Para fins do art. 108 do CC, deve-se adotar o preço dado pelas partes no contrato ou o valor calculado pelo Fisco?


Olá amigos do Dizer o Direito,

O tema abaixo tem grande
relevância prática e será cobrado na sua prova.

Muita atenção para aqueles que
fazem concursos de Cartório!!!

Imagine a seguinte situação
hipotética:

João, por meio um contrato particular
de compra e venda, alienou sua casa para Pedro.

No contrato de compra e venda uma
das partes se obriga a transferir o domínio (propriedade) de uma coisa para
outra pessoa e esta, em troca, se compromete a pagar o preço em dinheiro (art.
481 do CC).

O fato de ter sido celebrado o
contrato de compra e venda já é suficiente para transferir a propriedade do bem
imóvel?

NÃO. No Brasil, adota-se o
sistema romano, segundo o qual o contrato de compra e venda, por si
só, não transfere a propriedade da coisa. O contrato de compra e venda apenas
gera no vendedor a obrigação de fazer a transferência da propriedade.

E como é feita a transferência da
propriedade?

A transferência da propriedade
depende:

• No caso de bem móvel: da
tradição (entrega). Com a entrega da coisa móvel, a propriedade se transfere
para o comprador.

• No caso de bem imóvel: a
transferência da propriedade depende do registro do título aquisitivo
(contrato) no Cartório de Registro de Imóveis.

Assim, em nosso exemplo, mesmo
depois de ter sido feito o contrato, Pedro ainda não é o proprietário da casa. Para
que haja a transferência da propriedade para o comprador, ou seja, para que Pedro
se torne o proprietário, será indispensável levar o título aquisitivo
(contrato) até o cartório de Registro de Imóveis para que lá ele seja
registrado.

Forma do contrato de compra e
venda. A compra e venda de bens IMÓVEIS pode ser feita por meio de contrato
particular ou é necessária escritura pública?

• Em regra: é necessária
escritura pública (art. 108 do CC).

• Exceção: a compra e venda pode
ser feita por contrato particular (ou seja, sem escritura pública) se o valor
do bem imóvel alienado for inferior a 30 salários-mínimos.

Art. 108. Não dispondo a
lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios
jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de
direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário
mínimo vigente no País.

O objetivo do legislador, ao prever
essa parte final do art. 108, foi o de possibilitar transações imobiliárias sem
muito custo às partes de baixa renda.

Voltando ao nosso exemplo:

João, por meio um contrato particular
de compra e venda, alienou sua casa para Pedro.

A cláusula do preço dizia que o
imóvel vendido custava “XX” reais, o que era equivalente a 29 salários mínimos
da época.

Na semana seguinte, Pedro foi até
o Cartório de Registro de Imóveis registrar o contrato, a fim de “passar” a
casa para o seu nome.

O Oficial do Registro de Imóveis
não aceitou fazer o registro e suscitou dúvida, afirmando que a venda da
referida casa tinha que ter sido feita por meio de escritura pública.

O argumento do Registrador foi o
de que o Fisco fez a avaliação do imóvel, para fins de cobrança do imposto, e
calculou seu preço como sendo “YY”, equivalente a 50 salários mínimos.

Em outras palavras, no contrato
as partes deram um preço inferior a 30 salários mínimos, mas a avaliação do
Fisco aponta que o valor é acima disso.

Para fins do art. 108 do CC,
deve-se adotar o preço dado pelas partes ou o valor calculado pelo Fisco?

O valor
calculado pelo Fisco
.

O art. 108 do CC fala em valor do imóvel (e não em preço do negócio). Assim, havendo
disparidade entre ambos, é o valor do imóvel calculado pelo Fisco que deve ser
levado em conta para verificar se será necessária ou não a elaboração da
escritura pública.

A avaliação feita pela Fazenda
Pública para fins de apuração do valor venal do imóvel é baseada em critérios
objetivos, previstos em lei, os quais admitem aos interessados o conhecimento
das circunstâncias consideradas na formação do quantum atribuído ao bem. Logo,
trata-se de um critério objetivo e público.

Evitar fraudes

Segundo entendeu o STJ, ao adotar
o valor do imóvel calculado pelo Fisco, evita-se possíveis fraudes. Isso porque
as partes poderiam inserir no contrato um preço para o imóvel bem abaixo do
real apenas para fugir da obrigatoriedade da escritura pública, desvirtuando,
totalmente, o espírito e a finalidade da lei, com a exclusiva finalidade de
burlar o fisco e não recolher os tributos e emolumentos devidos.

Cuidado com o enunciado 289 do
CJF

Existe um enunciado da Jornada de
Direito Civil do CJF em sentido contrário ao que foi decidido pelo STJ.
Confira:

Enunciado 289: O valor de
30 salários mínimos a que se refere o art. 108 do Código Civil brasileiro, ao
dispor este sobre a forma pública ou particular dos negócios jurídicos que
envolvam bens imóveis, é o atribuído pelas partes contratantes, e não qualquer
outro valor arbitrado pela Administração Pública com finalidade exclusivamente
tributária.

O presente enunciado foi proposto
pelo grande doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, mas encontra-se superado pelo entendimento
do STJ. Assim, em provas de concurso ou mesmo na prática forense, não se deve
adotar o enunciado, mas sim a decisão do STJ.

Caso concreto

Assim, no caso concreto, o
Oficial de Registro de Imóveis estava com a razão ao fazer a exigência da escritura
pública. Logo, João e Pedro, antes de fazer o registro, terão que procurar um
Tabelionato de Notas e fazer uma escritura pública de compra e venda da casa.
De posse dessa escritura, eles irão procurar o Registro de Imóveis para efetuar
a transferência.

Resumindo:

A compra e venda de bens IMÓVEIS pode ser
feita por meio de contrato particular ou é necessária escritura pública?

• Em regra: é necessária escritura pública
(art. 108 do CC).

• Exceção: a compra e venda pode ser feita
por contrato particular (ou seja, sem escritura pública) se o valor do bem
imóvel alienado for inferior a 30 salários-mínimos.

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário,
a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à
constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre
imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no
País.

Para fins do art. 108, deve-se adotar o
preço dado pelas partes ou o valor calculado pelo Fisco?

O valor calculado pelo Fisco. O art. 108 do
CC fala em valor do imóvel (e não em preço do negócio). Assim, havendo disparidade
entre ambos, é o valor do imóvel calculado pelo Fisco que deve ser levado em
conta para verificar se será necessária ou não a elaboração da escritura
pública.  A avaliação feita pela Fazenda
Pública para fins de apuração do valor venal do imóvel é baseada em critérios
objetivos, previstos em lei, os quais admitem aos interessados o conhecimento
das circunstâncias consideradas na formação do quantum atribuído ao bem. Logo,
trata-se de um critério objetivo e público que evita a ocorrência de fraudes.

Obs: está superado o Enunciado 289 das
Jornadas de Direito Civil do CJF.

STJ.
4ª Turma. REsp 1.099.480-MG, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 2/12/2014 (Info
562).

Artigo Original em Dizer o Direito

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