeiros dos motoristas receberão indenização de DPVAT no valor correspondente
à morte. O passageiro do carro 2 e o pedestre receberão indenização de DPVAT
por invalidez.

Para receber indenização, não importa
quem foi o culpado. Ainda que o carro 2 tenha sido o culpado, os herdeiros dos
motoristas, o passageiro e o pedestre sobreviventes receberão a indenização
normalmente.

O DPVAT não paga indenização por
prejuízos decorrentes de danos patrimoniais, somente danos pessoais.

Qual
é o valor da indenização de DPVAT prevista na Lei?

• no caso de morte: R$ 13.500,00 (por
vítima)

• no caso de invalidez permanente: até
R$ 13.500,00 (por vítima)

• no caso de despesas de assistência
médica e suplementares: até R$ 2.700,00 como reembolso à cada vítima.

Desse modo, a Lei nº
6.194/74 (Lei do DVAT) afirma que somente deverão ser pagas indenizações nas
situações de morte, invalidez permanente e despesas de assistência médica e
suplementares.

Em se tratando de morte, quem receberá
a indenização serão os herdeiros do falecido, na forma do art. 792 do Código
Civil:

Art. 792. Na falta de indicação da
pessoa ou beneficiário, ou se por qualquer motivo não prevalecer a que for
feita, o capital segurado será pago por metade ao cônjuge não separado
judicialmente, e o restante aos herdeiros do segurado, obedecida a ordem da
vocação hereditária.

Morte
de nascituro

A Lei do DPVAT prevê que a indenização
será paga aos herdeiros em caso de morte, não falando expressamente em
situações de morte de nascituro (feto). Isso sempre gerou intensas polêmicas:
quando a lei fala em morte, inclui o aborto, ou seja, o fim da existência do
feto?

Imagine
que Maria estava dirigindo seu carro quando se envolveu em um acidente que
ocasionou o aborto do feto de 4 meses que estava esperando. Maria terá direito
de receber a indenização do DPVAT pela morte do nascituro?

SIM. O
STJ decidiu que a beneficiária legal de seguro DPVAT que teve a sua gestação
interrompida em razão de acidente de trânsito tem direito ao recebimento da indenização
prevista no art. 3º, I, da Lei 6.194/1974, devida no caso de morte.

STJ. 4ª
Turma. REsp 1.415.727-SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 4/9/2014
(Info 547).

Obs: já havia outro precedente do STJ
no mesmo sentido:

(…) 1 – Atropelamento de mulher
grávida, quando trafegava de bicicleta por via pública, acarretando a morte do
feto quatro dias depois com trinta e cinco semanas de gestação.

2 – Reconhecimento do direito dos pais
de receberem a indenização por danos pessoais, prevista na legislação
regulamentadora do seguro DPVAT, em face da morte do feto.

3 – Proteção conferida pelo sistema
jurídico à vida intra-uterina, desde a concepção, com fundamento no princípio
da dignidade da pessoa humana.

4 – Interpretação
sistemático-teleológica do conceito de danos pessoais previsto na Lei nº
6.194/74 (arts. 3º e 4º). (…)

(STJ. 3ª Turma. REsp 1120676/SC, Rel.
p/ Acórdão Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 07/12/2010)

A resposta a essa indagação passa pela
discussão sobre a natureza jurídica do nascituro.

O art. 2º do CC/2002 estabelece o
seguinte:

Art. 2º A personalidade
civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro.

Podemos destacar três teorias
principais que tentam explicar esse dispositivo:

NATALISTA

PERSONALIDADE
CONDICIONAL

CONCEPCIONISTA

A personalidade jurídica só se
inicia com o nascimento.

O nascituro não pode ser
considerado pessoa. Só será pessoa quando nascer com vida.

A personalidade civil começa
com o nascimento com vida, mas o nascituro titulariza direitos submetidos à
condição suspensiva (ou direitos eventuais).

A personalidade jurídica se
inicia com a concepção, muito embora alguns direitos só possam ser plenamente
exercitáveis com o nascimento.

O nascituro é pessoa desde o
momento em que ele é concebido (o nascituro é um sujeito de direitos).

O nascituro tem apenas
expectativa de direitos.

O nascituro possui direitos sob
condição suspensiva.

O nascituro possui direitos.

Sílvio Rodrigues, Caio Mário, Sílvio
Venosa.

Washington de Barros Monteiro,
Arnaldo Rizzardo.

Silmara Chinellato e a grande
maioria da doutrina.

No REsp 1.415.727-SC, o Min. Relator
Luis Felipe Salomão (sempre genial) afirmou expressamente que, em sua opinião,
o
ordenamento jurídico como um todo – e não apenas o Código Civil de 2002 –
alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação jurídica
do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina
contemporânea
”.

Para o Ministro, mesmo que se diga que
a personalidade jurídica se inicia com o nascimento, ainda assim é forço
concluir que o nascituro já deve ser considerado como pessoa. Caso
contrário, não se vislumbraria nenhum sentido lógico na fórmula “a
personalidade civil da pessoa começa” (art. 2º), se ambas – pessoa e
personalidade civil – tivessem como começo o mesmo acontecimento.

Portanto, o aborto causado pelo
acidente de trânsito subsume-se ao comando normativo do art. 3º, I, da Lei
6.194/74, haja vista que outra coisa não ocorreu, senão a morte do nascituro,
ou o perecimento de uma vida intrauterina.

Trata-se de mais um passo rumo à plena
adoção da teoria CONCEPCIONISTA pelos Tribunais brasileiros.

Artigo Original em Dizer o Direito

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