PROCON tem legitimidade para ajuizar ação civil pública questionando a abusividade de reajuste no valor cobrado dos usuários da CABESP (plano de saúde de autogestão)?


 

A situação concreta, com
adaptações, foi a seguinte:

A Fundação de Proteção e Defesa do
Consumidor de São Paulo (PROCON/SP) ajuizou ação civil pública contra a Caixa
Beneficente dos Funcionários do Banco do Estado de São Paulo (CABESP)
questionando o reajuste do valores dos planos de saúde.

Imagine que você seja advogada(o)
da CABESP. Qual seria uma interessante tese que você poderia invocar para evitar
a condenação?

A ilegitimidade ativa do PROCON
para essa causa.

Vou explicar com calma.

 

O que é a pertinência
temática na ação civil pública?

A pertinência temática consiste
na “harmonização entre as finalidades institucionais das associações civis ou
dos órgãos públicos legitimados e o objeto a ser tutelado na ação civil
pública. Em outras palavras, mencionadas pessoas somente poderão propor a ação
civil pública em defesa de um interesse cuja tutela seja de sua finalidade
institucional” (DE SOUZA, Motauri Ciocchetti. Ação Civil Pública e Inquérito
Civil
. 5ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2013, p. 78).

Assim, o autor de uma ACP deverá,
em regra, demonstrar a sua pertinência temática para aquele interesse tutelado.

 

O que acontece caso o juiz
entenda que não existe pertinência temática?

Se não houver pertinência
temática, a parte deve ser considerada ilegítima para o ajuizamento da ACP, o
que ocasionará a extinção do processo sem resolução de mérito (art. 485, VI,
CPC).

Veja como o tema já foi cobrado em prova:

þ
(Promotor de Justiça MP/SP 2019) A Associação “X”, constituída em 1999 com a
única finalidade de tutela coletiva dos direitos dos consumidores, ingressou
com ação civil pública ambiental em face do Município “Y”, pretendendo impedir
a continuidade de obras de alargamento de um logradouro, sob alegação de que a
ampliação poderia causar dano ao meio ambiente. O magistrado, embora
reconhecendo o atendimento do requisito da pré-constituição, considerou ausente
a pertinência temática para a propositura da demanda. Nesse caso, o processo
deve ser extinto, sem resolução do mérito, por ausência de legitimidade ativa.
(certo)

 

Quem são os legitimados
para propor ACP?

O rol dos legitimados para a ACP está previsto no art. 5º da
Lei nº 7.347/85:

Art. 5º Têm legitimidade para propor a
ação principal e a ação cautelar:

I – o Ministério Público;

II – a Defensoria Pública;

III – a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios;

IV – a autarquia, empresa pública,
fundação ou sociedade de economia mista;

V – a associação que,
concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1
(um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a
proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à
ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos
ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico
.

 

A pertinência temática é
exigida apenas das associações?

NÃO.

Se formos analisar apenas o texto
literal, o art. 5º da Lei nº 7.347/85 apenas exige expressamente da associação a
comprovação de pertinência temática para propositura de ação civil pública. É a
alínea “b” do inciso V do art. 5º acima transcrito.

Assim, em uma interpretação
literal, as autarquias, empresas públicas, fundações públicas e sociedades de
economia mista não precisariam comprovar a pertinência temática para ajuizarem
ações coletivas.

Nessa perspectiva, os integrantes
da administração pública indireta passariam a ter amplos poderes, concorrendo,
inclusive, com as finalidades institucionais do Ministério Público e da
Defensoria Pública, convertendo-se em verdadeiros “procuradores universais”,
com legitimidade para ajuizamento das mais variadas demandas coletivas,
independentemente de sua área de atuação.

Ocorre que o STJ não adota essa
interpretação literal. Isso porque não se pode esquecer que as autarquias,
empresas públicas, fundações públicas e sociedades de economia mista possuem competências
legais e estatutárias, as quais delimitam o seu campo de atuação.

Justamente por isso, a doutrina defende e o STJ encampou a
tese de que as entidades da administração pública indireta somente poderão ingressar
com ACP se demonstrarem a pertinência temática:

“Não basta a
existência fática de uma pessoa da Administração Pública indireta: necessário
se faz o exame de seu regime estatutário (lei, regulamento, contrato ou ato de
constituição etc.). Será o seu estatuto que conferirá legitimidade adequada (ou
não) à pessoa jurídica, com densidades diferentes: uma coisa é uma autarquia;
outra, uma sociedade de economia mista com capital aberto na bolsa de valores”
(MOREIRA, Egon Bockmann; BAGATIN, Andreia Cristina; ARENHART, Sérgio Cruz;
FERRARO, Marcella Pereira. Comentários à Lei de Ação Civil Pública. 2ª
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019, pp. 371).

 

Em suma:

 

Voltando ao caso concreto:

NÃO. O PROCON/SP possui natureza
jurídica de fundação. Logo, trata-se de entidade da administração pública
indireta. Desse modo, a sua legitimidade ativa para ACP depende da demonstração
da pertinência temática.

 

O PROCON tinha pertinência
temática para a defesa desse interesse em juízo?

NÃO.

O objetivo institucional do
PROCON é o de elaborar e executar a política estadual de proteção e defesa do
consumidor.

A CABESP é um plano de saúde de
autogestão criado para assegurar assistência médica, hospitalar, odontológica,
psicológica e paramédica aos funcionários do Banco do Estado de São Paulo S/A.

O STJ consagrou o entendimento no
sentido de que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor ao contrato de
plano de saúde administrado por entidade de autogestão, haja vista a
inexistência de relação de consumo:

Súmula 608-STJ: Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos
contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de
autogestão.

 

Dessa forma, como o objetivo do PROCON/SP
é a defesa dos interesses dos consumidores e tendo em vista que os usuários do
CABESP não podem ser considerados como consumidores, fica muito clara a
ausência de pertinência temática.

Artigo Original em Dizer o Direito

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