É proibido que se cobre a taxa de conveniência, ou seja, um valor a mais pelo fato de o ingresso estar sendo vendido pela internet


Venda
de ingressos

O
oferecimento dos ingressos ao público interessado pode ocorrer:


pelo próprio promotor ou produtor do evento; ou

• por meio de pessoa ou empresa
terceirizada.

Existem,
inclusive, empresas especializadas nessa atividade específica. Exs: Ticket Mais,
Tickets For Fun, Sympla, Ingresso Fácil, Ingresso Rápido etc.

 “Taxa de conveniência”

Algumas
empresas especializadas na venda de ingressos cobram dos consumidores um
“valor” adicional pelo fato de eles estarem comprando os ingressos por meio da
sua página na internet.

Imagine,
por exemplo, que o Ingresso Rápido esteja vendendo os ingressos para o show da
Sandy e Júnior. Suponhamos que o ingresso seja R$ 200,00. A empresa de venda,
contudo, cobra R$ 10,00 como “taxa” pelo fato de o consumidor estar adquirindo
o ingresso em sua plataforma de venda na internet. Assim, o consumidor irá
pagar R$ 210,00 (200 do ingresso + 10 pela “taxa”).

Esse
valor cobrado pelas empresas de venda de ingresso ficou conhecida no dia-a-dia
como “taxa de conveniência” (vale ressaltar que não tem nenhuma relação com a
taxa enquanto espécie de tributo).

A
cobrança dessa “taxa de conveniência” é válida?

NÃO.

As empresas terceirizadas que atuam na
venda dos ingressos celebram com o promotor ou produtor do evento um contrato
de intermediação, ou seja, um pacto para que ela conduza negócios em nome do
produtor cultural. Esse ajuste é chamado, pelo Código Civil, de “contrato de
corretagem” (art. 722).

Art. 722. Pelo contrato de corretagem,
uma pessoa (empresa de ingressos),
não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por
qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda (empresa que está produzindo o show) um
ou mais negócios (venda de ingressos),
conforme as instruções recebidas.

O STJ que não há relação contratual direta
entre a empresa de venda de ingressos (que atua como corretora) e o consumidor.
O contrato é entre a empresa de intermediação e a empresa produtora do show
(chamada de incumbente). Logo, quem deve arcar com a remuneração da empresa de
intermediação é a empresa produtora do espetáculo, conforme prevê o art. 725 do
CC:

Art. 725. A remuneração é devida ao
corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no contrato de
mediação, ou ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das
partes.

Para
o STJ, a venda dos ingressos pela internet gera inúmeras vantagens e
comodidades para os promotores dos eventos culturais, de forma que eles devem
ser os responsáveis pelo pagamento da remuneração das empresas que
comercializam os ingressos online.

A
venda pela internet alcança interessados em número infinitamente superior do
que a venda por meio presencial, privilegia os interesses dos produtores e
promotores do espetáculo cultural de terem, no menor prazo possível, vendidos
os espaços destinados ao público e realizado o retorno dos investimentos até
então empregados.

Ao
se cobrar do consumidor essa “taxa de conveniência”, o fornecedor transfere
para o consumidor parcela considerável do risco do empreendimento considerando
que os custos com a venda dos ingressos devem ser arcados pelos próprios
fornecedores.

A
venda do ingresso para um determinado espetáculo cultural é parte típica e
essencial do negócio, risco da própria atividade empresarial que visa o lucro e
integrante do investimento do fornecedor, compondo, portanto, o custo básico
embutido no preço. Assim, na intermediação por meio da corretagem, como não há
relação contratual direta entre o corretor e o terceiro (consumidor), quem deve
arcar, em regra, com a remuneração do corretor é a pessoa com quem ele se
vinculou, ou seja, o incumbente.

Não
se trata de mera conveniência

O
STJ afirmou que a compra pela internet não pode ser considerada uma mera
conveniência. Isso porque, na prática, atualmente, quase todos adquirem os
ingressos online diante dos inúmeros benefícios em relação à compra presencial
(exs: ausência de filas, deslocamentos etc.).

Assim,
é fictícia a liberdade do consumidor em optar pela aquisição virtual ou pela
presencial.

Vantagem
excessiva ao fornecedor

Verifica-se,
portanto, da soma desses fatores, o desequilíbrio do contrato, tornando-o extremamente
desvantajoso ao consumidor enquanto confere vantagem sem excessiva ao
fornecedor, o que também acaba por vulnerar o princípio da vedação à lesão
enorme, previsto nos arts. 39, V, e 51, IV, do CDC.

