Expositores apresentam múltiplas visões sobre cotas para pessoas com deficiência no setor aeroportuário

A audiência pública, convocada pelo ministro Cláudio Brandão, visa reunir informações para a condução de duas negociações em andamento sobre a matéria

Audiência pública sobre cotas no setor aeroportuário

Audiência pública sobre cotas no setor aeroportuário

O Tribunal Superior do Trabalho recebeu, nesta terça-feira (14), a contribuição de 20 expositores na audiência pública convocada pelo ministro Cláudio Brandão para discutir a aplicação da Lei de Cotas no setor aeroportuário. 

Diferentes perspectivas

Ministro Emmanoel Pereira: “As dificuldades na capacitação de pessoas para o exercício do trabalho devem ser cuidadosamente sopesadas com as questões sociais envolvidas”

Na abertura, o presidente do TST, ministro Emmanoel Pereira, ressaltou a relevância da atividade aeroportuária para a sociedade e a responsabilidade coletiva com a segurança da aviação, por um lado, e, por outro, a essencialidade das ações inclusivas, para concretizar os ideais de empregabilidade, cidadania e respeito às diferenças. Segundo o ministro, a dinâmica do cumprimento da Lei de Cotas passa pela valoração e pela racionalidade dos requisitos das atividades a serem desempenhadas. “As dificuldades na capacitação de pessoas para o exercício do trabalho devem ser cuidadosamente sopesadas com as questões sociais envolvidas”, ressaltou.

Para o presidente do TST, a participação de especialistas na audiência agrega conhecimentos sobre o tema que vão ajudar a aperfeiçoar a compreensão do Tribunal sobre a discussão. “É indispensável que a magistratura trabalhista esteja aberta às diferentes perspectivas do universo do trabalho para formar seu convencimento”, afirmou. “Esse é o melhor modo de a Justiça do Trabalho atuar, em conjunto com os diversos atores da sociedade, no intuito de alcançarmos, juntos, a solução que melhor atenda aos anseios de todos”.

Inclusão

O ministro Cláudio Brandão, relator de dois processos em tramitação no TST sobre o assunto, destacou que, antes do encontro, já havia se reunido diversas vezes com os advogados de empresas e trabalhadores. Na semana passada, ele realizou inspeção no Aeroporto de Guarulhos (SP), para conhecer a realidade dos postos de trabalho, as dificuldades no seu preenchimento, a qualificação necessária e as exigências técnicas para que se pudesse abrir o debate sobre o tema, “para que, na audiência pública, pudéssemos ter mais condições de enfrentar esse importante debate sobre inclusão”. 

Para o ministro, o tema requer muita atenção da sociedade. “Estamos falando da inclusão de um contingente populacional que, segundo o último censo de 2010 do IBGE, é de 45,6 milhões de pessoas, ou 24% da população brasileira, das quais apenas 530 mil ocupam trabalho no mercado formal”, afirmou. Quase metade dessas ocupações é reservada para pessoas com deficiência física, e a maior parte é desempenhada por homens. 

Os números, segundo o relator, demonstram que há um longo caminho a ser percorrido na busca por requisitos legais, formais e necessários que propiciem a melhor qualificação para ocupação dos postos de trabalho, paralelamente à discussão sobre a melhor forma de propiciar a inclusão das pessoas com deficiência nos diversos setores da economia.

Complexidade do setor

Na audiência, representantes de empresas, trabalhadores, associações e concessionárias do ramo de transporte aéreo demonstraram as peculiaridades que envolvem a implementação das cotas no setor. Durante as exposições, foi ressaltado que as operações nos aeroportos são complexas e têm limitações de ordem legal e normativa. Um fator destacado são as limitações impostas pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que, ao delimitar determinadas atividades, acaba limitando a atuação de pessoas com deficiência. 

