O ministro Luís Roberto Barroso também participou da Brazil Conference, na Universidade de Harvard, compondo, no sábado (6), o painel “Tolerância: Relações entre Estado e Religião no Brasil”, ao lado da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, do arcebispo de São Paulo, Dom Odilo Scherer, e da deputada federal Geovania de Sá (PSDB/SP).

Ética

Para o ministro, a religião é uma forma de introduzir ética nas relações humanas, mas não a única. “As pessoas têm o direito de escolher seus caminhos, mas o dever de viver uma vida ética de acordo com seus valores e suas convicções”, defendeu. A seu ver, vida ética pode se materializar em uma proposição que unifica todas as reigiões e todas as principais filosofias: devemos agir em relação ao outro da mesma maneira que gostaríamos que agissem em relação a nós mesmos. “Parece complexo, mas é relativamente simples e se resolve em duas perguntas: e se fizessem comigo? e se todo mundo se comportasse assim?”, exemplificou. Barroso disse que a palavra tolerância, embora boa, “pode dar uma impressão de condescendência”. A ela, ele prefere a palavra respeito: “Somos iguais, e você tem o direito de ser como é, respeitando o meu direito de ser como sou”.

Papel do Estado

Ele defendeu a laicidade do Estado e o papel do Judiciário na garantia das liberdades religiosas e de escolha. Um dos exemplos citados foi o reconhecimento, pelo STF, da união homoafetiva. “A Constituição prevê formalmente três modalidades de família: as que resultam do casamento, as monoparentais e as resultantes das uniões estáveis. Por decisão do STF, o elenco foi ampliado para quatro, incluindo as uniões homoafetivas. E o STF agiu bem: o Estado não tem o direito de impedir que uma pessoa coloque seu sentimento e sua sexualidade onde mora o seu desejo”, afirmou.

Em outro tema, o aborto, o ministro observou que a discussão diz respeito à religiosidade, por um lado, e aos direitos fundamentais das mulheres, por outro. Barroso ressaltou que o aborto é uma coisa ruim, e, por isso, o papel do Estado é evitar que ele ocorra, por meio da educação sexual, do acesso aos contraceptivos e do amparo às mulheres em condições adversas que desejem ter filhos. No entanto, lembrou que a criminalização não impacta minimamente no número de abortos, mas afeta “de maneira grave e desproporcional” as mulheres pobres, que não têm acesso ao sistema de saúde. “A política pública deve tornar o aborto raro, porém seguro”, defendeu.

Barroso ressaltou que qualquer religião tem o direito de pregar contra o aborto, de proibir que seus fiéis o façam e de defender sua posição, “mas criminalizar é uma forma autoritária e intolerante de não aceitação do outro”. Segundo o ministro, nenhum país do mundo democrático criminaliza o aborto, nem os mais católicos, como Itália, Portugal e Espanha. “Para ser contrário, não é preciso defender a criminalização”, afirmou.

Drogas

Nos debates, Barroso foi questionado também sobre a questão das drogas, e defendeu que o papel do Estado deve ser semelhante ao proposto em relação ao aborto: desincentivar o consumo, evitar o tráfico e apoiar dependentes. “A guerra às drogas fracassou, e tratar com polícia e prisão não está funcionando”, afirmou.

Segundo o ministro, a criminalização só assegura o monopólio do tráfico. No Brasil, Barroso aponta que o problema maior não é o mesmo dos países do hemisfério norte, com foco no usuário, mas o poder que o tráfico exerce sobre comunidades carentes. “A política deve ser a de libertar essas comunidades e impedir o encarceramento de jovens primários que são presos com pequenas quantidades e já respondem por quase 30% do sistema”, propôs.

Marcos regulatórios

A procuradora-geral da República também defendeu a interferência do Estado para permitir que todas as formas distintas de crença possam ser exercidas de maneira aberta. Além da Constituição, Raquel Dodge lembrou que o Código Civil e o Código Penal têm mecanismos para assegurar o exercício dessas liberdades. “A primeira atitude do Estado é permitir o debate público a respeito das posições diferentes e valorá-las por meio de leis e decisões judiciais, quando a lei não é suficiente para disciplinar”, afirmou.

Dodge destacou que o Ministério Público atua para assegurar as liberdades. “A democracia não se preocupa apenas com a promoção de eleições justas e livres, mas com a defesa de liberdades, desde a mais íntima, que consiste em ter opinião ou crença ou de não tê-las e de poder atuar no espaço público, sem nenhuma coerção do Estado ou de outros grupos religiosos”, afirmou.

CF/EH

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