Desse
modo, deve ser reconhecida a abusividade da prática da venda casada imposta ao
consumidor em prestação manifestamente desproporcional, devendo ser admitido
que a remuneração da intermediadora da venda, mediante a taxa de conveniência,
deveria ser de responsabilidade das promotores e produtores de espetáculos
culturais, verdadeiros beneficiários do modelo de negócio escolhido.

Lesão
enorme

Segundo
a lesão enorme, “são abusivas as cláusulas que configurem lesão pura,
decorrentes da simples quebra da equivalência entre as prestações, verificada,
de forma objetiva, mesmo que não exista vício na formação do acordo de
vontades” (Min. Nancy Andrighi, REsp 1.737.428-RS).

O instituto da lesão enorme está
previsto expressamente no art. 39, V, e no art. 51, IV, do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de
produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

(…)

V – exigir do consumidor vantagem
manifestamente excessiva;

Art. 51. São nulas de pleno direito,
entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e
serviços que:

(…)

IV – estabeleçam obrigações
consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Lesão
do CC x Lesão enorme do CDC

“Cumpre
anotar que o Código Civil de 2002 consagrou a lesão como vício do
consentimento, a gerar a anulação do negócio jurídico correspondente (arts. 157
e 171 do CC). Todavia, a lesão civilista tem uma feição subjetiva, por exigir a
premente necessidade ou inexperiência, ao lado da onerosidade excessiva. A
lesão tratada pelo art. 51, inc. IV, é uma lesão objetivada, como o é todo o
sistema consumerista; bastando o mero desequilíbrio pela quebra da boa-fé e da
função social para a sua configuração. Ato contínuo, a lesão consumerista gera
a nulidade absoluta e não relativa do contrato, trazendo uma consequência de
maior gravidade.” (TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. 7ª ed.,
São Paulo: Método, 2018, p. 336).

A
venda dos ingressos pela internet pode ocorrer por meio de uma única empresa? Ex:
somente a Tickets For Fun vende os ingressos do show do Pearl Jam; apenas a Ingresso
Fácil vende os ingressos para o show do Red Hot Chili Peppers?

NÃO.

A
empresa produtora do show pode vender seus ingressos na internet unicamente por
meio de seu próprio site.

No
entanto, se o produtor/promotor do espetáculo cultural decidir vender os
ingressos na internet por meio de empresa terceirizada (empresa especializada
em venda de ingressos), este produtor/promotor deverá oferecer ao consumidor
diversas opções de compra em diversos sites.

Para o STJ, se o produtor/promotor
oferecer os ingressos por meio de uma única empresa de venda online, isso
limita a liberdade de escolha dos consumidores e configura venda casada, na modalidade
indireta ou “às avessas”, nos termos do art. 39, I e IX, do CDC:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de
produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I – condicionar o fornecimento de
produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como,
sem justa causa, a limites quantitativos;

(…)

IX – recusar a venda de bens ou a
prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante
pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis
especiais;

Em
suma:

É
abusiva a venda de ingressos em meio virtual (internet) vinculada a uma única
intermediadora e mediante o pagamento de taxa de conveniência.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.737.428-RS, Rel.
Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/03/2019 (Info 644).

Eficácia
nacional

A
decisão acima explicada foi proferida no bojo de uma ação civil pública (ação
coletiva de consumo) proposta por uma associação de defesa do consumidor, de
forma que o STJ afirmou que: “os efeitos e a eficácia da sentença coletiva não
estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e
subjetivos do que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a
extensão do dano e a qualidade dos interesses metaindividuais postos em juízo”.

Em
outras palavras, essa decisão proibindo a cobrança de taxa de conveniência e a
venda por meio de uma única empresa vale em todo o território nacional.
Essa
é a jurisprudência atual do STJ que não aplica o art. 16 da LACP de forma
literal:

No julgamento do REsp 1.243.887/PR, sob
o rito dos recursos representativos de controvérsia, a Corte Especial, ao
analisar a regra prevista no art. 16 da Lei n. 7.347/1985, consignou ser
indevido limitar a eficácia de decisões proferidas em ações civis públicas
coletivas, de maneira aprioristica, ao território da competência do órgão
judicante.

STJ. Corte Especial. AgInt nos EREsp
1447043/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 05/09/2018.

Importante, no entanto, esclarecer que esta decisão vincula apenas a empresa que foi ré na ação (Ingresso Rápido Promoção de Eventos Ltda.). As demais empresas não estão formalmente obrigadas a cumprir a decisão. No entanto, caso algum consumidor questione judicialmente, a chance de ter sucesso é muito grande.

Artigo Original em Dizer o Direito

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