A falta de infraestrutura também foi citada pela maioria dos expositores como um limitador para o cumprimento pleno da legislação. Segundo o advogado Maurício Rodrigo Tavares Levy, as limitações “não são um capricho”, mas estão ligadas à segurança e à eficiência do trabalho. “Não basta apenas colocar um número de trabalhadores e dizer que a cota está cumprida”, afirmou. “Deve-se proporcionar uma estrutura adequada para que as pessoas desenvolvam suas atividades”. 

Outra limitação apontada foi a ausência de mão de obra qualificada para algumas atividades específicas do setor. O representante do Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea), João Gazzoli, destacou que muitas delas envolvem riscos e estão sujeitas às Normas de Segurança Operacional no Setor Aéreo.

Serviços específicos

Em contraponto, o representante do Sindicato Nacional dos Aeroviários (SNA), Klaus Stenius, afirmou que o sindicato não havia sido procurado por nenhuma empresa, autoridade local ou concessionária para discutir a realização de obras estruturais para melhorar a acessibilidade e promover adaptações para o cumprimento das cotas.

Em relação aos serviços que poderiam ser prestados por pessoas com deficiência, elencou os de balança, check-in, conferência de bagagem, acompanhamento de passageiros, apontamento das bagagens, inspeção de aeronave, segurança e monitoramento de bagagem. “Porém, nunca recebemos nenhuma proposta de empresas para participar de mediação junto ao Ministério Público do Trabalho, para que seja cobrado das concessionárias ou mesmo da Infraero as medidas para viabilizar a colocação de pessoas com deficiência, seja ela qual for, em locais de risco”, acrescentou.

Estereótipos e preconceitos

A secretária nacional dos direitos da pessoa com deficiência do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Ana Paula Nedavaska, disse que, apesar de 30 anos da Lei de Cotas, legislação boa e multa não conferiram, ainda, uma boa resposta à inclusão de pessoas com deficiência, que ocupam apenas 50% de vagas destinadas a elas (92% delas por cota  e 8% preenchidas de forma espontânea pelas empresas). 

Entre as possíveis respostas, a secretária apontou o preconceito em relação à capacidade dessas pessoas e a falta de conscientização das empresas que, muitas vezes, não têm interesse em promover a inclusão. “Contratam apenas para cumprir a cota, porque acham que sai mais barato pagar a multa”, avalia. Questões como uma visão assistencialista e de incapacidade também foram apontadas pelos especialistas como barreira à inclusão profissional da pessoa com deficiência.

Olhar inclusivo

Outra questão bastante discutida nas exposições foi a necessidade de a área de Recursos Humanos (RHs) das empresas terem um olhar mais inclusivo na hora da seleção. Para a secretária, muitas vezes as pessoas são eliminadas já na entrevista, só em razão da deficiência. A visão foi compartilhada pela secretária de estado dos direitos da pessoa com deficiência de São Paulo, Aracélia Costa, que ressaltou que os RHs deveriam avaliar pelo perfil de vaga, e não pela deficiência. “O laudo não pode ser baseado só no CID na hora da avaliação pelo RH”, observou.

Já para a auditora fiscal do trabalho Lailah Vasconcelos de Oliveira Vilela, há um mito de que essas pessoas não são produtivas ou que são mais frágeis e suscetíveis a riscos, que vão se ferir ou ferir os outros, quando, na verdade, deve haver uma adaptação razoável. Segundo ela, é preciso avaliar as potencialidades das pessoas com deficiência e, não as dificuldades. 

Experiência bem sucedida

O último expositor foi José Eduardo de Souza, diretor da Padaria Real, de Sorocaba (SP), ganhadora do prêmio “Boas Práticas de Empregabilidade para Trabalhadores com Deficiência” da Organização das Nações Unidas (ONU). Ele relatou a trajetória da inclusão de pessoas com diversos tipos de deficiência (auditiva, visual, física, mental, etc.), que começou com a necessidade de cumprimento da cota e acabou se integrando à cultura e à identidade da empresa.

(DA, RR//CF)

Leia mais:

14/6/2022 – TST ouve setores da sociedade sobre cotas no setor aeroportuário em audiência nesta terça-feira (14)


Fonte: TST – Tribunal Superior do Trabalho

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