Os Estados não podem reduzir direitos, garantias e liberdade dos cidadãos em respostas às ameaças cibernéticas, diz pesquisador português

O “Seminário Luso-Brasileiro Inteligência Artificial e Direito” entrou nesta quinta-feira (29) no seu segundo e último dia. O evento está sendo realizado pelo Superior Tribunal Militar (STM), Escola de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados da Justiça Militar da União (Enajum) e pela Universidade do Minho, de Portugal.

Os primeiros paineis do dia foram compostos, em sua maioria, por professores-doutores e pesquisadores portugueses.

O primeiro deles foi Pedro Morais, pesquisador da Universidade do Minho, que, na modalidade ONLINE, trouxe o tema “Cibersegurança: Ameaça em rede num mundo enredado”, questionando “Como devem se comportar os Estados-Nações na regulamentação e nas implementações do controle do ciberespaço?”. Antes de entrar no tema, o palestrante trouxe um fato interessante iniciado em 2007, ocorrido na fronteira entre a Rússia e a Ucrânia, quando da realização de um projeto cinematográfico, numa espécie de reality show. Chamado de “Projeto DAU”, a obra audiovisual queria retratar, de modo fictício, o absolutismo soviético.  

O primeiro filme lançado pelo projeto, “DAU. Natasha” é centrado na vida de uma mulher empregada no refeitório de um instituto de pesquisa secreto na União Soviética na década de 1950. Após se envolver com um cientista estrangeiro durante uma festa, ela é interrogada pela KGB – a polícia política soviética – sobre sua relação com o homem e tem sua vida radicalmente transformada.

Para realizar a obra audiovisual foi montado um gigantesco teatro de operações, que durou dois anos; durante 24 horas por dia, sete dias por semana, com 392 pessoas envolvidas, 200 atores vivendo em 2 mil metros quadrados, com resultado de 700 horas de película.

No entanto, para dar um toque de realidade, a direção do projeto implantou um regime absolutista no local, mesmo fora das filmagens, com todos os participantes, entre os anos de 2009 e 2011. A obra, recheada de violência, trouxe muita polêmica porque misturou ficção e realidade num único ambiente, com graves consequências éticas, morais, biológicas e psicológicas. O projeto Dau, na realidade, criou uma instituição totalitária, com efeitos deletérios inclusive sobre os trabalhadores não atores.

“Quais a lições do Projeto Dau para o mundo do ciberespaço?”, pergunta o professor Pedro Morais.

Segundo ele, a tecnologia é o principal elo das distopias contemporâneas, em que o espaço-tempo desenhado por Albert Estein foi desconstruído e encurtado dentro do ciberespaço, derrubando fronteiras e dando vazão à sociedade globalizada, marcada pela vigilância tecnológica em que essas grandes distopias versam sobre o binômio segurança  e liberdade. Morais trouxe preocupações claras com projetos totalitários em curso, principalmente em Estados-nações democráticas, em que projetos de cibersegurança tem sufocado conquistas caras às sociedades modernas.

Para isso, ele trouxe o conceito modernidade líquida, termo cunhado pelo filósofo Zygmunt Bauman, para definir o mundo globalizado, onde a liquidez e sua volatilidade seriam características que vieram desorganizar todas as esferas da vida social como o amor, a cultura, o trabalho. Segundo o conceito, na modernidade líquida, o indivíduo é que moldará a sociedade à sua personalidade. Primeiro, sem os parâmetros da modernidade sólida, o indivíduo será definido pelo seu estilo de vida, por aquilo que ele consome e o modo que consome. Na modernidade líquida, há sempre movimentação. As pessoas agora se deslocam mais facilmente e podem viver em vários lugares do mundo, sempre quando têm recursos para tal.

Mas numa sociedade fluida, altamente dinâmica e à mercê das inovações tecnológicas, como os Estados-Nações controlarão este ciberespaço?

Conforme explica o professor, a liquidez da modernidade no mundo digital foge à regulamentação e ao controle estatal e os instrumentos normativos não acompanham o desenvolvimento digital.

Os gestores dos Estados continuam a  pensar na repressão ao invés de prevenção no que concerne à segurança no ciberespaço. Por isso, na visão dele, a prevenção deve ser assumida como uma tarefa fundamental  no reforço da política geral e criminal. Morais trouxe como exemplo o  marco histórico  da Convenção de Budapeste, um tratado internacional sobre direito penal e direito processual penal, firmado no âmbito do Conselho da Europa a fim de promover a cooperação entre os países no combate aos crimes praticados por meio da Internet e com o uso de computadores.

A Convenção foi elaborada pelo Comitê Europeu para os problemas criminais, com o apoio de uma comissão de especialistas, realizando debates entre 1996 e 2000. O texto foi aprovado em 2001, o primeiro tratado internacional sobre cibercrimes.

Ele diz que as matérias de cibersegurança e cibercriminal, em qualquer espaço, não podem ser enfraquecidas. Citou que a Agência da União Europeia para a Cibersegurança (ENISA) criou normativos que estão sendo seguidos por diversos Estados-membros. Mas que mesmo assim os desafios são enormes, em especial contra o terrorismo, pois se requer muita colaboração e cooperação entre os países. “No ciberespaço não há fronteira”.

Mas há que se ter muito equilíbrio na criação de normatização e na implementação dessas políticas, para que as conquistas individuais não sejam massacradas, em especial nos países democráticos.

 “Essa cooperação internacional necessita desenvolver políticas. Agora não se fala apenas no binômio segurança e liberdade. Há também a defesa. Recentemente a ENISA  fez um exercício em que simulou um cenário de crise  e ataque ao sistema de saúde europeu. Na simulação,  houve um ataque com sérios prejuízos às marcações de cirurgias, transferência de doentes, troca de medicação de pacientes, impedimento de marcação nos sistemas de consultas, num exercício com inspiração em jogos de guerra, exercício militar de longa escala, em tempo real, em que a defesa da sociedade entrou em cena”, contou.

O professor doutor afirmou que diante do quadro, reflexões profundas devem ser feitas. Os exercícios feitos pela  ENISA, a cada dois anos, são um laboratório perfeito para que legisladores dos países testem, na prática, as normas a serem aprovadas.

Ele também afirmou que deve ser dada prioridade na formação de operadores públicos com fins de prevenção criminal e testadas soluções práticas, em especial no combate ao terrorismo e à criminalidade.

E por fim, e dialogando com o Projedo DAU, o  doutor Pedro Morais disse que os recursos tecnológicos contra as ameaças cibernéticas adotados pelos Estados no mundo não podem produzir as ruínas desse próprios Estados e das democracias. “Deve se ter cuidado no exagero. O remédio pode virar veneno e matar o paciente. No caso, cada cidadão do mundo.  Os Estados não podem reduzir direitos, garantias e liberdade dos cidadãos em respostas às ameaças cibernéticas”.  

Demais painéis

Ainda na manhã desta quinta-feira (29), foram realizados os painéis “A inteligência artificial e policiamento preditivo: Preter Direito Penal?, com a professora-doutora Flavia Noversa Loureiro; da Universidade do Minho. “Algumas Implicações do Desenvolvimento da Inteligência Artificial no Processo Penal”, com a professora-doutora Margarida Santos, da Universidade do Minho; e “Processos Editoriais e Inteligência Artificial”, com o professor doutor brasileiro Alexandre Pagliarini, da Uniter.

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Com Informações so Superior Tribunal Militar

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