Olá, amigos do Dizer o Direito,

Foi publicada hoje a Lei nº 13.821/2019, que acrescenta um
parágrafo no art. 14 da Lei nº 11.107/2005 (Lei dos consórcios públicos).

Vamos entender o que mudou, mas, antes, é necessário fazer
uma breve revisão a respeito dos consórcios públicos

NOÇÕES GERAIS SOBRE OS CONSÓRCIOS PÚBLICOS

O que é um “consórcio público”?

Consórcio
público é a “pessoa jurídica formada exclusivamente por entes da Federação, na
forma da Lei nº 11.107, de 2005, para estabelecer relações de cooperação
federativa, inclusive a realização de objetivos de interesse comum, constituída
como associação pública, com personalidade jurídica de direito público e
natureza autárquica, ou como pessoa jurídica de direito privado sem fins
econômicos” (art. 2º, I, do Decreto nº 6.017/2007).

O consórcio público é como se fosse uma “parceria”
firmada por dois ou mais entes da federação para que estes, juntos, tenham mais
força para realizar objetivos de interesse comum.

Ex: três municípios decidem fazer um consórcio
público entre si para construção de um hospital que atenda à população das três
localidades.

Previsão constitucional

A própria CF/88 estimulou que a União, os
Estados, o DF e os Municípios formassem consórcios públicos para a realização
de objetivos comuns.

Para tanto, a CF/88 determinou que fosse editada
uma lei regulamentando como esses consórcios deverão funcionar.

Veja a previsão
constitucional:

Art. 241. A União, os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios
públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a
gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou
parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos
serviços transferidos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19/98)

Lei nº 11.107/2005

Para
atender à determinação constitucional, foi editada a Lei nº 11.107/2005, que dispõe
sobre normas gerais de contratação de consórcios públicos.

O art. 1º da Lei permite que a União, os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios contratem entre si consórcios públicos para
a realização de objetivos de interesse comum.

Os objetivos dos consórcios
públicos serão determinados pelos entes da Federação que se consorciarem,
observados os limites constitucionais (ex: não é possível que dois
Estados-membros façam um consórcio entre si para explorar um porto marítimo,
considerando que se trata de competência da União, nos termos do art. 21, XII,
“f”, da CF/88).

A organização e funcionamento dos consórcios públicos serão
disciplinados pela Lei nº 11.107/2005 e pela legislação que rege as associações
civis (no que não contrariar a Lei nº 11.107/2005).

Personalidade jurídica própria

O consórcio público, depois de constituído,
adquire personalidade jurídica, que pode ser:

• de direito público
(chamada, neste caso, de associação pública; possui natureza autárquica);

• de direito privado
sem fins econômicos.

Art. 6º O consórcio público adquirirá personalidade jurídica:

I – de direito público, no caso de constituir associação
pública, mediante a vigência das leis de ratificação do protocolo de intenções;

II – de direito privado, mediante o atendimento dos requisitos
da legislação civil.

Desse modo, a Lei confere duas opções aos entes consorciados
que irão formar o consórcio:

a) Consórcio público com personalidade jurídica de direito
público.

É uma entidade da Administração Pública:

Art. 6º (…)

§ 1º O consórcio público com personalidade jurídica de direito
público integra a administração indireta de todos os entes da Federação
consorciados.

b) Consórcio público com personalidade jurídica de direito privado.

Os consórcios públicos estão obrigados a cumprir as exigências da administração
pública relacionadas com licitação, contratos e prestação de contas?

SIM.

• O consórcio público com personalidade jurídica de direito
público integra a administração pública e, portanto, está submetida a todas as
regras aplicáveis às demais entidades.

• O consórcio público com personalidade jurídica de direito privado,
apesar de não integrar a administração pública, também está submetida às regras
de licitação segundo previsão expressa do § 2º do art. 6º da Lei nº
11.107/2005.

Desse modo, a formação de um consórcio público com
personalidade jurídica de direito privado não serve para flexibilizar as regras
administrativas. Os consórcios públicos, ainda que revestidos de personalidade
jurídica de direito privado, observarão as normas de direito público no que
concerne à realização de licitação, celebração de contratos, admissão de
pessoal e à prestação de contas.

Participação da União

A União somente participará de consórcios públicos em que
também façam parte todos os Estados em cujos territórios
estejam situados os Municípios consorciados.

Instrumentos para que os consórcios realizem seus objetivos

Para o cumprimento de seus objetivos, o consórcio público
poderá:

I – firmar convênios, contratos, acordos de qualquer
natureza, receber auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas de
outras entidades e órgãos do governo;

II – nos termos do contrato de consórcio de direito público,
promover desapropriações e instituir servidões nos termos de declaração de
utilidade ou necessidade pública, ou interesse social, realizada pelo Poder
Público; e

III – ser contratado pela administração direta ou indireta
dos entes da Federação consorciados, dispensada a licitação.

Contrato de consórcio

O consórcio público será constituído por meio de um “contrato”,
cuja celebração dependerá da prévia subscrição de protocolo de intenções.

O contrato de consórcio público será celebrado com a
ratificação, mediante lei, do protocolo de intenções.

CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIO DA UNIÃO COM O CONSÓRCIO E A EXISTÊNCIA DE
PENDÊNCIAS RELACIONADAS COM UM DOS SEUS INTEGRANTES

Convênios celebrados entre a União e um consórcio público

A União poderá celebrar convênios com os consórcios
públicos, com o objetivo de viabilizar a descentralização e a prestação de
políticas públicas em escalas adequadas (art. 14 da Lei nº 11.107/2005).

Vale ressaltar que, para celebrar um consórcio com a União,
é necessário que o consórcio apresente uma série de documentos que comprovem a
sua regularidade fiscal, tributária e previdenciária.

Imagine
agora a seguinte situação hipotética:

Cinco
Municípios decidiram constituir um consórcio público, formando, assim, uma nova
personalidade jurídica de direito público (o Consórcio intermunicipal ABCDE).

O
objetivo do consórcio é promover o desenvolvimento da agricultura no território
destes Municípios.

A
fim de atingir suas finalidades, o Consórcio buscou realizar um convênio com a
União (Ministério da Agricultura) para receber verbas federais.

Após
receber todos os documentos, a União se recusou a assinar o convênio alegando
que um dos Municípios que compõe o Consórcio (Município “B”) está inscrito no
CAUC por conta de pendências (“dívidas”) que ele possui com uma autarquia
federal.

Diante
deste fato novo, a União afirmou que não foram cumpridas as exigências legais
de regularidade para a assinatura do convênio com o Consórcio.

Abrindo um parêntese para explicar o
que é CAUC

CAUC
é a sigla de Cadastro Único de Exigências para Transferências Voluntárias.

O
CAUC é um instrumento de consulta, por meio do qual se pode verificar se os
Estados-membros ou Municípios estão com débitos ou outras pendências perante o
Governo federal.

O
CAUC é alimentado com as informações constantes em bancos de dados como o SIAFI
e o CADIN.

Se
houver, por exemplo, um atraso do Estado ou do Município na prestação de contas
de um convênio com a União ou suas entidades, essa informação passará a figurar
no CAUC.

Com
a inscrição no CAUC, o ente devedor fica impedido de contratar operações de
crédito, celebrar convênios com órgãos e entidades federais e receber
transferências de recursos.

Em
uma alegoria atécnica, para que você entenda melhor, seria como se fosse um
“Serasa” de débitos dos Estados e Municípios com a União, ou seja, um cadastro
federal de inadimplência.

Voltando ao exemplo dado: mostra-se correto o argumento invocado pela
União para se recusar a assinar o convênio?

NÃO. Antes da Lei nº 13.821/2019 havia certa polêmica, no
entanto, pode-se dizer que o melhor entendimento sobre o tema era no sentido de
que:

O consórcio público pode sim formalizar convênio
com a União mesmo que um dos seus integrantes possua restrições com o CAUC (ou
outro cadastro restritivo), desde que a pessoa jurídica do consórcio não apresente
nenhuma pendência para com a União.

Consórcio
público forma uma nova pessoa jurídica

Quando
os entes federativos formam um consórcio público, isso resulta na instituição
de uma nova pessoa jurídica, com personalidade distinta da personalidade das
entidades consorciadas (art. 1º, § 1º, da Lei nº 11.107/2005). Como decorrência
disso, o consórcio público possui autonomia administrativa, financeira e
orçamentária em relação aos entes que o criaram.

Princípio
da intranscendência das sanções

Segundo
o princípio da intranscendência das sanções, as penalidades e as restrições de
ordem jurídica não podem superar a dimensão estritamente pessoal do infrator,
ou seja, não podem prejudicar outras pessoas jurídicas.

Ao
se recusar a firmar o convênio por conta de uma restrição de um integrante do
Consórcio, a União viola o princípio da intranscendência porque faz com que a
irregularidade praticada por uma pessoa jurídica de direito público (Município)
produza sanções em outra pessoa jurídica, integrante da administração indireta
(no caso, o consórcio público de direito público).

Esses argumentos foram acolhidos pela 2ª Turma do STJ ao
apreciar o REsp 1.463.921-PR, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 10/11/2015.

O que fez a Lei nº 13.821/2019?

Inseriu o parágrafo único ao
art. 14 da Lei nº 11.107/2005, encampando esse entendimento do STJ e afirmando,
expressamente, que os requisitos de regularidade para a celebração do convênio
entre a União e o Consórcio devem ser analisados com base na pessoa jurídica do
Consórcio, não havendo motivos para se negar a assinatura do instrumento por
conta de restrições existentes em nome de um dos integrantes do Consórcio,
tendo em vista que são pessoas jurídicas distintas:

Art. 14. A União poderá celebrar convênios com os consórcios
públicos, com o objetivo de viabilizar a descentralização e a prestação de
políticas públicas em escalas adequadas.

Parágrafo
único. Para a celebração dos convênios de que trata o caput deste artigo, as
exigências legais de regularidade aplicar-se-ão ao próprio consórcio público
envolvido, e não aos entes federativos nele consorciados. (Parágrafo único
inserido pela Lei nº 13.821/2019)

Márcio André Lopes Cavalcante

Professor. Juiz Federal

Artigo Original em Dizer o Direito

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