Ministro aponta aumento de mortes violentas ao manter condenação por posse ilegal de munições
O aumento do número de mortes violentas intencionais no Brasil reforça a necessidade de uma “atuação responsável” do Judiciário diante da apreensão de munições em situação ilegal, sobretudo no atual contexto de maior acesso a armas. A afirmação foi feita pelo ministro Rogerio Schietti Cruz na Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento que manteve a condenação de um homem flagrado enquanto transportava 23 munições calibre 38.
Segundo o magistrado, o tribunal tem a firme orientação no sentido de que a posse ilegal de munição de uso permitido, mesmo sem a arma, caracteriza o crime do artigo 12 da Lei 10.826/2003, no qual se presume a ocorrência de risco à segurança pública, não havendo a necessidade de dano efetivo às pessoas.
Por outro lado, ele lembrou que o Supremo Tribunal Federal passou a admitir a aplicação do princípio da insignificância em situações específicas, quando a ínfima quantidade de projéteis, a ausência da arma e os demais elementos do caso evidenciarem a inexistência total de perigo à paz social.
Aumento da violência e do acesso às armas de fogo
Na avaliação do ministro, contudo, a análise da matéria não pode se desvincular do panorama nacional. Em seu voto, ele mencionou que, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o número de mortes violentas intencionais no Brasil voltou a crescer, acumulando um aumento de 7,3% nos primeiros seis meses de 2020.
Schietti lembrou que, recentemente, foram editados mais de 30 atos normativos na tentativa de desburocratizar e ampliar o acesso a armas e munições, tendo o Atlas da Violência de 2020 verificado que há hoje mais de 2,1 milhões de registros de armas de fogo ativos nos sistemas federais, com um aumento, entre 2019 e 2020, de 120,3% dos registros entre colecionadores, atiradores e caçadores.
“Nos últimos três anos, as políticas desenvolvidas pelo governo federal e as declarações do próprio presidente da República contribuíram sobremaneira para o detectado aumento significativo de aquisição de armas de fogo por civis”, declarou.
Crime independe da quantidade de munições
De acordo com Schietti – cujo voto foi seguido pela maioria da Terceira Seção –, o legislador incluiu a previsão de que a posse ou o porte de munições, tanto de uso restrito quanto de uso permitido, caracteriza uma das figuras típicas previstas nos artigos 12, 14 e 16 da Lei 10.826/2003, independentemente da quantidade e da existência do conjunto completo (arma acompanhada de munição).
Na opinião do ministro, tendo o legislador optado por punir a posse ou o porte ilegal de munição isoladamente, a conduta só pode ser considerada atípica se o agente não representar nenhum perigo à segurança pública – caso, por exemplo, de quem “guardava um cartucho da Segunda Guerra Mundial que pertenceu a um ascendente, usava um projétil como adorno em chaveiro ou outro adereço pessoal, colecionava um projétil de cada tipo de arma etc., situações que descaracterizam a própria natureza do artefato”.
Para o magistrado, as circunstâncias descritas na denúncia permitem concluir que o caso em julgamento não se enquadra nas situações excepcionais reconhecidas pela jurisprudência para configurar a atipicidade da conduta, sobretudo por se tratar do transporte de relevante quantidade de munições – “suficientes para carregar, com sobra, cinco revólveres de calibre 38, sendo possível aferir o enorme potencial de risco que tal circunstância representa para vidas humanas”.