Empresa em recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre a sua viabilidade econômica


Recuperação judicial

A recuperação judicial consiste em
um processo judicial, no qual será construído e executado um plano com o
objetivo de recuperar a empresa que está em vias de efetivamente ir à falência.
Logo, em vez de a empresa ir à falência (o que é nocivo para a economia, para
os donos da empresa, para os funcionários etc.), tenta-se dar um novo fôlego
para a sociedade empresária, renegociando as dívidas com os credores.

Na antiga Lei de Falências, esse
processo era chamado de “concordata” (DL 7.661/45).

A Lei nº 11.101/2005 acabou com a
“concordata” e criou um novo instituto, com finalidade semelhante chamado de
recuperação judicial.

Assim, a recuperação judicial
surgiu para substituir a antiga “concordata” e tem por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise do devedor, a fim de permitir que a atividade
empresária se mantenha e, com isso, sejam preservados os empregos dos
trabalhadores e os interesses dos credores.

Imagine agora a seguinte situação
hipotética:

Grama Baixa Terraplanagem Ltda é
uma sociedade empresária que está passando por um processo de recuperação
judicial.

O plano de recuperação já foi
aprovado em assembleia geral de credores e homologado pelo juiz. Além disso, a
empresa vem cumprindo rigorosamente as obrigações estipuladas.

Ocorre que um dos principais
“clientes” desta empresa sempre foi o poder público, ou seja, antes da
recuperação judicial, ela já prestou, diversas vezes, serviço para a
Administração Pública.

O Estado do Espírito Santo abriu
uma licitação destinada a contratar uma empresa para realizar serviços de
terraplanagem em um imóvel público.

A Grama Baixa
tentou participar da licitação, mas foi desclassificada do procedimento. Isso
porque um dos documentos exigidos pelo art. 31 da Lei nº 8.666/93 é a certidão
negativa de falência ou recuperação judicial. Veja:

Art. 31.  A documentação relativa à qualificação
econômico-financeira limitar-se-á a:

(…)

II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribuidor da sede da pessoa jurídica,
ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;

A empresa impetrou mandado de
segurança contra a inabilitação. Diante disso, indaga-se: é possível que uma
empresa que se encontra em recuperação judicial participe de procedimento
licitatório?

SIM.

Se você observar novamente a
redação do art. 31, II, da Lei nº 8.666/93, verá que ela ainda fala em
“concordata”. Assim, o art. 31 da Lei nº 8.666/93 não teve o texto alterado
para se amoldar à nova sistemática, tampouco foi derrogado (expressamente).

Diante dessa situação,
surgiu a seguinte polêmica na doutrina:

As
restrições impostas à antiga concordata aplicam-se agora para a recuperação
judicial?

Quando o art. 31, II, da Lei 8.666/93 fala em
“concordata”, deve-se ler agora “recuperação judicial”?

A
empresa que participar de licitação deverá apresentar certidão negativa de
recuperação judicial?

1ª corrente: SIM

2ª corrente: NÃO

Os efeitos da concordata sobre
a contratação administrativa devem ser aplicados à recuperação judicial. Isso
porque há a presunção de insolvência da empresa em crise.

Desse modo, empresas que estão
em recuperação judicial não poderiam participar de licitações.

Como o art. 31, II, da Lei de
Licitações não foi alterado para substituir certidão negativa de concordata
por certidão negativa de recuperação judicial, a Administração não pode
exigir tal documento como condição de habilitação, haja vista a ausência de
autorização legislativa.

Assim, as empresas submetidas à
recuperação

judicial estão dispensadas da
apresentação da referida certidão.

É a posição, por exemplo, de
Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos. 16ª ed., São Paulo: RT, 2014, p. 638).

É a posição defendida por Joel de Menezes Niebuhr (Licitação Pública e Contrato
Administrativo
. 4ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2015, p. 447).

Foi a corrente adotada pelo
STJ.

O art. 31, I,I da Lei nº 8.666/93
é uma norma restritiva e, por isso, não admite interpretação que amplie o seu
sentido. Por força do princípio da legalidade, é vedado à Administração conferir
interpretação extensiva ou restritiva de direitos, quando a lei assim não o
dispuser de forma expressa.

Logo, é incabível a automática
inabilitação de empresas em recuperação judicial unicamente pela não
apresentação de certidão negativa.

Vale
ressaltar que o art. 52, I, da Lei nº 11.101/2005, que é posterior à Lei de Licitações,
prevê a possibilidade de as empresas em recuperação judicial contratarem com o
Poder Público (devendo apresentar ao Poder Público as certidões positivas de
débitos). Ora, se tais empresas podem contratar com o poder público, devemos
interpretar que o legislador permitiu que elas participassem de licitações,
considerando que, em regra, só se pode contratar com a Administração Pública
após prévio procedimento licitatório. Veja:

Art. 52. Estando em termos a
documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da
recuperação judicial e, no mesmo ato:

(…)

II – determinará a dispensa da
apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios
ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta
Lei;

O escopo (objetivo) primordial da
Lei nº 11.101/2005 é viabilizar a superação da situação de crise
econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação da empresa, a sua função social e o estímulo à
atividade econômica.

Diferentemente da concordata,
cujo objetivo precípuo era o de assegurar a proteção dos credores e a
recuperação de seus créditos, a nova Lei busca a proteção da empresa que se
encontre em dificuldades econômicas.

A interpretação sistemática dos
dispositivos da Lei nº 8.666/93 e da Lei nº 11.101/2005 nos leva à conclusão de
que é possível uma ponderação equilibrada entre os princípios nelas imbuídos,
pois a preservação da empresa, a sua função social e o estímulo à atividade econômica
atendem também, em última análise, ao interesse da coletividade, uma vez que se
busca a manutenção da fonte produtora, dos postos de trabalho e dos interesses
dos credores.

Negar à pessoa jurídica em crise
econômico-financeira o direito de participar de licitações públicas, única e
exclusivamente pela ausência de entrega da certidão negativa de recuperação
judicial, vai de encontro ao sentido atribuído pelo legislador ao instituto
recuperacional.

Cautelas podem ser exigidas para
se demonstrar a capacidade econômica da empresa

É necessário
que se adotem providências a fim de avaliar se a empresa recuperanda
participante do certame, caso seja vencedora, tem condições de suportar os
custos da execução do contrato. Significa dizer, é preciso aferir se a empresa
sujeita ao regime da Lei nº 11.101/2005 possui aptidão econômica e financeira,
conforme exige o art. 27, III, da Lei nº 8.666/93:

Art. 27. Para a habilitação nas
licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa
a:

(…)

III – qualificação
econômico-financeira;

Daí se infere que a dispensa de
apresentação de certidão negativa não exime a empresa em recuperação judicial
de comprovar a sua capacidade econômica para poder participar da licitação.

Se a empresa estiver em
recuperação judicial, caberá à Administração Pública (pregoeiro ou comissão de
licitação) diligenciar a fim de avaliar a real situação de capacidade econômico-financeira
da empresa licitante.

Dessa forma, a exigência de
apresentação de certidão negativa de recuperação judicial deve ser relativizada
a fim de possibilitar à empresa em recuperação judicial participar do certame,
desde que demonstre, na fase de habilitação, a sua capacidade econômica.

Em suma:

Sociedade empresária em
recuperação judicial pode participar de licitação, desde que demonstre, na fase
de habilitação, a sua viabilidade econômica.

STJ. 1ª Turma. AREsp 309.867-ES, Rel. Min. Gurgel de Faria,
julgado em 26/06/2018 (Info 631).

Artigo Original em Dizer o Direito

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